terça-feira, 30 de novembro de 2010

Conversa minha (Monotonia)

Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim.”
(Bernardo Soares – Livro do Desassossego)
Ah, a monotonia!

Veio átono o dia que hoje chegou. Mudei o olhar, fugindo ao monótono. Na palma da mão detive-me em linhas que são minhas, as linhas da minha mão. Em tempos quiseram lê-las. Disse que não. Elas nunca seriam para outros o que são para mim. Para além disso, perscrutá-las é um acto íntimo, só meu. É por elas que se vão escrevendo e guardando pedaços de vida, que vida me vão dando e tirando. Por vezes embaraçam-se, é certo. Ocasiões há em que erguem tabuletas com sinais sempre, ou quase, indecifráveis. Em momentos de reflexão guardam segredos, ciosas. Noutros soltam-se, vadias, correndo em busca do que sabem ser uma quimera. Fingem, como o poeta. As linhas da minha mão não conseguem nunca libertar-se do que são – as minhas linhas da mão!
E agora, para onde vão elas? Insisto. Por estranho que pareça soltam-se-lhes palavras, palavras não vazias. Entendo que desatinaram, e, em tal desatino, desafinado me chamam.

domingo, 28 de novembro de 2010

O casamento (Memórias)

Na sanzala da família do amigo, de que o pai é o seculo, está marcado casamento. Aceita o convite. Mete-se à viagem. O Sol inclina-se cento e trinta e cinco graus para poente. Estar-se-á entre as três e as quatro da tarde. Os nimbos ao fundo prenunciam tempestade. Viajar em plena estação das chuvas por esta África escondida, longe das estradas alcatroadas, tem que se lhe diga, e muito mais para contar, quando o parceiro de aventura é um pequeno VW carocha, como aquela traquitana pintada de preto que ali vai galgando mato.
Há muito que se está a ver o quanto se esforça o carrito para transpor buracos e deslizar pela lama, às vezes em situação de equilíbrio instável na passagem pelos autênticos abismos que são os trilhos deixados pelos rodados pesados dos camiões nas picadas de lama. O carocha vence, chega ao destino. Vê, então, o que longe estava de imaginar.
Fora feito à terra o que ela mais gosta: dera-se-lhe amor.
Durante duas noites e dois dias, o mundo enfeitou-se nas terras do seculo. O chão à entrada das cubatas foi varrido, mas antes borrifado para assentar a poeira. A bicharada doméstica, cães incluídos, recolheu às cercas circulares de pau a pique e a outras clausuras.
No último dia as gentes do povoado churrascaram cabritos, galinhas cabiris, pedreses, algumas capotas, batata-doce e banana-pão. Cozeram mandioca. Bateram funge. Cozinharam feijão com óleo de palma. Apuraram muamba de pungo seco. Fizeram sopa de jimboa.
Refrescaram garrafões com marufo em poças de água da chuva entre o capim. Atestaram cabaças com vinho tinto. Ao sol-posto encheram com papaias maduras, fruta-pinha, sape-sape, caju e abacaxis, estes vindos de outros quimbos, pequenas quindas feitas de tiras secas de mabu.
Pela primeira vez, na história da sanzala, mãos negras amassaram farinha branca de trigo até todos os grumos desaparecerem, sem esquecerem a junção do sal e de fermento em pó, que ele oferecera ao amigo, e levaram o jimbolo a cozer num forno a lenha, escavado na terra com paredes de argila.
A matriarca, a mulher mais velha do seculo, em idade de apenas dar conselhos, não mais do que isso, pisou quitaba com caluqueta maduro bem picante, mais cahombo, destinada ao noivo por, na opinião dela, ser comida de pôr vigor no homem que vai casar! Depois de tudo aprontado, foram espalhados luandos pelo centro do terreiro da sanzala, e toros encostados como bancos corridos. Adornaram-se as mesas para o almoço, que seria jantar, ceia também, e, na manhã seguinte, mata-bicho.
Terminados os afazeres, homens e mulheres assearam-se em banhos no rio das choupas e dos cacussos, esfregando os corpos com sabão de óleo de dendê, por eles passando depois, a perfumá-los, pétalas e rebentos da floresta. Rasparam as plantas dos pés, os tornozelos e os cotovelos com seixos parecidos com pedra-pomes, ou talvez o fossem. Todos preparando-se a rigor. Com panos novos esmeraram-se elas no vestir, cada uma se ataviando com voltas de missangas ao pescoço. Para além destes ornamentos, as mulheres do seculo em idade parideira usaram também, nas pernas a caírem-lhes sobre os tornozelos, argolas de fios metálicos delicadamente entrelaçados, sinais da sua realeza, previamente esfregados com cinza e areia do rio, para se lhes avivar o brilho.
Depois rufaram tambores, percutiram-se marimbas, escutaram-se cânticos. Os noivos casaram, desapareceram num piscar de olhos, efeitos da quitaba, quiçá! A festa começou parecendo não mais querer acabar, o povo entrou na dança. Já a noite ia alta, com o céu vestido de estrelas, cansado do baile, sentou-se à beira duma fogueira, lado a lado com o seculo e a matriarca, sorridentes os três, bebericando marufo. Na manhã seguinte, ao dirigir-se para o carocha que o levaria de regresso, olhou para trás, fez um aceno, ouviu o seculo dizer "obrigado amigo". Não conseguiu evitar as lágrimas.

