sábado, 7 de maio de 2011

Contas do Arco da Troika!

"Mas em Lisboa dirá o guarda-livros a el-rei, Saiba vossa

majestade que na inauguração do convento de Mafra se

gastaram, números redondos, duzentos mil cruzados, e el-rei

respondeu, Põe na conta, disse-o porque ainda estamos no

princípio da obra, um dia virá em que quereremos saber, Afinal,

quanto terá custado aquilo, e ninguém dará satisfação dos

dinheiros gastos, nem facturas, nem recibos, nem boletins de

registo de importação, sem falar de mortes e sacrifícios, que

esses são baratos. "

(In, "Memorial do Convento", de José Saramago)

A todos um bom Domingo, que é como quem diz não percamos a esperança.

domingo, 1 de maio de 2011

Dia da Mãe

A última vez que te vi estavas deitada, serena, dada ao sono de que não se desperta. Olhei-te. Invadiu-me uma raiva maior que a dor. Foi dela que eu nasci, disse para mim, em silêncio, agarrado à solidão que se me chegou. Não chorei. Tocaram-me no ombro. Vi taparem-te. Fizeram-me um sinal.

Acompanhei a tua viagem até ao local em que te desceram e te cobriram com uma terra diferente da que te vira nascer. Segurei as lágrimas que teimavam em soltar-se. Aquela mágoa não a quis partilhar. Era só minha! Sofri-a na alma e no meu coração que sangrou.

No suco dos meus olhos vi, então, partes da nossa vida. A tua foi longa, chegaste perto dos 100. Lembrei-me que tempos antes te fôramos visitar, já tu vivias num mundo longe do nosso. Oferecemos-te uma caixa de bombons. Deliciaste-te, eu vi, mas as palavras que então disseste já nada tinham a ver connosco. Estavas noutro local, provavelmente num paraíso para que te transportaras, onde contigo vivias, e nós não habitávamos.

Recordei-me, também, do muito que me ensinaste. Um dia, era eu ainda um catraio que jogava descalço com bola de trapos, fui fazer-te queixa de uma “malandrice” que o meu irmão me fizera – zangado, rasgara-me a camisa. Soubeste da atitude dele, vi nos teus olhos que não gostaste, e logo pensei agora é que ele vai ver! Atiraste-lhe umas palavras, de que já não me lembro, e ele voltou para o quintal. A mim deste-me um ralhete, apontaste-me o dedo e disseste: não se denuncia um irmão!

Aprendi para todo o sempre! Como para sempre em mim ficaram os carinhos das tuas mãos fagueiras, nos tempos em que caminhava pela minha meninice.

No momento em que a última pá de terra sobre ti caiu, subiu um eco trazendo-me à memória silêncios. Silêncios meus, hoje cheios de palavras que gostaria de te ter dito.

Não sei por onde andas agora. Pouco importa. Mas se te voltar a encontrar, dir-te-ei: Mãe, gosto muito de ti.

Beijo a tua memória.

(Porque a memória permanece viva, reponho o post do mesmo dia de 2010. A todas as mães desejo um bom dia.)