quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Os meus selos

Um Mimo de Selo

A minha vaidade chega de atravessar-me. Vem com roupa de marfim, da cor de pinhão fresco, embriagada pelo Sol alourado da manhã, cachimbo fumegante entre os lábios, nervos tamborilando os dedos sobre o teclado, como a querer escrevinhar um poemeto que seja, mas não, está demasiado envaidecida. E digam lá senão tem razão, depois de receber um mimo destes – “Selo dos blogues com qualidade que não têm preço” –, oferecido pela Teresa Santos!
O meu Mwata virou candengue, lhe meteu-se no dongo dele e kubazou de ximbica no Mar da Kyanda lhe falar: estou cheio de banga!
Obrigado, Teresa.
Agora, diz a Teresa, há que nomear cinco blogues para atribuição do selo. Me desculpas, amiga, vou-te baçular a ordem. É Ano Novo de chegar já. Então a minha cabeça de pensar se lembrou vou-lhe dar o selo a todos os dikambas do meu kimbo. Dikambas, tambula conta, lhe levam o selo, mas lhe põem nas vossas cubatas dizendo onde lhe foram buscar e também, de jeito igual, onde é a sanzala da Teresa. Não quero raviangas, não!
Vá, lhe vamos no fazer! Cada vez tem dikamba que não percebe. Então, pergunta, o Mwata explicará, explicado mesmo.
Meus queridos dikambas lhe peguem no copo do marufo, do cachipembe, ou da kissangua, se não têm lhe deitem mão no champanhe. Vamos brindar – Feliz Ano Novo!
Um Kandandu para todos.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Afectos

Afectos
Não, não é verdade que só o mar de outras terras é o mais belo. O meu, este onde agora de novo navego, plantado de ilhas cheias de gente boa, é o mais belo. É ele que faz com que não me esqueça de viver.
Pelo menos até meados de Fevereiro (que os deuses se não esqueçam que promessas são para cumprir…), aqui estarei à conversa convosco. Vou tentar, até que o teclado me solte queixumes dos dedos, ir a casa de cada um, queridos amigos, desejar-vos um Bom Novo Ano. Antes, porém, permitam-me que visite o Ficus, a Lúcia-Lima e os Caluquetas da minha janela. O Ficus está um palmito mais crescido, já traja à homem, todo virado lá para fora, comedor insaciável de Sol, apanhador de brisas, enxotador de nuvens molhadas tapadoras de luz, se me aproximo faz-me cócegas na cara, é um brincalhão sem remédio! A Lúcia-Lima deitou folhas muitas, verdinhas, arrebitadas, chá garantido para os próximos tempos. Os quatro pés de Caluquetas estão feitos num bosque. O desta ponta deitou-se todo para cima das folhas vizinhas, ameigando-as, assim a jeitos de estar a contar-lhes histórias ao ouvido… Digo-lhe, então!? Não é muito nítido o som da resposta, mas se fosse de juras, juraria que o murmúrio rezingão disse assim : Que difícil é ser eu! Deixa-me! Tudo o que desejo é habituar-me a viver!
Mete-se a Lúcia: Larga os caluquetas e ouve o que tinha aqui guardado para o teu regresso.


Pois..., sabes o meu fraquinho pelo Chico…, mas quero dizer-te que não vou puxar assunto discutindo futebol. Não sabes que o meu Benfica é agora treinado por um Jesus? Estás a ver-me a discutir com Jesus?
Mas faz, faz mais doces com açúcar e muito, muito afecto, e manda-os a cada um dos amigos da nossa cubata, a nossa casa de afectos, com desejos de um 2010 cheinho de tudo o que é bom.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Hei-de ter! (Folhas Brancas)

Folhas Brancas
Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
De que os frutos não sejam pergaminhos ocultos, secretos
Com espáduas de afectos e carícias cobertos
Pés enxutos, calçados a flores vermelhas de odores macios
Ramos rasgando o nevoeiro, interrompendo silêncios
Sorvendo vendaval de Liberdade, sem lábios famintos

Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
Crescendo para além da bruma dos deuses
Avistada no tudo da lonjura, na distância da noite
Correndo-me pelas veias, do meu coração fazendo bandeira
Cantora de praças de gente, de fraternidades sem esquinas vazias
Da tolerância amante, ganhadora de destinos sonhados

Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
A cidade que chore e interrogue e grite e revolte e destrua solidões
Sem silêncios comovidos nem horizontes de pontos vagos
Sem gente sempre a tremer sempre a fugir por chão inseguro estéril
De rios raiados pelo Sol, prateados pela Lua, coloridos por estrelas
Desaguando no cais da vida extinguindo labaredas inflamadas

Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
Crescendo nas anharas do Universo
Embalando no ventre o conteúdo da vida
Guerreira heroína no combate ao Carnaval dos homens
Esgrimista de palavras vivas não tristes, não doridas
Não chorosa de lágrimas mortas, inúteis, secas

Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
Da noite escura faiscando amanheceres de luz feitos
Raízes desventrando a terra procurando rastos desfeitos
Emprenhando o húmus de verdades e girassóis
Fada sem malícia, saída do lodo do pântano, dando-me um livro
Lendo-me um poema de amores-perfeitos

Hei-de ter uma árvore de folhas brancas
Que os canhões do ódio e da mentira não tombem
De sementes sãs, delas outras nascendo num pomar sem fim
Estrangulando chamas vis em crepúsculos ensanguentados
Emudecendo tanques, e outras armas, dando voz à razão
E cante um hino Universal com palavras outras

Hei-de um dia ter uma árvore de folhas brancas
Que me acorde num despertar humano não se perca não me deixe
Que se levante num jardim sem mastins escondidos
Sombreando cascatas onde as águas não caiam desiguais
Abrindo janelas para quintais da existência liberta de punhais
E me vista um manto de folhas verdes

(Escrito horas antes de novo internamento hospitalar, de que espero regressar dentro de uma semana)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Conversa com a Estrela

A noite passada quase me deixava adormecer e se me fechavam os olhos à chave. Um repente sacudiu-me, despertou-me, e vi-a chegar. Não me pareceu uma estrela entre estrelas. Provavelmente, nem estrela seria. Mas que se despegou do manto tricotado a luzes, lá em cima, e veio rodopiando cá para baixo, é verdade!
Tive-a, sentada, a meu lado. Perguntei-lhe ao que vinha. Cumprir uma ordem, disse. Uma ordem? Que ordem? Uma ordem, e basta, replicou, seca, denotando ser senhora de personalidade conflituosa.
Não são muito de fiar, as estrelas que falam. Desconfio que aquela, pois que fosse estrela e não um qualquer objecto desassossegado e perdido, sem nome, seria a do anúncio do nascimento de um Menino, a querer dizer-me que amanhã seria Natal. És tu, não és? Carregou-se-lhe o olhar, crispou-se-lhe a face. Disse não dispor de tempo para conversas, a noite poderia esgotar-se rapidamente. Não desfez a minha desconfiança.
Falei-lhe que não, que não queria que nascesse outro Menino, o fizessem crescer e depois o pregassem vivo a uns paus cruzados, ali o deixando até a morte o desamarrar da dor e do sofrimento. Não, insisti, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que todos os dias morrem de fome, pregados aos braços de mães moribundas. Não, teimei, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que, todos os dias, as guerras mutilam, aniquilam. De outros milhares, que todos os dias são atirados para as ruas apodrecidas da prostituição, ou devorados pela pedofilia predadora. De outros milhares diariamente acorrentados a trabalho escravo. De outros milhares a quem todos os dias põem armas na mão, maquinando-os para o mal, dizendo-lhes vão, vão matar.
Não, não quero que faças nascer outro Menino! Não quero que ergas mais cruzes.
Quero que ensines os botões de flor a sorrir, o mar a cantar e o vento a embalar sonos livres. Quero que mates a fome, cures a doença, pares a guerra e apagues a violência. Quero que não roubes almas, mas lhes dês forma e beleza, as enchas de valores e as forres de Natal. Quero que cuides de todos aqueles meninos e meninas, e não faças nascer outro Menino. Quero que corras, com o chicote que já usaste, as mentiras dos homens.
Sem me olhar e nada dizer, cabisbaixa, envergonhada me pareceu, a estrela regressou. Foi, por ali acima, esconder-se por detrás das nuvens, deixando-me só, a olhar para a negritude do céu.


