Bom fim-de-semana.
sábado, 25 de setembro de 2010
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Do Mwata
Um dia, outras paragens o chamaram. Para elas foi, levado por um equinócio.
Terra estranha! Cinzento era o céu, embora, a espaços, por ele espreitassem olhos azuis. O ar perscrutava, cirandando num vento frio e húmido, mordendo-o por dentro da roupa, gretando-lhe os lábios. Por isso, quiçá, deu-se ele a pensar, as pessoas não andavam como na terra da sua nascença, mas corriam dum lado para o outro, parecendo apressadas em chegar. Aonde? Provavelmente, a lado nenhum, vá lá saber-se!
Árvores de troncos e galhos despedidos do verde, humedecidos pelo chorar das nuvens, tendo por chão não terra e capim, mas tapetes de folhas amarelecidas, viu pela primeira vez, surpreso. Daquele chão, feito húmus, subiram-se-lhe odores só agora sentidos, aconchegando-se-lhe como aromas de um tempo novo. Diferentes, é certo, mas igualmente aprazíveis, dos das terras vermelhas e quentes molhadas pela chuva, deixadas para trás. Ao partir da tarde, agasalhou-se, deixando o coração liberto… Assim se entregou à chegada do sono.
Na manhã seguinte viu o Sol pintar o céu com azul de matizes mil, e dar luz aos cinzentos e brancos da terra, trazendo, também, um braçado de frio fino. O dia cresceu com amarelos e outras cores por si vistas pela primeira vez. Cores de uma paleta nova, que ele não sonhara existirem, dando vida a gentes e coisas, tirando-as das sombras. Por elas se encantou.
No repousante recanto da noite, antes do novo leito de amor o ter chamado, aprendeu a escolher as pinhas, a caruma e a lenha para acender a lareira de onde se libertou, qual mimo de mãe, calor acariciante. E ao borralho disseram-lhe toma, come, é uma castanha assada, quente e boa, e bebe, é vinho do porto. O que fez a um tempo, logo perguntando que tempo é este? Outono, responderam-lhe.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Do Mwata
Aberturas e Fechaduras
Ali por baixo, na base do monte onde na praia-mar as águas largam o espumar de zanga das ondas, vê um tridente apontando. Segue o sinal, que o conduz até à boca duma caverna. Sendo, embora, o que não parece, depara-se-lhe uma porta fechada. A um dos lados, na pele curtida de um qualquer bichano apanhado numa saída incauta das profundezas quentes da terra, está escrito: Casa do Demo, encerrada para obras. Não force a entrada. Volte daqui a sete dias.
Respeita a recomendação, dá meia volta, segue encosta acima. Ao entardecer, queixam-se-lhe os pés do farto e duro caminhar. Encosta-se a uma rocha, nascida de dentro do mato. Em frente descobre um portal. Da soleira desce uma placa de pechisbeque, segura por um cordão de mateba. Nela lê: deuses em retiro, não perturbe. Tente no próximo milénio.
Resignado deita-se, aninhado sobre si próprio.
Acorda-o uma manhã de sol promissor. Deita mão ao seu bordão de caminhante. Parte em busca do pico da montanha. Passa anos entre tempestades e bonanças. Vagabundeia por planícies vazias. Vence medos. Vive silêncios. Vê nascer e morrer o Sol, a Lua, e as estrelas. Descansa em sombras de confiança. Encontra gentes de cuja existência jamais suspeitara. Aprende outros falares. Conhece diferentes sentires e viveres. Não crendo que a terra seja maior do que ele próprio, prossegue. Chega, finalmente, sendo certo que, onde a terra termina, começa ele agora, conquistador, erguendo-se, olhando em redor. Nada havendo a dizer-lhe que não, abre a porta meio escondida entre nuvens.
Numa estopa meio esfarrapada, talvez fruto de maus-tratos de mãos por si passadas, tombada num chão de cascalho solto, lê, a custo: vedada a entrada a humanos.
domingo, 19 de setembro de 2010
Recordar Saramago
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Palavras emprestadas
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
(Vinícius de Moraes)
Um bom fim-de-semana para todos.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Do Mwata
Sendo já muzangala, entendeu que não, não era cedo para se pôr a pensar no que é isso de ser homem de ter mulher. Deste pensar falou ao Mwata, seu confidente de intimidades, quando estas se lhe chegam. Ouviu:
“O amor nasce espontâneo, como os trevos, o caluqueta, ou a erva da pedra para o chá dos rins, entre o capim, mas, tambula, a felicidade não vem com ele. Felicidade é coisa da gente fazer com cuidado para não avariar.”
E continuou:
“Quando um homem e uma mulher se ligam, não é por uma corrente só, um cabo. Nada disso. São vários os baraços, da alma e da consciência, a uni-los, terminando cada um deles, de um e de outro lado, em pontas finas, frágeis, que é preciso ir reforçando com o tempo, pois por elas entram e saem as forças da vida, as cores da felicidade, a compreensão, a partilha, a verdade, o afecto, a amizade, o carinho, os segredos comuns e a fidelidade.
Parte-se uma daquelas pontas e é um problema. Se pelo fio passar o carinho, este volta para trás, transforma-se em azedume, por vezes em ódio; se for a linha do afecto, ele recua do mesmo modo, transfigura-se em ciúme, desconfiança. A verdade passa a artimanha, a fidelidade a silêncios, e assim sempre sendo. As pontas de que te falo, uma vez desfeitas, não se conseguem atar de novo, perdem-se. Deslaçadas todas, acaba-se tudo. É aqui que a felicidade sofre danos e se avaria. Os dois separam-se, ficam afogando-se. A seguir bate o disparate e o arrependimento mordendo com dentes de víbora venenosa.
Entendes?”
Disse que sim. A partir dali fez, com desvelo e saberes que foi aprendendo, um novelo de fios das sedas de que o Mwata lhe falou. Quando um dia a encontrou, com ela teceu a teia da sua felicidade, uma casa grande onde as portas não rangem e os postigos não batem. Uma teia que todas as noites luzes descidas dos céus vêm beijar.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Recordar Saramago
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Do Mwata
E vai ao outro lado da estrada procurar o mar, seu companheiro confidente de todas as horas, amigo e amante. A ele se entrega, sempre que ali chega, oferecendo-lhe o corpo da cor da blusa do mar em noite sem Lua, deixando que lhe cheire o odor a caju, dando-lhe a beber a boca com sabor a maboque, que lhe escorre por entre os lábios.
Hoje, porém, desvia-se um pouco. Com o olhar de brilho vivo procura o trilho que a há-de levar, sabe ela, ao sítio a que os tempos se recolhem, ao local onde a terra se dilata de dentro das águas, para lá do morro de onde os escravos eram enviados para o outro lado do mar. Ela conhece a história, sangue de escravos corre por si. Não quer que a terra e o Oceano dela lhe falem, que a façam olhar para trás. Deseja, apenas, que a libertem, que lhe devolvam o pensamento solto de agruras. Porque hoje, entende, é o início de ser ela.
A terra em silêncio, e o mar de voz recolhida, escutam-na.
O tempo corre. Chega-se agora o entardecer, e, com este, uma onda maior colocando a seus pés uma flor de pétalas brilhantes. Debruça-se, recolhe a corola de cores até então para si desconhecidas. Olha-a e sorri, grande e doce, como nunca ali antes visto.
Regressa à cubata. Sem bagagem, parte no dia seguinte para não mais voltar. Com ela leva uma flor e a vontade de encontrar a pessoa nascida no sonho.