sábado, 27 de novembro de 2010

Do Viajante

Finalmente, ao cabo de duas semanas de árduo trabalho, o rio profundo e caudaloso, fora vencido. Concluíra-se a ponte de toscos troncos de árvores a suportarem as longarinas metálicas levadas do aquartelamento. À frente a anhara de capim alto ondulante e arbustos pouco mais que rasteiros, uns ao dependuro doutros, serpenteava, qual jibóia gigantesca, a caminho do horizonte. Dum e doutro lado, mata cerrada. A ordem era para avançar, deixando a picada.
Metros andados sob o capim alto silvaram as balas. Atiraram-se para o chão na fuga ao projéctil que pudesse trazer destino agarrado a um nome. Ergueu os olhos, buscando os homens. Viu vultos colados ao solo, confundindo-se com o chão lamacento. A seu lado estendido o furriel enfermeiro sussurrou-lhe não saber da arma. Olhou-lhe para as mãos, entre elas estava apenas, fortemente segura, a caixa dos primeiros socorros.
Cessaram os tiros, a emboscada fora levantada. Possivelmente seria montada mais tarde, noutro local onde a tocaia pudesse resultar melhor. Regresso à picada. Não havia baixas, mas um soldado estava em falta. Uma procura rápida resultou em nada. Passou-se para o inimigo, pensou. Era tempo de voltar para o aquartelamento.
À chegada grande alvoroço.
Um soldado negro, um cuanhama com ar aterrorizado, estava rodeado por outros que, vociferando, o ameaçavam por ter fugido. Era o soldado que lhe faltava no pelotão. Afinal não se passou para o inimigo, disse para si. Aproximou-se e perguntou-lhe: Porque fugiste? A resposta surgiu com palavras não hesitantes: Não gosto da guerra, meu alferes!
Ouviu a voz do capitão, a seu lado: Mande amarrar este homem e prenda-o na masmorra, irá a tribunal militar. Não, capitão, jamais prenderei um homem que não gosta da guerra! O capitão, jovem miliciano recém-chegado ao teatro de operações, olhou-o, olhos nos olhos, e retirou-se em silêncio.
A guerra continuou. Em cada saída o soldado cuanhama colocava-se ao lado do alferes, sem que voltasse a fugir. A comissão terminou. O pelotão não teve uma única baixa. No seu registo de operações não ficaram a constar mortes infligidas ao inimigo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O "talvezeiro"