(Participação em Fábrica de Letras)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

De regresso

Olá, Amigas e Amigos, estes são os meus braços e mãos a estenderem-se-vos num amplexo saudoso. Abraço-vos, reconhecido e com amizade, a todos agradecendo as palavras gentis, os votos de recuperação que, com carinho, aqui foram deixados.
Quanto vos queria dizer!
Desculpem, no entanto, ser parco na escrita. Interrompi um internamento hospitalar de 15 dias, durante o qual nem tudo correu bem, mas o que lá vai lá vai,regressando à minha cubata para, no calor da tribo, nela consoar os risos dos meus netos, o carinho dos meus filhos, o amor com com quem casei e vivo há quase 50 anos, éramos (e somos) ainda miúdos. Voltarei ao hospital no dia 27. Nada de complicado, apenas a continuação dos preparos médicos para uma segunda cirurgia que me devolverá o andar, livre de dores e sem o recurso às canadianas.
Quanto vos queria dizer!
As palavras, porém, tardam em chegar. A maior parte permanece colada ao tecto do quarto do hospital, por onde os meus olhos viajaram nas últimas duas semanas, cavando caminhos. Das que já vieram, umas estão ainda desfocadas, outras tropeçam, a cada escrevinhar, como naufragas à procura de letras perdidas. Outras, poucas ainda, mais inconformadas, navegaram pelas águas revoltas, desaguando, ofegantes, na praia saudosa do vosso convívio. São elas que vos escrevem neste anoitecer de Quarta-feira. São elas, que agora andam por mim e vos dizem: Muito obrigado, bem hajam!
Desejo a todos, signifique ele o que significar para cada um, um Bom Natal! Que o novo ano, que está ali à porta a pedir para entrar, vos traga tudo de bom!
Permitam um agradecimento especial à Brites, ao Sebastião e ao Carlos, que vivem no
http://cronicasdorochedo.blogspot.com/, por num post, em sua casa, me terem desejado rápido restabelecimento.
Um grande abraço.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Até já!

Até já!

É chegado o momento.
Avanço na busca do meu outro eu, que deixou de reparar em mim, e se perdeu seguro a um silêncio calado, dorido. Hei-de trazê-lo e, com ele, os dias de novo nítidos, amanheceres renascidos, palavras com voz. Hei-de, afinal, trazer este nada, que é o meu tudo!
Estou a caminho de um internamento para ser submetido a uma cirurgia, a primeira de duas que terei de fazer, e que me reterá no hospital por quinze dias, provavelmente. Vou, já com saudades vossas. Sentirei a falta de todos, Amigas e Amigos.
Conto regressar ao vosso sempre desejado convívio a 22 ou 23, a tempo, ainda, de convosco consoar. A todos um abraço. Mais não vos digo porque…, desculpem…
Até já!

100 Seguidores!



100 Seguidores!

Nascido num dia do último Abril o meu e vosso blog, entrou, gatinhando, no oitavo mês de vida. Existência curta, ainda desabrochando, mas já com 100 Seguidores! Há quem não ligue a isto. Não é o meu caso. Estou feliz, vaidoso e agradecido!
Quantos, chegados daqui e dali, entraram, porta dentro, por cá ficando à conversa! Conversa de bem, em fala de amigos. Palavras deixadas, não para enfeitarem, mas para dizerem, umas vezes concordantes, outras não, mas sempre largando a semente do conhecimento, que se foi acumulando, e da amizade, que despontou.
A todos, Amigas e Amigos, o meu abraço de gratidão por me terem vestido com o orgulho de estar entre vós, por me estarem a enriquecer com a vossa amizade.
Permitam, agora, que aqui coloque mais um dos prémios que recebi, bem como um selo assinalando o aniversário de um blog amigo.
De: Renata Maria Parreira Cordeiro - http://blogrenataeuedai.blogspot.com/, dizendo assim: "Para o irmão Carlos." De: Elaine Barnes - http://nasasasdacoruja.blogspot.com/

Como se diz na terra onde nasci, um kandandu muito grande para todos.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Barbas

