sábado, 28 de janeiro de 2012

Do Viajante (?)

Vem dos lados dali onde já não dorme os sonos, que se tornaram vazios de tudo. Traz dentro dele a tristeza, e de pavor ela é. No bolso o seu pião de menino, dele comendo o passado, tentando encontrar-se como ser que tivesse feito. Viaja com a saudade do ontem, e do agora que o tempo de hoje insiste em roubar-lhe. Já não ouve passar o vento. Não sente o calor, nem o frio, ou a chuva com o seu granizar. Tiraram-lhe o abrigo de um nome, e ao seu país a vida. 
Pelos caminhos do olhar andando, levado pela brisa, encontra o embondeiro a que se chega. A árvore, de mukuas caídas, qual tela de um qualquer nzambi pintor que por ali tenha andado, permite que ele se lhe aconchegue. Deixa cair os braços. Senta-se. Cruza as mãos sobre o joelho. 
É já crepúsculo. Ainda assim manda os olhos pela distância fora, em silêncio, à procura. Lá ao fundo, passado o cansaço de tudo, encontra umas luzes, que mais lhe parecem as chamas de uma queimada. Será aquela a terra dos deuses caídos? Será aquela a terra onde vive o amanhã?
Regressa ao embondeiro e à cacimba que lhe mata a sede. A Lua está a mostrar-se. A surucucu sairá, não tarda, para mais uma noite de caça. Logo mais quando o Sol abrir as portas, ele descruzará as mãos, libertará o joelho. Irá olhar-se no espelho de água da cacimba. Contendo um soluço, perguntar-se-á: Tu que me conheces diz-me, quem sou eu?

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A Vespa e os Catuítis

Peitos-Celeste, é como se chamam os passaritos que ali estão. Em umbundo, a língua banta falada pelos ovimbundos, povos do Centro e Centro-Sul de Angola, e ainda na Namíbia, também dão pelo nome de catuítis. São abundantes em Angola. Na Ilha de Luanda, por exemplo, habitavam (agora já lá não moram…) as casuarinas nelas nidificando aos milhares. Fazem de qualquer poça uma piscina, adoram o banho. São tidos como jóias da ornitologia angolana. O macho é cantor de trinado bonito. A fêmea esforça-se, mas não passa de um chilreio piado. Deixa-se domesticar facilmente e reproduz-se em cativeiro. Tive-os às dezenas num grande viveiro no quintal da minha casa em Luanda, coabitando com outras espécies, especialmente com os bicos-de-lacre, a que no linguajar kaluanda chamávamos Januários.
Trago-os aqui para vos deixar esta lenda umbundo:
Marimbondo
 A Vespa (em quimbundo, língua mais falada em Luanda, diz-se marimbondo) tinha o filho doente. Foi ao Onganda (curandeiro). Depois das dissaquelas (mezinhas) feitas disse o Onganda à Vespa:
- Vai pedir uma pena ao Peito-Celeste e tapa com ela o teu filho.
A Vespa assim fez e o filho curou-se.
Tempos depois adoeceu o filho do Peito-Celeste. A mãe Peito-Celeste consultou o mesmo Onganda, que receitou:
- Pede uma asa à Vespa e cobre o teu filho com ela.
A mãe Peito-Celeste seguiu o conselho, mas a Vespa disse-lhe que só tinha duas asas e que se lhe desse uma não poderia voar e morreria.
Desanimada a mãe Peito-Celeste regressou ao ninho.
A Vespa e o filho ficaram tristes por não poderem ceder uma asa ao catuíti. Puseram-se a pensar e decidiram compensar o passarito. A partir daquele dia, e ainda hoje assim é, as vespas passaram a fazer o seu ninho por baixo ou perto do ninho do Peito-Celeste para protegerem o pássaro e os filhos.
(Amigos, solidários e fraternos como os seres da espécie humana...)
Januários
                                                    

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Do Mwata (À procura)