(Palavra em título roubada a Mia Couto)
“May be Man”, o texto cuja leitura vos proponho, escreveu-o Mia Couto, sobre Moçambique. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa é mera coincidência.
“Existe o “Yes man”. Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o May be man. E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa criatura que todos, no final, reconhecerão como familiar. O May be man vive do “talvez”. Em português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não toma. Sim­plesmente, toma indecisões. A decisão é um risco. E obriga a agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e o vazio. A diferença entre o Yes man e o May be man não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may be not”.
Enquanto o Yes man aposta na bajulação de um chefe, o May be man não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior. Sem chegar a ser chave para nada, o May be man ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do partido. Ele aceitou por conveniên­cia. Mas o May be man não é exactamente do partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua ideolo­gia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma na­ção muito gaseificada.
Governar não é, como muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o May be Man, uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer. Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima, patriótica e enqua­dra-se no combate contra a pobreza (…)
(…) O May be Man é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.”
(Para a leitura integral do texto, façam o favor de ir aqui.)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Do Viajante

A primeira vez:

Estava prestes a meter-se pelo segundo sono. Um som indecifrável comichou-lhe os ouvidos, acordou-o. Abriu os olhos. Por instantes breves, viu uma imagem ondulante. Era a de uma figura de mulher, braços abertos, cabeça levantada, vestida até aos pés, a sorrir. Foi a correr lá acima, em busca do rosto daquele sorriso. Nada! Quando lá chegou já aquilo se tinha esfumado, desaparecido. Levantou-se. Na casa de banho banhou os olhos, a apagar o que neles pudesse ter ficado. Regressou à cama. Dormiu, sozinho, até de manhã.

A segunda:

Dias depois, ou dizendo melhor, umas noites a seguir, quase logo após ter pegado no primeiro sono, voltou o tal som, agora um barulhito agudo. Descolaram-se-lhe as pálpebras. Não, não, não estava lá nenhuma mulher, mas sim uma cabeça de homem e um par de braços, a querer abraçá-lo, assim lhe pareceu. Desta feita ergueu as mãos. Em vão. Só ao vazio elas chegaram. Não se levantou. Chamou a si lençol e o cobertor. Atirou-se ao sono e por lá se quedou até um raio da manhã ter entrado pela persiana mal fechada a despertá-lo, sem que outro importuno chegasse.

A terceira:

Agora mais de mansinho. O som franzino parecia um zunido. A imagem de uma mulher, sim de uma mulher de cachecol ao pescoço, sorridente (quase lhe viu os dentes, mas os olhos não, não estavam lá, só uns redondos escuros!), de braços alçados, vestida até aos pés como a da primeira vez. Esta pareceu-lhe mais adelgaçada. Tocar-lhe foi impossível, sumiu-se num ápice! Levantou-se, andou pelo corredor, virou à esquerda para a sala, ligou as luzes. Estava tudo no sítio. Ficou por saber o porquê de tal verificação. De que andaria à procura? A verdade é que o fez. Deu a volta ao interruptor, voltou para trás. Um arrepio roçou-se-lhe pelas costas. Viu se a persiana estava completamente fechada. Deitou-se. Mandou o frio às urtigas com o lençol e o cobertor, virou-se para a direita, pôs a mão desse lado debaixo da almofada e, antes de fechar os olhos, perguntou à vida:
- És tu que andas por aqui, ou é a tua irmã?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tempo do Poeta

Há poetas onde me encontro. Fernando Pessoa é deles o maior. Porquê? Se as palavras perguntam, também respondem. Talvez porque como a de Bernardo Soares, a sua leitura me desassossegue.
Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por coisa esquecida.
(Fernando Pessoa, “Novas Poesias Inéditas”. Lisboa, Ática, 4ª ed. 1993).