O avô, por parte da mãe, o outro nunca o conheceu, era um artífice da vida. Reformado da Companhia das Águas, criava canários e jardins encantados. Num mar de gaiolas, na varanda traseira, moravam os cantores, alimentados também com gema de ovo cozida e pingos de Vinho do Porto, para que, dizia ele, a cantoria fosse mais sonora e afinada. Nos jardins da frente cresciam cravos, rosas, dálias, amores-perfeitos, e outras flores de cores invulgares, matizadas, que ele apurava com enxertias delicadas.
Lembra-se de o avô o levar a passear por entre as plantas cujas corolas, sorridentes, pareciam ter vida, quase falavam! Por vezes, quando o passeio acontecia já à noitinha, julgava ver estrelas a bailarem sobre as flores. Ele era menino, mas sabia, de um saber só dele, que aquilo era magia saída das mãos incansáveis do avô. Nunca lhe viu cansaço, o mais certo, pensava ele, é que o avô vivia o cansaço a sós. Assim, aprendeu a fúria de sonhar.
O reformado era um homem feliz, pai de muitos filhos, avô de inúmeros netos. Quando lhe falava ficava pregado às suas palavras. Escutava-as com avidez. Foi dele que um dia ouviu:
- O mais importante da vida é a felicidade, temos é que ser dignos, e não a deixar avariar!
Na quadra natalícia o avô mudava de afazeres. A consoada era em sua casa. No quintal das traseiras, sob um tamarindeiro lá residente, que enfeitava e iluminava, pondo-o a fazer de Árvore de Natal, não se esquecendo da Estrela nem do Presépio, mandava montar a mesa, acrescentada com umas tábuas sobre barris, para que toda a família coubesse. Não o largava. Acompanhava-o nas suas andanças da mesa para a cozinha, e desta para aquela.
O avô espreitava as travessas das rabanadas e das filhoses, os pratos da aletria, do leite-creme, e as terrinas das sopas de cavalo cansado. Perguntava se já tinham chegado a batata-doce, a mandioca, as mangas e os abacaxis, e se também havia cajus. Destapava a panela onde fervia o bacalhau, provando a água com o dedo, a ver se o peixe fora bem demolhado. Chamava a atenção para que as couves e os ovos não cozessem demais. Depois, enquanto outras mãos recheavam a mesa, deixava junto aos pratos dos netos, como era de seu costume, rebuçados e chocolates. Ainda dizia para a avó, não esqueças que o que hoje não for comido ficará para a roupa velha de amanhã.
Em celhas encostadas ao tamarindeiro mandava colocar as bebidas, refrescos para os gaiatos, outras para os adultos, tudo coberto com pedras de gelo. Sentada a família, era o último a tomar lugar, à cabeceira.
Iam consoando. Um pouco antes da meia-noite notava que a cadeira do avô ficava vazia. Lá foi ele outra vez, pensava. Então, alguém gritava chegou o Pai Natal! Traquina, desalinhada e aos gritos, como o avô a gostava de ver, a meninada saltava das cadeiras.
De trás do tamarindeiro, que também fazia a vez de chaminé, surgia um senhor alto, de bata e capuz vermelhos, com uma barba branca quase até lá abaixo, arrastando um saco de serapilheira, enorme. Sentava-se num banco, ali aparecido sem que se tivesse apercebido, saco entre as pernas. Tocava uma sineta. Punha-se a chamar a miudagem pelos nomes, entregando prendas. E era um rasgar de embrulhos, pinotes, e uma algazarra que chegava à rua. Pouco depois, por cima do barulho, ouvia-se a voz forte do avô, então meninos, vamos acabar a consoada. Voltava à mesa e via, de soslaio, que o senhor do capuz vermelho, bem com o banco, tinham desaparecido! No tamarindeiro a estrela brilhava, de lampadazinha às costas.
De regresso a casa, abraçado às prendas, sentado no banco de trás do velhinho Chevrolet de seu pai, ia pensando, eu sei, eu sei quem é o Pai Natal!
Hum… mas o meu avô não tem barba!



(Participação no desafio Natal da Fábrica de Letras)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O meu país não é cinzento