De correria tem sido o seu andar, sempre querendo estar ali para poder, também, aqui chegar. Num ir e vir é como tem andado, traçando linhas, tudo galgando. Construindo do passado o presente, e neste fazendo nascer futuros, riscando crepúsculos.
Ontem deitou-se esgotado. Hoje cansado desperta. 
Busca no coração a força que o corpo lhe pede. Nas suas memórias procura a lembrança dele. Porque tudo encontra engenha-se. Põe-se a caminho. 
Lá vai.
O seu andar já não é como foi. Os passos seguem-no, passando-se de uma perna para a outra, contando as mortes e vidas que já tiveram. Aquela conversa de tropel é, porém, coisa que lhe não interessa; não sabe mesmo, sequer, se a escuta. Existir, existir só para dentro? Não, não quer. Os amanheceres já não são como os conheceu. Agora são falsos e inúteis. Amedrontados, os corpos perderam os gestos. Já nem para lá de aonde os olhos chegam deixam que se consiga olhar. As vozes já não falam, só oram, só oram ao vazio. Não, não quer. 
Lá vai.
Vai à procura de quem está a transformar o mundo num erro.
Há-de encontrar.
Há-de encontrar, mesmo que encontrões nele próprio tenha que dar.
E, se necessário for, gastar a chama de si reacendendo as luzes do Universo.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sem palavras!

Sei que é um lugar-comum dizer-se “fiquei sem palavras”. Mas, como comum que sou, e lugar também, de vida e de sonhos, fiquei mesmo sem palavras. Ao oferecer a amigas e amigos da minha cubata o meu mal amanhado boneco, do post anterior, não esperava o que aconteceu – vê-lo publicado em blogues que tanto admiro, e, mais do que isso, acompanhado por palavras simpáticas, gentis e carinhosas.
 “Tambula conta”, dir-me-ia o Mwata se aqui estivesse. Mas, tambulei mesmo conta, porque a comoção de mim se apoderou. Caramba! Raio de coração!
O mal amanhado boneco nasceu de um dos contos que a mim contei. Contos filhos de um sonho – o sonho de que um dia sermos solidários, fraternos e amigos será vivermos, sermos verdade, será sermos. Saí do sono trazendo os sonhos como seres vivos, que não querem apenas roçar-se pela vida, andando só pela sua orla, mas caminhar por ela adentro, por um chão vivo de terra e céu, com outros de mãos dadas.Assim tenho andado pelas minhas picadas e pelos meus outros caminhos, cerzindo-os, um dos quais me conduziu às anharas da blogosfera. Nelas tenho encontrado amizades nascidas de trocas de palavras e de ideias, algumas vezes divergentes, e ainda bem; amizades que embora virtuais, se têm revelado fortes e mais fortes se tornam a cada dia que passa. Amizades que de mim e de vós, assim o entendo, enxotam Dezembros. Amizades que se vão colhendo como flores sensíveis, logo guardadas com receio de que no-las tirem, como outras coisas nos roubam e continuam a furtar, tal como o direito a uma vida digna.
Disse ter ficado sem palavras, e assim continuo ainda acanhado pela comoção. Mas, hei-de reencontrá-las e com elas visitar os vossos blogues para vos falar. Para vos agradecer a forma como trataram o meu mal amanhado. Ele é um quase tudo de mim, que nada sou. Perdoem-me e concedam-me um compasso de espera.
A todos um grande abraço e muito obrigado pela vossa Amizade.

sábado, 14 de janeiro de 2012

É vosso

O que ali está é um “boneco” mal amanhado. Eu sei! Mas, arte me faltou para melhor fazer. Elaborei-o com toda a perícia de que fui capaz. Pouca ela foi, como se vê. Fi-lo, ainda assim, para o oferecer a amigas e amigos, companheiros e visitantes da minha cubata. Já muitos são e não conheço nenhum pessoalmente. São amizades que foram despontando e crescendo, tornando-se fortes, nas anharas da blogosfera. Espero que não levem a mal esta minha oferta, que a não entendam como um gesto de presunção. Envolvo-a numa seda de simpatia e deste modo vo-la faço chegar. Como a todos não posso ir, de uma só vez, o “boneco” a que com a vossa condescendência chamarei selo é hoje oferecido aos blogues indicados abaixo. Mais tarde fá-lo-ei a outros. Espero que aceitem.

