sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2012

Orçamento de Estado para 2012.
 O IVA da salsicha e da marmelada passa de 13% para 23%.
No que à salsicha diz respeito só é martelada a enlatada. O Orçamento não faz qualquer referência às enfrascadas, isto é, às mais robustas e alongadas, que se apresentam embaladas numa transparência.
Quanto à marmelada a pancada é geral. Pode o comestível atavio ser elaborado a partir de marmelos aveludados, já raros de encontrar, ou de outros, quaisquer outros, de aparência lisa e redonda qual silicone fazendo-se passar por frutos.
Até agora, com os 13% de IVA, a marmelada andava como que vestida de saia até ao joelho. Com o salto para os 23% passará a trajar de vestido até aos pés. Oh, marmelada! Quem te viu e quem te verá!
Depois da desfeita à marmelada, só não percebo, não percebo, francamente, porque é que os iluminados que pariram o Orçamento de Estado para 2012 deixaram triste e abandonada a salsicha enfrascada…Enfim!
Posto isto, há que sorrir. Temos ainda algumas horas para tal. Aproveitemo-las. Em 2012 será difícil, senão impossível, fazê-lo. 2012 é um ano bissexto, mais um dia para o sofrimento, rodeado de crenças populares. No Horóscopo Chinês é, como o ano em que nasci, um Ano do Dragão. É nele que nos voltaremos a encontrar. Até lá deixo-vos com o que penso ser uma boa companhia.
Um grande abraço a todas as Amigas e Amigos da minha cubata.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

in memoriam





Alves Redol
(1911-1969)
Nome grande da literatura portuguesa do século XX.





Chegam-se-me Gaibéus, Avieiros e Vindima de Sangue. E, também, Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos, um pequeno livro, uma obra pura e apaixonada. “Obra de pura devoção”, assim lhe chamou o próprio Alves Redol. De devoção pelos humildes, acrescento.
Constantino Cara-Linda é um jovem da região saloia do Freixial. Frequenta a escola, é inteligente, gosta de contar ninhos e anda pelo campo guardando vacas como quem guarda sonhos, transportando-os numa alma que ri.
“…Os animais precisam de verde, resmunga-lhe a avó. Constantino percebe o que ela quer dizer, mas entrega-se à fantasia de admitir que as vacas e as burras necessitam de comer cores, agora um bocado de verde e depois outro de amarelo ou de vermelho. E enquanto as desamarra da manjedoura, dá-se ao gosto de pensar como seria divertido levá-las a pastar no arco-íris, podendo cada uma delas escolher a cor que mais lhe apetecesse, ou misturá-las e fazer cores diferentes. Ele próprio deitar-se também sobre a faixa azul ou violeta, e depois rolar pelas outras, ficando pintado com as sete cores às manchas. E só quando o Outono chegasse, se elas fossem vivas como a folhas, vê-las mudar para amarelo e depois para castanho, até caírem de cima do seu corpo, que só então voltaria a ser igual ao de agora. O pior é que as burras poderiam dar cabo de tudo, se chegassem ao arco-da-velha e se espojassem a zurrar, como sempre fazem, mal encontram poeira no caminho para o monte, baralhando as sete cores…” (Pág. 87. Edição Europa-América, 1977)


[Nas fileiras da Oposição Democrática, do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e do PCP, Alves Redol bateu-se intensamente contra a ditadura do Estado Novo. Um dia disse ele: “Não é difícil entender-se o que escrevo e porque escrevo. E também para quem escrevo. Daí o apontarem-me como um escritor comprometido. Nunca o neguei; é verdade.”]
 

sábado, 24 de dezembro de 2011

Consoada

Sei, como Pessoa, que “não basta abrir a janela para ver os campos e o rio”, e que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores”. Eu sei. Mas, apesar de tal saber, gostava hoje de sair, caminhando pelo mundo fora, à procura dos que não têm consoada. E, a cada um que encontrasse dizer-lhe: Anda, vem comigo.

Vou Levar-Te Comigo

Menina bonita
Com tranças de trigo
Sorrindo à janela
Vem cantar comigo

Os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a fome
Acabar com a guerra, viver em amor

Vou levar-te comigo
Vou levar-te comigo
Vou levar-te comigo meu irmão
Vou levar-te comigo

Olá companheiro
Do fato rasgado
Não estendas a mão
Foge do passado
Que os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a miséria
Acabar com a guerra, viver em amor

Olá avozinha
Poetas, pastores
Estudantes, ministros
Rameiras, doutores
Os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a fome
Acabar com a guerra, viver em amor
(Duo Ouro Negro)
 (Quando éramos putos, um deles e eu fomos vizinhos. Casa ao lado uma da outra, na Vila Alice da minha velha e querida Luanda)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Do Mwata (Ajuste por fazer)


(Abri a porta. Lá estava ele, o Mwata. Cumprimentou-me naquele jeito muito seu, todo kaluanda: Então, tudo bem? Estamos juntos? Juntos estamos, disse-lhe eu, mas tudo bem...Deixa, interrompeu ele, só vim para desejar um BOM NATAL a todas as amigas e amigos da tua cubata. Foi-se deixando isto:)