Não há muitos dias, li na coluna de “opinião” dum jornal diário, qualquer coisa como isto (cito de cor): …este é um país triste, cinzento e, ultimamente, até mal frequentado… Não digo, por pudor, o nome do jornal nem do autor de tais palavras.
É certo que a fome e a miséria ainda cá estão, que os cuidados de saúde continuam por chegar a todos, que o desemprego está onde está, que o vendaval do desentendimento, que se abateu sobre a Educação, tarda em desaparecer. Que nos tabuleiros do xadrez da Justiça os reis avançam nus, as rainhas meio despidas, e os peões, esses ,vão ardendo e tombando como pedras de dominó.
É certo que à maioria dos políticos, no poder e na oposição, falta um olhar para ver e um ver para reparar, como diria Saramago. Deste estar certo nasce a tristeza, é verdade, mas brota, também, a esperança de que a tristeza deixará, um dia, de o ser. Assim saibamos afastar os profetas da desgraça, que enxameiam os media, e peroram, alguns, no Parlamento, regando a terra com sal e vinagre, matando a semente antes que dela brote o porvir. É gente de coração enrugado, de alma mirrada, de espírito tacanho, que se esconde atrás do medo e da inacção, gente de que não gosto. A gente do meu país, ressuscitado numa madrugada de Abril, não é assim. Aquela é invasora, vinda do passado.
Cinzento, o meu país!?
Não, não é. Passe o cinzentismo de alguns que se arvoram em pensadores e educadores das massas. A juventude já de mim se despediu! Agora, vejo os jovens do meu país, alguns incertos, inseguros, não nego, mas muitos deles, senão a maioria, agarrados ao sonho, ao fulgor com que querem escrever o futuro! Riem, choram, revoltam-se, interpelam, questionam, exigem, apontam! Eles são as sementes germinando na terra fecundada com o húmus das estrelas. Sei que eles não querem que o meu país volte a mergulhar na noite escura em que, por décadas, o enjaularam. Bem hajam os jovens do meu país, que lhe dão cores vivas e quentes. Com eles reaprendo o caminhar e a esperança!
Ultimamente mal frequentado!
Não, não, e não!
Que alegria me dá, quando saio à rua, cruzar-me com gente de outros povos, de uma cor de pele que pouco tem a ver com a que nasci, de sorrisos e risos diferentes, de trajares exóticos, dum jeito de estar que não é o meu, de prantos e orações desconhecidas, de certo linguajar que mente e fala verdade! Que, como a minha, rouba, esconde, e até mata! Que alegria me dá ver essa gente por cá, pelo meu país! Com ela aprendo outros pensares, outros sentires, nem todos me agradam, é certo, mas o que é verdade é que fico mais rico! Mal frequentado foi, de facto, o meu país, durante quase cinquenta anos, mas isso a História já guardou.
Perigos!? Por certo. Mas não foi viajando pelo perigo da aventura que a minha gente de então dobrou o Bojador e deu novos mundos ao mundo, lançando-lhe o fermento que o fez crescer? E não foi com as suas lágrimas que o mar se salgou e ficou como hoje o temos e dele gostamos? Venha, venha mais gente para o meu país! Quero vê-lo continuar a erguer-se por entre perigos e aventuras. Como diria Ulisses, se aqui estivesse, quero que o meu país não deixe de procurar as imperfeições perfeitas.
Prefiro o perigo, a viver só na noite obscura das mentes que erguem fronteiras, que matam a liberdade, que tolhem o pensamento, que calçam botas remendadas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Vestida de gente

Chega vestida de parca, guarda-chuva e luvas, a minha manhã.
Deixou o Sol envergonhado recolhido atrás das nuvens, como chamazita tremelicando com o frio da noite passada. Vem por entre o chapinhar da chuva. Não de água, forte, mas de gotejar fino que, pacientemente, e batido pelo vento, tudo molha, não só os tolos.
Sol envergonhado ficou dito.
Pois está. Com que timidez o vejo a querer sair das nuvens! Agora, finalmente afoito, desvia-se dos pingos que caiem, põe um calor acariciante na minha janela, que a Lúcia Lima, os caluquetas, o bambu e o Ficus muito agradecem.
Até me viram as costas, pondo as folhas a olhar lá para fora, de tão inebriados estão!
Acreditasse eu, e diria que se meteram à conversa com o Sol e a chuva. Estarão, provavelmente, eu é que os não entendo! Hoje, porque ainda ontem, bem me lembro, respondi às perguntas que me fizeram. Sim a água tem as vitaminas, as folhas amarelas já as tirei, e os galhitos secos também. Nem as deles nem as minhas foram palavras inúteis. Percebi que lhes matei os desassossegos.
Os habitantes da minha janela têm traços humanos, provocam estranhas sensações. Talvez por isso tenham decidido fazer, hoje, o que fizeram!
Arrependidos? Afigura-se-me que sim, pelo menos os caluquetas, os mais faladores deles todos, estão para ali aos gritos.
- Anda cá, vê!
Escapado das nuvens um raio de Sol leva-me o olhar até lá abaixo. Cruzam-se, vindos de pontos diferentes, dão vida às ruas, procuram o quente das pastelarias ou do “take away”, uns apressados, outros não, parecendo quererem levar a chuva pela mão. De pata alçada um canito rega o pneu do carro do vizinho, não tarda chegará a vez do meu!
Afinal, a minha manhã veio vestida de gente!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Os meus selos

Hoje é dia de continuar a pôr ordem na casa. Os selos acumulam-se, há que os colocar antes que os meus amigos me tenham por um mal agradecido. Mais alguns, que recebi com carinho e amizade.
De http://babyvelvet.blogspot.com/

De http://miuikablogspotcom.blogspot.com/


De http://naquintadorau.blogspot.com/
De http://eu-rabiscando.blogspot.com/



Com um grande abraço, agradeço a distinção.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Saudade da saudade