Maria João (http://mariaescrevinha.blogspot.com/)
Sofia (http://escritoaquente.blogspot.com/)
Laura Abrantes (http://rubraacacia.blogspot.com/)
Teresa Santos (http://teresaeascronicas.blogspot.com/)
Ana Paula (http://pensasentimentos.blogspot.com/)
Fê (http://sotepeco5minutos.blogspot.com/)
São (http://mariaconceicaobanza.blogspot.com/)
Rogério Pereira (http://conversavinagrada.blogspot.com/)
Carlos Barbosa de Oliveira (http://cronicasdorochedo.blogspot.com/)
Rodrigo (http://rmanuelh.blogspot.com/)
Catsone (http://mundocatso.blogspot.com/)

Um abraço a todos e bom Domingo

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Numa sexta-feira

Pouco mais que um ponto era, a um palmo da fronteira, aquele pedaço nos confins Norte da terra e das gentes por ele amadas. Dum lado e doutro a guerra para onde fora mandado, corpo fardado, alma despida e desarmada, espírito à solta. As armas incendiavam as noites e ardiam os amanheceres. Sangrava-lhe o coração sempre que sabia de vidas perdidas do lado de lá. No seu não havia baixas.
Naquela sexta-feira a noite chegou apressada, de um tom amordaçado no silêncio. Olhou para o céu, a ver o que lá se dizia. Nada nele tendo encontrado trouxe o olhar de volta. Quis dizer algo, sem saber que palavras tinha para o fazer. Sentiu-se algemado.
Adormeceu.
De manhã o céu continuava lá em cima, vagamente recortado por farrapos de nuvens de branco esmaecido, baço, como baço tudo era à volta. O sol teimava em não se mostrar.
Olhou em redor e viu serem maiores os muros da cela estreita em que vivia.
Levantou-se.
Percorreu-o a dor das mãos sangrando pelo esforço de tentar libertar-se das algemas.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Vampiros