Como na poesia há prosas únicas. Proponho-vos, a seguir, a leitura do que sobre Fernando Pessoa escreveu José Saramago:

“Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um Camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um Camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa.(…)”
Aqui podem continuar a ler.
Um abraço para todos e bom fim-de-semana.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

José Saramago


Faria hoje 88 anos. Recordo-o com palavras da mulher com quem viveu os últimos 24 anos de vida, a sua viúva Pilar del Río:

“Saramago escrevia como se fosse um camponês: preparava a terra, adubava-a, limpava-a, semeava. Tudo a seu tempo, duas páginas por dia, sem impaciências, sem omitir um sulco, uma responsabilidade. Às vezes tinha que deixar descansar a terra, e então aproveitava para pôr em dia a correspondência com os amigos, tarefa nunca acabada, lia, relia, ia às escolas e às universidades que insistentemente solicitavam a sua presença, como em Mafra, apresentava livros em países que lhe eram mais próximos emocionalmente, militava, ainda que este militar, militar como cidadão, fosse, como o pão, coisa de cada dia. Saramago não desfalecia nunca, por isso os seus livros têm, como a espiga colhida, tanto para dar de comer. Que é uma necessidade de todos, comer, ler (…)”

Aqui poderão continuar a leitura.

sábado, 13 de novembro de 2010

Memórias

O nosso grupo das pescarias nas Palmeirinhas, aquele pedaço do Paraíso a Sul de Luanda, tinha um pisteiro, de nome Santana. Era um homem de idade muito andada com barbas branqueadas pelo correr do tempo e iluminadas pelo cacimbo soprado do mar. Casca das mãos rugosas de tanta vida fiar, pernas arqueadas e uma ligeira corcova nas costas. Cigarro de enrolar sempre nos lábios, com a ponta acesa virada para dentro. O amigo Santana, como ele queria que o tratássemos, era pai de muitos filhos, tantos que lhes havia perdido o número, avô de netos que os dedos de mãos e pés não chegavam para contar (dizia ele), e homem de muitas mulheres.
Nascido ao lado do mar, e abraçado a ele sempre ter vivido, Santana sabia da vida nas águas das Palmeirinhas como ninguém. Tal era o seu conhecimento, que o tinha como um ser abençoado e protegido pelos criadores do saber. Dele sabíamos, também, que não gostava de andar a correr atrás do tempo.
Ao nascer da noite, Sábado sim, Sábado não, lançávamos ao mar o barquito com motor fora de bordo e o Santana sentado à popa, de petromax na mão. Meia hora depois de cortados os caminhos do mar, o velho dizia “deita ferro”. O ferro era a âncora. Escuro como breu, nada víamos, mas ele dizia “aqui tem peixe”. E tinha! Lá vinham os roncadores, os parguetes e uma ou outra macôa. Quando deixava de dar, ouvíamos: “tira o ferro”. Levantando o braço direito com o petromax na mão, para que víssemos, indicava-nos novo rumo. Assim continuávamos até que ao amanhecer o Santana ordenava o fim da faina, proclamando ser tempo do mata-bicho. Abríamos o farnel, tirávamos umas cucas da geleira portátil e, dum saco especial, uma garrafa de vinho tinto, só para o nosso amigo não apreciador de cerveja. Ali sobre aquelas águas, avistando terra feita uma ténue linha ao fundo, embalados pela pequena e acariciante ondulação de um mar sem igual, nos púnhamos à conversa, saboreando um delicioso arroz de azeitonas.
Muitas perguntas fizemos ao nosso pisteiro. Poucas respostas nos deu. Um dia, fomos mais persistentes. Porquê que ele, uma espécie de soba da sua sanzala, por todos respeitado e obedecido, perdia uma noite de Sábado à pesca connosco, a troco de um farnel, uma garrafa de vinho e um pacote de tabaco de enrolar, nada mais querendo, por muito que oferecêssemos, incluindo dinheiro?
Porque, respondeu, com o jeito da nossa conversa não sou mais como a cola que quando seca ninguém mais lhe usa.


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Do Mwata


Momentos
Únicos!

Almoço de família. Mesa cheia. Ouve-se a voz do neto caçula:
- Quero fazer chichi!
Logo outra se escuta, a da prima mais velha, sentada a seu lado:
- Queres que te ajude?
Resposta do caçula:
-Não! A minha pilinha sabe fazer chichi sozinha!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Porque não?