No andar das minhas saudades abre-se uma clareira, um espaço sem caminho, uma terra a que faltam chão e céu, em que ar não há, para onde uma se escapa e se perde. É a saudade do que nunca verei, das palavras que ficarão por dizer, do sono que não terei, do sonho que não virá. Da tristeza, sempre saudosa dos instantes felizes.
É a saudade das flores que nascerão, sem que as veja, dos rebentos brotados, da dor que me não magoará. Do olhar reluzente em que deixarei de mergulhar. Das carícias de mãos de veludo. Dos murmúrios e sussurros, que ficarão por escutar. Da vidraça da janela do meu olhar. Do colo do meu descanso e aconchego. Da Lua e das estrelas, espreitando noites de amor sob as casuarinas sopradas pela brisa nascente nas águas da Kyanda.
É a saudade de outras saudades, inquietas e agitadas, mas também de meiga e profunda ternura. É a saudade do mar e rios porque nadei na minha infância, do mundo que mudará sem que o veja. Duma véspera que chegará sem amanhã. Da embriaguês com os odores da terra vermelha beijada pelo choro das nuvens. Das tempestades vencidas.
É a saudade da escola, da fisga de caçador furtivo, das correrias por aventuras loucas, do gesto destemido, na guerra, a segurar a paz, do assobio reunindo amigos, da ximbica aprendida. Da rebeldia. Do grito da Liberdade. Do encontro com a consciência. Das fogueiras crepitantes, dos merengues nas rebitas mussequeiras. Das denguices requebradas das meninas do baile, do calor enleante das esteiras. Das sementes encantadas de tamarindo, do beijo da pitanga. Da ardência dos caluquetas.
É a saudade de ausências e presenças, do meu outro eu, companheiro de muitas andanças. Do relinchar dos cavalos à solta do meu espírito. Do choro da solidão.
É a saudade do barro que um dia amassei, moldando o amor com que vivo, no arco-íris da minha tribo.
É a saudade desta saudade fugitiva, que, num dongo sem leme, me leva para anoiteceres e alvoreceres desconhecidos.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Viu o Pai Natal


O Natal está a germinar.
E ele, ali, a soprar poeiras acumuladas, que ao soltarem-se da caixa de memórias, lhe lembram sabores de quando era menino. Escrevinhador desajeitado mergulha nas águas que lhe chegam do passado.
A cozinha perdeu a solidão. Lhe encheram de gente de fazer tarefas.
Rabanadas bóiam sobre o óleo que as frita. No alguidar a farinha molhada recebe o fermento, o seu tempero de crescer para a massa das filhoses. Fazem-se as sopas de cavalo cansado com vinho tinto de garrafão de capacete, canela e açúcar. A aletria e o arroz doce, com caracóis de canela a enfeitá-los, estão já em pratos e tigelas. Limpa-se o bacalhau demolhado, separam-se as couves apanhadas no canteiro do quintal, fatia-se o repolho, lava-se a mandioca e a batata-doce, que a quitandeira vendeu, o alho lhe tiram a casca, a pimenta lhe pisam, a farinha de milho lhe cozem, o leite-creme lhe queimam o açúcar por cima.
Mãos, com o saber da mãe, escolhem os ovos, não vá algum trazer pinto!
Ele num vaivém, soltando suspiros gulosos a que ninguém cede, nem a lavadeira que está ali, de filho às costas, a preparar, como só ela sabe, a quiquerra e a quitaba. A jinguba já lhe seleccionou e torrou, e pôs, para um lado, o montinho do mascavado recebido do Caxito, para outro, os caluquetas e a farinha de pau, preparos necessários.
O peru marina, mas é para amanhã lhe assar.
Lhe fecham a porta da cozinha! Lhe vedam, com duas vassouras cruzadas sobre a pá do lixo, o caminho para a senhora que lava a roupa, hoje não, que está de fazedora de delícias! Ó gente! Monandengue sofre!
Não há curva que consiga fazer. Enfia-se no quarto procurando a maior meia. O que veio a meia aqui fazer? Santo desconhecimento! É a meia, que logo mais à noite, quando tudo estiver arrumado na sala fechada para a consoada, irá pôr, não na chaminé, que a não têm, mas no forno do fogão. Explica. A meia é para a encherem de prendas.
Já estão à mesa, ao fundo a árvore com a estrela no cimo e as luzes piscando, ele de dente fisgado numa rabanada, que lhe sabe melhor que o bacalhau (são gostos!). É quase meia-noite. Não espera. Sem mesmo pedir licença (no Natal perdoa-se) salta da mesa e vai direitinho ao fogão.
Curioso! Está de porta aberta, nunca antes o tinha visto assim! Espreita. De dentro sai um senhor de longa barba branca, com um barrete vermelho e uma meia gorda nas mãos. Olha-o. Nele vê um sorriso de luzes brilhantes, a cintilarem nuns olhos que lhe parecem a Lagoa do Kinaxixe. Antes que desapareça, ainda o ouve dizer: t’acreditas?
Agarra na meia, tão gorda que pesa, e corre, alvoraçado, para a sala, aos gritos:
Vi o Pai Natal, vi o Pai Natal!
O gira-discos canta Jingle Bells, Jingle Bells…