Em 2008 Manuela Ferreira Leite era presidente do PSD. A propósito das reformas na Justiça, que o então Governo de José Sócrates tentava levar a cabo, disse isto:
[“Eu não acredito em reformas, quando se está em democracia...Quando não se está em democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se…E até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia»]. Não chegou a primeiro-ministro e não conseguiu matar a Democracia que, embora adoentada, continua entre nós.
Agora, em 2012, foi a um programa da SIC Notícias. A dada altura a moderadora Ana Lourenço perguntou a António Barreto, outro dos convidados: "Não acha abominável que se discuta que alguém com 70 anos tenha direito à hemodiálise ou não?"
A pergunta não era para ela, mas Manuela chegou-se à frente e respondeu:
["Tem sempre direito se pagar."]
Abominável afirmação a desta mulher. Sabe ela, por certo, que a alternativa à hemodiálise é a morte e que a esmagadora maioria dos nossos idosos que dela necessita recorre ao Serviço Nacional de Saúde por não ter dinheiro para ir ao privado.
Não matou a Democracia, mas persiste na sua senha exterminadora. Agora, se ela pudesse, executaria os velhos doentes que, para ela, não passam de gente incómoda. Gente que passou a vida a descontar para que, chegada à idade avançada lhe seja garantida assistência na doença.
Eduardo Catroga, o homem que elaborou o programa eleitoral do PSD e um dia disse que os jornalistas não faziam notícias, mas andavam a “pentear pentelhos”, está reformado com uma pensão de 9.800 euros. Estava! Passos Coelho pagou-lhe a factura. Catroga vai ocupar o cargo de presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP privatizada, que lhe renderá 639 mil euros anuais, durante os três anos do mandato.
Perguntou-lhe um jornalista se abdicaria da reforma. Porquê? Respondeu. E acrescentou: [“os portugueses deviam preocupar-se com a economia e não com ninharias”].
Ninharias! 9.800 euros de reforma mais um salário mensal a rondar os 45.000 euros!
Cavaco Silva, o PR, mandou suspender, por força da lei, o seu vencimento de 7.415 euros mensais, optando por receber “apenas” as duas pensões que tem, no valor de 10.042 euros por mês. Uma da Universidade Nova de Lisboa, outra do Banco de Portugal. Aguarda agora, ansioso, que não lhe subtraiam da pensão do Banco de Portugal os subsídios de férias e de Natal, já que os funcionários do Banco Emissor os irão manter, ao contrário do que acontecerá com os funcionários públicos e pensionistas.
Cavaco Silva nada diz, e o que fala é nada. Suga em silêncio!
Como bem escreveu hoje Manuel António Pina, na sua crónica no JN, este é”um eloquente sinal dos tempos que vivemos e da qualidade moral de certas elites hoje influentes no país”.
PS
Já depois deste post escrito ouvi o PM afirmar na TV que nas nomeações para a EDP não houve dedo do Governo. Pois não! Houve mãos, e mãos cheias. Até o patrão de Passos Coelho, quando este trabalhava na Fomentiveste, o empresário Ilídio Pinho, lá foi parar. Por obra e graça do Espírito Santo, claro!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Do Mwata (Saudade)


Saudade
No andar das minhas saudades abre-se uma clareira, um espaço sem caminho, uma terra a que faltam chão e céu, em que ar não há, para onde uma se escapa e se perde. É a saudade do que nunca verei, das palavras que ficarão por dizer, do sono que não terei, do sonho que não virá. Da tristeza, sempre saudosa dos instantes felizes.
É a saudade das flores que nascerão, sem que as veja, dos rebentos brotados, da dor que me não magoará. Do olhar reluzente em que deixarei de mergulhar. Das carícias de mãos de veludo. Dos murmúrios e sussurros, que ficarão por escutar. Da vidraça da janela do meu olhar. Do colo do meu descanso e aconchego. Da Lua e das estrelas, espreitando noites de amor sob as casuarinas sopradas pela brisa nascente nas águas da Kyanda.
É a saudade de outras saudades, inquietas e agitadas, mas também de meiga e profunda ternura. É a saudade do mar e rios porque nadei na minha infância, do mundo que mudará sem que o veja. Duma véspera que chegará sem amanhã. Da embriaguês com os odores da terra vermelha beijada pelo choro das nuvens. Das tempestades vencidas.
É a saudade da escola, da fisga de caçador furtivo, das correrias por aventuras loucas, do gesto destemido, na guerra, do tremor do medo a segurar a paz, do assobio reunindo amigos, da ximbica aprendida. Da rebeldia. Do grito da Liberdade. Do encontro com a consciência. Das fogueiras crepitantes, dos merengues nas rebitas mussequeiras. Das denguices requebradas das meninas do baile, do calor enleante das esteiras. Das sementes encantadas de tamarindo, do beijo da pitanga. Da ardência dos caluquetas. Do país que estive quase a ter.
É a saudade de ausências e presenças, do meu outro eu, companheiro de muitas andanças. Do relinchar dos cavalos à solta do meu espírito. Do choro sozinho da solidão.
É a saudade do barro que um dia amassei, moldando o amor com que vivo, no arco-íris da minha tribo.
É a saudade desta saudade fugitiva, que, num dongo sem leme, me leva para anoiteceres e alvoreceres desconhecidos.
(Reedição de um texto de 2009)

Saudade

Saudade – O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...
 (Pablo Neruda, in "Crepusculário" - Tradução de Rui Lage)

sábado, 7 de janeiro de 2012

Era uma vez...