No post aqui deixado pelo Mwata, intitulado NÃO, em que se fazia referência à greve geral do próximo dia 24, a Maria João, amiga muito estimada desde que cheguei à blogosfera, do blogue Pequenos Detalhes, de leitura imprescindível, imperdível (visitem-na …) deixou este comentário:
“Estou em todas as palavras, solidária com o seu pensamento.
A minha revolta cresce, dia a dia, na mesma proporção da indignação e do sentimento de injustiça.
Sou, portanto, pela manifestação colectiva deste estado de espírito e desta indignação, pois quanto maiores forem os gritos mais elevados e fortes os seus ecos.
O que não sei, no momento presente, é se esta manifestação deva ser feita debaixo de um protesto de greve efectiva ao trabalho. Porque independentemente das responsabilidades e culpas, o certo é que o país está em falência económica e, nesta conjectura, não me parece que seja essa a melhor forma de nos pronunciarmos enquanto cidadãos de um país que amamos tanto, apesar de tudo.
Porque não uma mega manifestação em todo o país, a um sábado ou domingo, onde as pessoas de cada freguesia, cada cidade, cada concelho, viessem para a rua gritar o quanto estão tristes, insatisfeitas e revoltadas com tudo o que lhes foi e será sonegado?”
Estou inteiramente de acordo. A greve geral, convocada pelas centrais sindicais, vai acontecer. Com que adesão, com que participação? Nunca o viremos a saber. Depois da greve seguir-se-á a costumeira e azucrinante guerra de números entre os sindicatos e o Governo. Pegando na ideia da Maria João, daqui lanço um apelo aos sindicatos, como fortes mobilizadores da vontade popular, e à sociedade civil em geral, para que depois da greve todos se empenhem numa mega manifestação, duma ponta à outra de Portugal, sem esquecer as regiões autónomas. Num Sábado, num Domingo, ou mesmo por todo um fim-de-semana. Deixemos as peregrinações aos centros comerciais, os passeios, as idas aos restaurantes, as tardes de cinema, o doce nada fazer do sofá, o recolhimento ao só, o encolher de ombros que tolhe e diminui. De braço dado com filhos e netos, outros familiares, homens ou mulheres, companheiros e amigos, percorramos o chão do País, gritando bem alto a nossa indignação, com cada um erguendo uma bandeira branca com a palavra NÃO.

domingo, 7 de novembro de 2010

Do Viajante

A Corrupção mata

"Dos seis mil milhões de habitantes do planeta, cinco mil milhões são pobres. Partindo desta realidade, cada vez mais associações se mobilizam, em redor da OIT e da UNICEF, para pôr fim a um dos mais revoltantes escândalos do nosso tempo e para exigir o direito sagrado de todas as crianças a uma vida decente.
Essas associações dirigem-se em primeiro lugar aos chefes de Estado e de Governo de todo o mundo. E verificam que, mesmo ao mais alto nível, vários desses dirigentes políticos, na altura da mundialização, se deixam apanhar pela febre do dinheiro fácil e da especulação, sucumbindo à corrupção
."

Li isto no blogue da São. Não pude deixar de pensar que a Humanidade continua violenta no seu caminhar, indiferente aos que sofrem, atirando para a morte, pela doença e pela fome, milhões de vidas. Em que saco irão cair apelos como este? Em Angola fui testemunha de situações que, lamentavelmente, continuam a ocorrer por todo o mundo. Deixo-vos à reflexão:
(…) Os 16 anos (1975 a 1991) do primeiro grande conflito armado entre os angolanos, deixaram o país exaurido e com o aparelho produtivo reduzido a zero. O três caminhos-de-ferro destruídos. A rede das rodovias alcatroadas, das estradas de terra batida e das picadas estava intransitável, por força do grau de destruição provocado por bombardeamentos, pela passagem das lagartas dos carros de combate e, ainda, pela erosão resultante da falta de assistência. E, porque ocupadas nos seus nós estratégicos de ligação, ora pelas FALA da UNITA, ora pelas FAPLA do MPLA, ninguém se atrevia a circular. A tudo isto acrescia a malha de minas colocadas em todo o País (portuguesas, sul-africanas, russas, cubanas e angolanas), barrando os caminhos que as populações percorriam a pé, nas suas trocas comerciais: as do Litoral com sal, peixe, óleo alimentar e sabão; as do Interior com produtos da terra e carvão. Estimativas da ONU apontavam para a existência de 10 milhões de minas. Uma por cada habitante!.