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Laços

(Amazónia Brasileira)
(Índia)

(No rescaldo de um incêndio - Austrália)

(Da consulta feita aos meus amigos e leitores, resultou a escolha do título para este post "Laços", sugerido pela Teresa do blog http://oculosdomundo.blogspot.com/. A todos o meu abraço agradecido)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sonho morto


No lugar dali vivia ela.
Ele morava no sítio daqui.

No espaço do meio, a língua de alcatrão, filha daqui, por onde corriam sons vadios, estava lá para dizer que além era terra vermelha, mussequeira, com fogueiras, tambores, cantares, danças gentias da noite e cazumbices.
Todos os dias, quando a Lua já vinha se destapando, ele saía, ximbicando o dongo do desejo, descia no principio da terra, entrando pelo quintal sem porta. Procurava-a, vi-a, tocava-lhe. Falavam-se com palavras de dizer sentimentos que lhes corriam por dentro, ainda filhotes. Alagavam sangues com calores. Ela dava-se com silêncios de sussurros e sorrisos de menina. As almas dos dois amigavam, aproveitavam, subiam às alturas, dançando em festa. O amor passou a ser de muitas noites.
Quando, daqui, ele chegava, no escurecer sem Lua, as nuvens entravam em frenesi, desenhando-lhe estrada murmurante, que o levava aos sorrisos de menina. Regressava, roendo a noite, envolto em carícias.
Os sentimentos cresceram. Os sorrisos passaram a ser de luz, de mulher.
Uma dia o dongo encalhou numa noite diferente, num de repente. A terra mussequeira tornou-se queimada crepitante. O vento soprou-lhe gritos e som de tiros. Correu, para a mulher de sorrisos de luz, a ela se abraçando. Ficaram os dois, bem juntos, beijando-se com palavras meigas, trocando purezas de felicidade. A Lua fugitiva desceu, cirandou à volta deles. Fundiram-se num só sítio.
A manhã apareceu sobre aduelas queimadas, ainda fumegantes, trazendo um Sol com raios de fogo.
A guerra chegara!

domingo, 22 de novembro de 2009

Os meus selos

Muitos têm sido os selos com que os amigos me têm mimoseado. Recebo-os com amizade, edito-os com carinho. Não todos, hoje, para não sobrecarregar em demasia o post. Noutro dia continuarei a mostrá-los. Alguns já os tenho na barra lateral. De acordo?
De ematejocazul, por ter aceite o desafio da Tolerância, com a recomendação de linkar o blog que originalmente o criou: http://licas-ontemehoje.blogspot.com/

De MIUÍKA: http://miuikablogspotcom.blogspot.com/

De Manuela Freitas (LIGTH):http://vivercomlight.blogspot.com/

De SANDRA:http://sandraandrade8.blogspot.com/

De Marcia:http://marciareggiani-marcinha.blogspot.com/

De CHEGA JUNTO:http://chega-junto.blogspot.com/
De TULIPA:http://momentos-perfeitos.blogspot.com/

Obrigado a todos. Os selos não estavam esquecidos! Bom Domingo.




sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Ver e ouvir este Sábado (Mãe Preta)

Tenho por hábito propor aos amigos do meu blog algo para ouvirem ao Sábado. Desta vez antecipo-me para este terminar de Sexta-Feira. Porquê? O Brasil vive hoje o Dia Nacional da Consciência Negra. Se quiserem saber do que se trata podem ir ao Chega Junto. Eu vivo a saudade, que me queima, da Mãe África, que me viu nascer branco
Mae Preta

Pele encarquilhada carapinha branca
Gandôla de renda caindo na anca
Embalando o berço do filho do sinhô
Que há pouco tempo a sinhá ganhou

Era assim que mãe preta fazia
criava todo o branco com muita alegria
Porém lá na sanzala o seu pretinho apanhava
Mãe preta mais uma lágrima enxugava

