A última vez que te vi estavas deitada, serena, dada ao sono de que não se desperta. Olhei-te. Invadiu-me uma raiva maior que a dor. Foi dela que eu nasci, disse para mim, em silêncio, agarrado à solidão que se me chegou. Não chorei. Tocaram-me no ombro. Vi taparem-te. Fizeram-me um sinal.
Acompanhei a tua viagem até ao local em que te desceram e te cobriram com uma terra diferente da que te vira nascer. Segurei as lágrimas que teimavam em soltar-se. Aquela mágoa não a quis partilhar. Era só minha! Sofri-a na alma e no meu coração que sangrou.
No suco dos meus olhos vi, então, partes da nossa vida. A tua foi longa, chegaste perto dos 100. Lembrei-me que tempos antes te fôramos visitar, já tu vivias num mundo longe do nosso. Oferecemos-te uma caixa de bombons. Deliciaste-te, eu vi, mas as palavras que então disseste já nada tinham a ver connosco. Estavas noutro local, provavelmente num paraíso para que te transportaras, onde contigo vivias, e nós não habitávamos.
Recordei-me, também, do muito que me ensinaste. Um dia, era eu ainda um catraio que jogava descalço com bola de trapos, fui fazer-te queixa de uma “malandrice” que o meu irmão me fizera – zangado, rasgara-me a camisa. Soubeste da atitude dele, vi nos teus olhos que não gostaste, e logo pensei agora é que ele vai ver! Atiraste-lhe umas palavras, de que já não me lembro, e ele voltou para o quintal. A mim deste-me um ralhete, apontaste-me o dedo e disseste: não se denuncia um irmão!
Aprendi para todo o sempre! Como para sempre em mim ficaram os carinhos das tuas mãos fagueiras, nos tempos em que caminhava pela minha meninice.
No momento em que a última pá de terra sobre ti caiu, subiu um eco trazendo-me à memória silêncios. Silêncios meus, hoje cheios de palavras que gostaria de te ter dito.
Não sei por onde andas agora. Pouco importa. Mas se te voltar a encontrar, dir-te-ei: Mãe, gosto muito de ti.
Beijo a tua memória.
(Porque a memória permanece viva, reponho o post do mesmo dia de 2010. A todas as mães desejo um bom dia.)