Lembra-se.
Recorda-se de deitadas distantes, tão assim, que longínquas eram.
Por cama o chão de terra molhada pela chuva deixada por trovoada zangada, dela exalando um odor único, que o embriagava. Por cima, esmaecidas as forças cegas e loucas dos relâmpagos, a noite mostrava-se com uma calma que parecia eterna, desenhada por estrelas, tantas, que não se deixavam contar. Mal umas alinhava, logo outros surgiam, num preencher contínuo dos seus olhos incapazes de saberem se de estrelas se tratava ou doutro relampejar – o das armas – dando volta à escuridão, tornando-a inquieta e predadora.
A noite vinha, vinha sempre, quer houvesse tormenta ou não, ou, sequer, vontade de que ela chegasse. Por vezes num silêncio que se fazia ouvir com o eco de gritos, trazendo, também, o cheiro a corpos queimados.
Ao seu peito encostada pernoitava a arma, tal como lhe disseram ela chamar-se – metralhadora.
Hoje, ao acordar, soergue-se apoiado nos cotovelos roçados de tanto rastejar. Olha em redor e parece-lhe diferente o que avista. Esta, que agora se estende à sua frente, é uma terra estranha, onde as árvores crescem ao contrário, de raízes viradas ao céu.
Não, diz olhando para a arma, não vou metralhar!
Coloca-a a tiracolo e volta para trás.
Parte à procura de uma outra terra por onde, lhe disseram, talvez ande Deus.
É que ele tem umas contas para ajustar.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Amigas e Amigos - Desejo-vos um BOM Natal

Natal



Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
cantam chuva.

Não há estrela-guia
sol-caju brilhando
pelos caminhos antigos
pés gretados batidos
vêm todos




…vovo Bartolomé enlanguescido
em carcomida cadeira acordado…
…sô Santo subindo a calçada
a mesma calçada que outrora descia…
…Zito e Dimingas
no maximbombo da linha 4…
…Mussunda amigo
com a firme vitória da sua alegria.

E vêm
vêm também
cheirando a suor
as buganvílias a den den
pedro monangamba
olhos abertos de amor
na mão o cetro
a pá de trabalhador
Pascoal
(Ué ainda é vivo velho Pascoal?!)
a vassoura de mateba
a farda caqui da Câmara Municipal.

De Calumbo
o sol do Cuanza
nos seios cajus
docinha manga
trouxe Jana

Vieram também
também vieram
algas verdes na garganta
os três magos da Ilha
- ngoma, reco-reco e violão!

Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
não havia luar
porque a noite já não era
estrela-guia
e do ventre da mãe negra
O menino nascia.

( Luandino Vieira – poeta angolano radicado em Portugal. Em 2006 recusou o Prémio Camões, com que fora galardoado, invocando “motivos íntimos e pessoais)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Carta ao Pai Natal

Pelos vistos falta-me o jeito para te escrever.

No ano passado, mais ou menos por esta altura, enviei-te uma carta. Sei que foi recebida porque a mandei registada e com aviso de recepção. Desconheço é se te foi parar às mãos. Para o caso de não a teres lido digo-te, agora, que nela te pedia como presente um País sem gentes fingidas.
Olha o que aconteceu:
Em Junho passado um rapaz com ar de obstipado permanente apresentou-se às eleições, fingindo ser o que não é. Elegeram-no, eu não! É agora pm, assim, em caixa baixa.
Chegado ao galho mais alto porta-se como elefante em loja de cristal. Faz disparate atrás de disparate. Entrevistas dá ele, a torto e a direito, a uma comunicação social acrítica, domada, solícita e veneradora. O que diz ele?
O país está mal? Ainda vai piorar. A crise? Ainda vai aumentar. Tempos difíceis? Esperem pelo próximo ano. Austeridade? Não há que saber, cura-se com mais austeridade. Os jovens sem trabalho? Esses que vão lá para fora, chatear outros, que aqui não há bucha para eles, e o governo tem mais que fazer.
E muitos, muitos mais disparates, o último dos quais sobre os milhares de professores desempregados. Milhares de professores desempregados!? Emigrem, emigrem, vão para Angola ou para o Brasil, lá precisam de mão-de-obra qualificada.
E mais te poderia dizer, Pai Natal. Deixa-me só acrescentar:
Há quem não a veja, mas sobre o meu país cai, permanente, uma chuva sabendo a dor. A neblina é densa, cinzenta, fria. A luz não passa por ela. Não nos deixa extrair a beleza da vida. Até os sonhos já nascem mortos.
Achas, Pai Natal, que isto tem algum jeito?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Velhice

Tu e eu vamos dar uma de conversa.