Mãe preta, mãe preta

Enquanto a chibata batia no seu amor
Mãe preta embalava o filho branco do sinhô
(Piratini / Caco Velho)

(Mãe Preta foi interpretada por Amália Rodrigues, Paulo de Carvalho e Dulce Pontes, entre outros. Optei por esta)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Em busca da alma gémea

Por quantas areias soltas, de noites abertas, caminhou! Quantas nuvens trazidas pelo vento, ou deixadas pela chuva, o viram passar!
Dobrou esquinas e contra esquinas, chegou a becos, neles volteando buscando saídas, soltando-se por muitas delas com silêncios agarrados. Silêncios de sons confusos e múltiplos. Silêncios demais.
Na quicumba com que se meteu ao caminho levou a esperança de vislumbrar o halo que ele sonhara existir. Paredes de noites e regaços de manhãs foram sítios de seus descansos, para logo prosseguir. Vezes houve em que adormeceu sob o manto de madrugadas cacimbeiras, delas despertando com o medo fervendo-lhe por dentro, querendo chegar, rápido, ao amanhã.
Andou por verdades diferentes, desprezando mujimbos. Aprendeu palavras e gestos. Palavras do seu sentir, maneiras do seu fazer. Afastou pedras. Ameigou caminhos ao seu jeito de andar. Com mãos de alegria e o coração batendo forte, teceu a liberdade de querer ser. Escondeu esgares cinzentos. Foi deixando o ontem para trás.
Pisou, descalço, terra molhada por lágrimas do céu, sob elas se lavando. Beijou a Mafumeira da lagoa da surucucu, onde mergulhou com amigos kimbundos, de pé descalço como ele. Viu a Lua e as estrelas pratearem o mar da Kyanda.
Namorou acácias, casuarinas, tamarindeiros e doces de jinguba da senhora que lavava a roupa de filho às costas. Com esta comeu o funge e o pirão e bebeu água da celha. Foi ela que um dia lhe tirou uma matacanha, que atrevida se instalara e fizera casulo num dedo do pé.
Palmilhou quintais de musseques. Rebitou, sacudindo a poeira levantada. Ouviu t’espero! Saboreou o calor partilhado sobre os luandos da esteira vivida a dois. Provou o picante do caluqueta, o sabor mulato do caju e da manga, o doce vermelho da pitanga, o açúcar do sape-sape e da fruta-pinha. Deixou que o marufo lhe tangesse a garganta. Amou e sorriu, sofreu, aprendeu a chorar.
Passou ao lado de encontros com a irmã da vida, soltando fagulhas da alma em fogo.
Um dia voltou às areias soltas, por elas caminhado, passo a passo, malembe malembe. Adormeceu, cansado, cara crescida, olhos pousados no peito. Logo despertou, alvoraçado, correndo pela luz do dia, libertando grãos brilhantes, criadores, ao encontro da sua a alma gémea.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Parabéns! (Em Prosa e Verso)

Em Prosa e Verso, blog da Dulce, que vive do outro lado do Atlântico, cuja visita recomendo, passou o primeiro ano de vida, gatinha já pelo segundo. Alcançou o seguidor 100! Esta é uma referência atrasada, eu sei, mas a Dulce perdoar-me-á, por certo. Os selos, que aqui deixo, referem-se ao 1º aniversário e à "conquista" do seguidor nº 100.
Parabéns, Dulce!


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Tolerância/Solidariedade

Depois de ter editado o post anterior sobre a Tolerância, encontrei no blog bichocarpinteiro algo que me sensibilizou. Autorizado pela sua autora, reproduzo o texto e o vídeo que o inspirou. Não quis deixar de partilhar este trabalho com os amigos do Conversas Daqui e Dali. Por outro lado, parece-me que ele se liga, na perfeição, ao meu post sobre a Tolerância.
“A Solidariedade e a Vaia
A atitude de uma única pessoa faz, de facto, a diferença.
Natalie Gilbert, com treze anos, ganhou um prémio e foi cantar o hino dos EUA, num jogo da NBA com vinte mil pessoas no estádio. O início foi afinado mas, a dada altura, esqueceu-se da letra. Sozinha, no meio daquela imensidão e completamente desorientada, Natalie começou a ouvir as vaias. Estavam várias pessoas junto da miúda, porém só Mo Cheeks, técnico dos Portland Trail Blazers, se aproximou e cantou com ela, incentivando-a a prosseguir.
Todos nós já presenciámos acontecimentos semelhantes noutras circunstâncias e demasiadas foram as vezes em que não apareceram pessoas como Mo Cheeks...”
(Austeriana)