Foi então montada a mais gigantesca operação de abastecimento por via aérea do mundo. Recebidos de doadores internacionais e da Comunidade Europeia, alimentos e outros bens de primeira necessidade começaram a ser transportados regularmente para as províncias, em enormes cargueiros de fabrico soviético (Tupolev e Antonov) e norte-americano (Boeing). Registaram-se, durante semanas, 17 voos diários, com origem em Luanda, outros ocorrendo a partir do aeroporto da Catumbela, a Sul, entre Lobito e Benguela, aproveitando o desembarque, no porto do Lobito, de produtos doados.

Agências especializadas da ONU (PAM e UCAH) coordenavam os envios das doações, que eram entregues no destino a organizações humanitárias como a Cruz Vermelha e a Caritas. Estas, por sua vez, responsabilizavam-se por fazê-las chegar às populações carenciadas. Para custear o transporte de cada tonelada entre a entidade que a recebia e os necessitados, os doadores entregavam também 100 dólares. Contas da altura: transportando cada avião, em média, 20 toneladas, os 17 voos traduziam-se em 340 toneladas diárias, equivalente a qualquer coisa como 34 mil dólares. O que era feito com aquele dinheiro? Esbarrando em silêncios e sistemáticas indisponibilidades das fontes de auscultação indispensável (PAM e UCHA), resultaram frustradas quaisquer investigações. Foi-me apenas possível saber, junto das organizações humanitárias de destino, que estas nunca tinham ouvido falar de verbas para transportes.

Outra situação nada clara: a venda, em alguns mercados paralelos, de produtos de consumo, como leite, azeite, óleos alimentares, farinha, açúcar e sabão, em embalagens da ajuda humanitária. Visitei vários desses mercados, um deles no Huambo (antiga Nova Lisboa) acompanhado por dois elementos do PAM e por um oficial do Comando da Polícia local, a quem manifestei e minha estranheza e pedi uma explicação. Obtive sorrisos, encolher de ombros e um uníssono «foram roubados».

Ficou-me, para sempre, a certeza de fortes conivências das autoridades angolanas e dos agentes humanitários, na candonga dos bens recebidos dos doadores internacionais para os mercados paralelos, onde eram vendidos a preços que a maior parte das pessoas não podia pagar. E outra certeza: a de que a caridade internacional ajudava a engordar a fortuna de alguns, e a prolongar a agonia da morte de muitos outros. As denúncias que então fiz, nas minhas reportagens, de nada valeram. Tudo continuou na mesma (…)
(In Angola a Cultura do Medo, edição Livros do Brasil, 2002)