Vejo-te todos os dias, quando me olho. A cada hora que passa, melhor te vou conhecendo. A cada segundo que o tempo leva, queres que eu dê feitio aos meus pensamentos e jeito ao meu corpo. Não dou! Uns e outro são meus, não teus!
Ouve: És tudo o que eu não sou.
Já te falei de todos os lugares onde estive. De tudo o que vi e senti, viajando no meu dongo pelas cacimbas, rios e mares – as tranças da vida – mesmo quando aquela era a dos sonhos.
Sim, repito, de tudo o que senti e vi, que foi muito mais do que o que ficou guardado nos meus olhos. Vi o Sol abrir e desenhar céus. Olhei o mundo por muitas janelas. Pela tua, pela tua janela, só se vê terra à espreita.
Tu és, na verdade, tudo o que eu não sou, insisto. Chegas-te-me assim, desse modo, querendo atirar-me vida zangada. Não, não quero.
A vida sempre me doeu, e dói, porque ora me sabia, e sabe, a muito, como a pouco. Mas a vida assim, é a minha.
E dizes-me tu: Tudo isso, que é tanto, não é nada! Eu sou mais!
Tu? Não passas de querer ser uma domadora hipnótica de quanto me agita por dentro e me inquieta por fora.
Fim de conversa.
A fera com o freio nos dentes! Não regateio esforços, a ver se ela e eu nos entendemos. Passo-lhe a mão pelo dorso. Ela, porém, é, como o poeta, fingidora e indiferente. Vem de mansinho, pé ante pé, beijar-me a fronte, acariciar-me as têmporas e sussurrar-me: hei-de levar-te comigo sobre os mares até à terra dos deuses.
Como se eu lho tivesse pedido!
PS
Sabes, Velhice, só agora te digo, enquanto conversávamos vi-te ruborizar qual menina envergonhada de cara bonita, olhos malandros cheios de ânsia, e, neste momento, ouço-te baixinho: Não tenho, como tu, um passado para contar…
Deixa, isso pouco importa, não admira, és mais jovem do que eu. Passado tenho eu, teu é o futuro. Não ligues ao meu dizer. Foram, apenas, palavras cativas. Amanhã sairemos ambos, porta fora, galgando os montes longínquos. Não te preocupes com a terra dos deuses.
Deixa-me pousar um beijo na tuas mãos. És bela, minha Velhice.
(Este escrevinhar foi inspirado por um post da Acácia.
Sorvi-lhe a ideia, roubei-lhe o título.Espero estar perdoado)
 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

É tempo!


RTP1
Programa “Mudar de Vida”.
Trabalho da jornalista Rosário Salgueiro.
Setúbal.
Reportagem na Caritas e no Centro Social S. Francisco Xavier.

Uma e outra das instituições fornecem refeições a quem delas necessita para mal continuar a viver.
Na Caritas uma senhora, com o rosto talhado por rugas, aproxima-se do balcão de atendimento onde deposita uma embalagem de plástico. Olha para a câmara e diz: Nunca pensei que aos 53 anos (53, leram bem!) precisasse de mendigar.”
Para a reportagem fala, também, uma das responsáveis da Caritas: “Dizem que quem aqui vem é gente que não quer trabalhar. Não é verdade. Isso é uma máscara com que se pretende tapar a realidade. Atendemos pessoas com o 12º ano e até com licenciaturas e mestrados. Não têm trabalho...
Em S. Francisco Xavier a jornalista fala com o Senhor José, homem de 56 anos. Pergunta-lhe: “O que o traz aqui, Senhor José?”. Resposta: “A fome”.
Enquanto a RTP não for privatizada continuaremos a poder ver a realidade em que estão a transformar o nosso país. Quando a privatizarem a realidade será tapada pela máscara que tudo cobrirá.
Entretanto, eis a notícia que fará da mesa dos banqueiros, os senhores do capital, uma mesa ainda mais farta: O governo de Miguel Relvas, Vitor Gaspar, Álvaro, Passos Coelho, e, também, de Paulo Portas, decidiu que durante os próximos vinte anos (vinte, sim, vinte!) os bancos pagarão menos impostos, isto para "cobrir" o negócio da transferência do Fundo de Pensões dos Bancários.
Desculpem, não me ocorrem outras palavras – É tempo de acabar com esta merda!
 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Do Mwata (deuses)

Nasceu, pulou pela infância, e entrou na adolescência numa balbúrdia.
A mãe falava-lhe de Deus. As mães negras dos seus amigos pé-descalço e carranhosos dos musseques, sempre que o apanhavam à distância de uma conversa, e muitas eram as vezes, tantas quanto lhe fugiam os ânimos para a brincadeira com eles, o que acontecia amiúde, contavam-lhe histórias sem deuses dentro, em que tudo girava apenas, e já não era pouco para a sua compreensão, em torno dos espíritos das coisas vivas ou mortas.
Outra está a ser, esta noite, a opinião do espelho a que se olha antes de se deitar. Diz-lhe o espelho existirem muitos deuses que, indiferentes aos humanos, acasalam entre eles, incesto de que resultou a estirpe dos independentes. Não são bem deuses, mas uma espécie de cabeças manetas e coxas. Olhando-os vê-se não serem nem de boa qualidade nem portadores de bons instintos. De entre os deuses, correlativos e afins, são os piores.
Constituem uma casta à parte a que é preciso estar atento pois só tratam deles próprios, ajeitam-se, e, quando apanham alguém que se põe a acreditar neles, roubam-lhe a alma.
Boa noite, espelho.