Indo
Para trás antigo de mim
Cabeceira de sonho sem fim
Fiapo de vento leve perdido
Cio bambolina. Arrependido

Continuar vou
Distância a percorrer
Levando o resto de mim
Sentir dum doer
Silêncio nascido adentro
Em busca dos montes longínquos
Caminhante do teu corpo por dentro.

Continuar vou
No procurar do porvir
De amor e coração
Onde não more a solidão
Sem querer que seja em vão

Seja

Um agora de existências pensadas
Cidades não desertas
Com arestas e cores
Onde nada se recolhe
Do absoluto vivam cantores
Ruas sem palavras pisadas
Gentes abertas
Sombras de luz
O que me seduz

 Flores que não murcham
Rios que correm felizes
E às estrelas murmuram
Saudades de distantes Belizes

E perfeições imperfeitas
Sem vozes desfeitas

Vou continuar
Docemente
Por um cabelo teu andar
Teu rosto ameigar
Como quando eras fagueira
Procurar-te o olhar e nele deixar
Não um rio a orar
Mas mar a alagar a fogueira
Que meu coração sente
Me queima e contrista
Por te sentir a querer abalar
Emplumada e de crista
Sem quereres saber
Rainha destronada
Fada desencantada
Ir no vento do nada falar

Ó pedante e enleante
Ó cróia a valer
Poetisa doente
Filósofa louca
Já não te sentes sonhada?
Que fizeste às manhãs?
Para onde levaste as árvores?
Já não lhes vejo o verde
Porque espreita a terra?
Porque roubaste os sentimentos
Às pedras e às flores?

Com quem te dás tu?
Com que falas te metes?
Quem te disse, ó vida
O que me queres dizer?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

São já quatro os dias que doem!

Deu-lhe no corpo uma vontade de sono. O bocejo chegou e foi-se. Desde então tem andado de cabeça curvada sobre as mãos enlaçadas. 

Hoje, não por qualquer razão especial, mas apenas por ser hoje, afasta as mãos e ergue o tronco. Deixa o torpor. Arruma as bicuatas, apenas uma mochila, que foi buscar ao passado, retirando-a da prateleira onde está arrumado o tempo perdido. Uma voz daquelas que vagueiam e se ouvem, sabe-se lá por onde e porquê, pergunta: Porque foi ele ao passado? Apanhado assim, de surpresa, o narrador não tem resposta pronta. Serve-se do que ouviu quando aquele ele se libertou da inacção do espírito: O meu passado não está esquecido.
Vê-se agora que ele, de bicuatas às costas, deixa para trás a porta. Mete-se ao caminho. Parte em viagem para a terra das ideias, sabendo à partida que nem todas são felizes. Mas, segue. Lá vivem fazedores de esperança.
O caminhar não está a ser fácil. Os rios estão a secar, o mar pouco mareja, o vento não canta. É áspero o chão. Apesar disso vê dele brotar uma ou outra flor de cor viva, vermelha.
Chega, finalmente, ao portão da terra das ideias. Está em semi-posição. Nele pendurada uma folha com uns escritos. Lê:
“A todo o viver corresponde um sofrer”
“É o coração que faz o carácter”
Lê, e torna a ler, sem perceber o que aquelas palavras querem dizer. Quem tal escreveu? E porquê? Chegara ali com a vontade de encontrar uma ideia feliz, de sorriso robusto, que pudesse oferecer ao seu país, tão necessitado este anda delas. Não esperava nada daquilo. Olha para o portão e hesita. Não entra. Tem como certo que portas em semi-posição são perigo a espreitar. Tanto podem estar para abrir, como para fechar.
Deita-se. Ouve-se-lhe:
Como posso verificar se estou a dormir?