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Do Mwata

NÃO
O descontentamento, a revolta e a indignação são uma constante no quotidiano dos portugueses. Hoje, para subsistirmos, tornamo-nos subservientes da Europa dos poderosos e dos mercados. Impõem-nos leis, políticas e até o OE.
Se o hoje continuar como está, que amanhã teremos?
Há culpas portuguesas? Por certo que sim. A incompetência e a incapacidade da classe política que, de há décadas, tem estado à frente dos destinos do país são por demais evidentes para que possam ser negadas. Incompetência e incapacidade para se opor e controlar os abusos do poder económico e financeiro dos poderosos e dos sacrossantos mercados. Basta recordar, por exemplo, a destruição do aparelho produtivo das pescas e da agricultura que nos foi imposta, a troco de uns tostões, no tempo em que o actual PR era Primeiro-Ministro.
Culpas também nos pesam pelo medo, apatia e resignação do povo que somos.
E não só. Sobre nós pende o anátema da mesquinhez, da inveja, da insinuação, dos pequenos ódios. Dos especialistas do mal-dizer. Do regabofe do consumismo que nos cega. Da sedução pela corrupção. Queremos, creio, ser um povo de corpo inteiro. Mas querer ser não pode ser deixarmo-nos ir como um rebanho. Queremos ter o direito à opinião. Tenhamo-lo, sem nos aquartelarmos na exiguidade da indiferença, sem pensarmos que a dignidade se conquista com a renúncia à participação.
Há dias, no debate parlamentar sobre o OE, a deputada Manuela Ferreira Leite (ex-líder do PSD) defendeu a necessidade de “acalmar” os tais mercados que, na sua opinião, não devem ser atiçados já que, acrescentou, “quem manda é quem paga”! Virando-se para o Governo e para os deputados do partido que o apoia (o PS) prescreveu a terapia: “Finjam, finjam que estamos todos muito amigos”!
Quando o maior partido da Oposição, amanhã eventualmente no poder, entende que o grande milongo para os nossos males é o fingimento, o que nos resta? Dizer que não, certamente! Basta de hipocrisia!
As duas centrais sindicais (CGTP e UGT) marcaram uma greve geral para o próximo dia 24. Paralisar o país para dar um abanão nos políticos, despertando-os para a realidade, forçando-os a corrigir erros, é o objectivo. A esmagadora maioria dos portugueses parece estar de acordo com a greve, embora apenas uma minoria nela esteja disposta a participar, talvez por receio de represálias, ou, tão só, por mera fuga à responsabilidade de cada um, aquele permanente encolher de ombros, aguardando que outros façam por nós o que a cada um de nós cabe. O manifesto da indignação pode não ser gratuito, mas o não só será efectivo se colectivo for.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Prémio Dardos

«O Prêmio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras.

Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web».

Como referido na banda lateral desta minha cubata, já por duas vezes recebi o Prémio Dardos. Desta feita chega-me da Malu (Infinito Particular) e da Carla Farinazzi (pequenos barulhos internos). Vindo de quem vem não o podia recusar. A Malu é professora no Estado de São Paulo, Brasil. Os seus posts são de uma escrita elaborada e sensível, provocando-nos o comentário. Nem sempre o faço, porque, confesso, nem sempre me chegam as palavras para tal. Mas aqui digo à Malu, e a todos os que queiram ir visitá-la, que não perco a leitura de um único dos seus textos. Agradeço, sensibilizado, esta distinção que muito me alegra e honra. Obrigado, Malu.

As regras:

- Exibir a imagem do Selo no blogue;

- Revelar o link do blogue que me atribuiu o Prémio;

- Escolher 10, 15 ou 30 blogues para premiar.

Estando as duas primeiras já cumpridas, respeito a terceira:

http://mariaescrevinha.blogspot.com/

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/

http://conversavinagrada.blogspot.com/

http://blogcronicasdateresa.blogspot.com/

http://mundocatso.blogspot.com/

http://beijinhosembrulhados.blogspot.com/

http://rubraacacia.blogspot.com/

http://pensasentimentos.blogspot.com/

http://lusibero.blogspot.com/

http://em-prosa-e-verso.blogspot.com/

http://euquicas.blogspot.com/

http://zambezianachuabo.blogspot.com/

http://agulheta.blogspot.com/

http://devaneios-marilu.blogspot.com/

http://naquintadorau.blogspot.com/

Podiam ser mais, tantos são os blogues a que reconheço qualidade, mas hoje fico por estes.

Um abraço a todos.

(À Graça Pereira (zambeziana) e à Fernanda Ferreira (naquintadorau): não consigo entrar nos vossos blogues para vos comunicar a atribuição do prémio. Esta impossibilidade é, aliás, responsável pela minha não presença nas vossas caixas de comentários. Continuarei a tentar)