domingo, 29 de agosto de 2010

Os meus selos


Chá e Amizade

Para além de uma chávena de chá, que com muito gosto aceitei, a Teresa Hoffbauer (ematejoca) ofereceu-me, também, este selo, enviado de Düsseldorf. Distinção que me apraz registar. Obrigado, Teresa. Acompanharam-no regras, a primeira das quais referir quem mo ofereceu. Já o fiz. Depois dizer qual o meu chá preferido. À cabeça o chá preto, de seguida o de Caxinde e o de Lúcia-Lima. É preciso que diga, igualmente, quantas colheres de açúcar costumo utilizar. Pois bem! Duas a três! Não me peçam para explicar o porquê, não saberia fazê-lo, a verdade é que bebo café sem açúcar, mas dele não prescindo no chá!
Agora, sendo o selo já meu, ofereço-o a todas as amigas e amigos que por aqui têm por hábito passar. É igual a amizade e mesma a simpatia por todos. Gostaria que nele pegassem e o colocassem nos vossos blogues, respondendo às perguntas e dizendo de onde o levaram, sem esquecerem, peço-vos, de referirem que o recebi da Teresa.
De momento apenas tenho chá de Lúcia-Lima. Vai uma chávena?
Obrigado a todos.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Do Viajante


À Janela do Tempo

Não se lhe pergunte a idade, a resposta poderá ficar por se ouvir. À força de insistência acabará por dizer, tenha-se por mais certo, não sei, ela muda todos os dias. Saiba-se, apenas, que está ali, sentado naquele banco pintado de verde mais parecendo debruçado sobre uma janela do tempo, tal a posição a que se dão tronco e mãos.
Repare-se, está de testa franzida, olhar viajando. Estranha postura? Vá lá saber-se! Nem sempre o que parece é, mas o ser dele, hoje, denota, com uma observação mais cuidada o podemos observar, que um turbilhão o envolve – um tropel de ideias e sentimentos cirandando por si adentro!
Das ideias retém a de que não deve permitir que a ordem de seguir a ordem das coisas se lhe imponha. Não quer mergulhar no caos organizado. Desalinhar as pedras do xadrez, salvaguardando os peões, com que quem comanda a vida com ele quer jogar, está ele agora a imaginar, pode levá-lo a lances de um xeque vencedor. Tem por ideia que, se o fizer, não deixará atar-se pelas suas próprias mãos.
Dos sentimentos repele os ditados por palavras aos solavancos, atropelando-se, preenchendo horas vazias, gritando silêncios impertinentes. Sabe ele: muitas vezes as emoções pouco ou nada têm de sábias, embora se vistam de tal, apontam para caminhos errados.
Ditas as coisas deste modo é admissível pensar ter ele estado à conversa com o turbilhão. Deixemos que o pensamento assim se mantenha.
Está agora de testa já não franzida e de olhar regressado. Movem-se-lhe os lábios. Esgueirando-se por entre a folhagem das árvores que o circundam, a brisa sopra e traz para que se ouça:
Porque te chegaste hoje, nostalgia? Quando partires não me leves nem o pensamento nem as palavras. Um e outras são o que ainda de meu vou tendo.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Soprar no Tempo!

Pois é!

Este vosso amigo já tem mais uma folha do Tempo virada, menos uma para escrever. Foi uma canseira para aqui chegar, andei sei lá por onde! Travei, e travo, batalhas sem conta! Porque águas revoltas naveguei! Em quanto choro e riso mergulhei! Venci adamastores! Quantas calmarias abracei! Quanto amor nasceu! Inúmeros ses ficaram pelo caminho...Mas, pronto, cá estou, disposto a continuar a caminhada, de bordão na mão, como peregrino da vida. Não vos vou falar do que ela tem sido. Que importa isso?! Hoje rufam os tambores no quimbo, para a festa que acontecerá na minha cubata. Logo mais, a tribo dos catorze que já somos, sentar-se-á à mesa. Dir-me-ão para soprar nas velas assinalando o Tempo vivido. Cantar-me-ão amor, carinho e fraternidade. Os netos caçulas, uma ela e um ele, mandar-me-ão (eles mandam, pois...!) reacender as velas para, também eles, as apagarem com um sopro, porventura mais forte e certeiro que o meu.
Depois o amanhã chegará, por certo com uma manhã de sol de Agosto, como a de hoje. Agora, se os meus amigos e leitores o permitem, vou ouvir Vinicius, na voz de Bethânia.

Um grande abraço para todos!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Morte na auto-estrada

Dois acidentes em cadeia numa auto-estrada, a A25, um em cada sentido.
Seis mortos, entre eles duas crianças, setenta e dois feridos, muitos em estado grave, doze viaturas carbonizadas, mais de cinquenta danificadas (números disponíveis até ao momento em que escrevo). Cento e cinquenta bombeiros mobilizados para o socorro, ambulâncias, o INEM improvisando um hospital em plena auto-estrada! O país viu, estupefacto, as imagens pelas televisões. E interrogou-se: como é que isto foi possível?! De quem é a culpa?!
Logo vozes se ouviram: das condições meteorológicas – chuva e nevoeiro cerrado.
Discordo!
Mais uma vez o encolher de ombros, o olhar para o lado e o assobio. A culpa nunca é nossa, é sempre dos outros, neste caso da Mãe Natureza, que tão maltratada é a cada dia. Outras vozes, culpam as autoridades e os políticos, porque aquelas e estes deveriam ensinar civismo às pessoas, educá-las para comportamentos adequados, e não o fazem!
Continuo a discordar!
Recordo-me que, há bem pouco tempo, o Governo (foi o actual, poderia, e bem, ter sido outro) fez aprovar uma lei fixando uma percentagem mínima de sal no fabrico de pão. Medida aconselhada pela Organização Mundial de Saúde, visando, tão só, proteger a saúde dos consumidores. Todos sabemos que o excesso de sal na alimentação é maligno. Quiseram ensinar-nos a melhor nos alimentarmos. Caiu o Carmo e a Trindade! Lá apareceram nas televisões os analistas e comentadores (intelectuais de pacotilha), dizendo-se asfixiados, perorando: agora até o direito de comer o que queremos nos querem tirar!
Com a esmagadora maioria dos automobilistas passa-se algo de parecido. De que vale dizer-lhes conduza com prudência, reduza a velocidade, mantenha a distância de segurança do carro da frente, preserve a vida, há nevoeiro e chuva! Não adianta falar-lhes de civismo, de respeito por si e pelos outros, de acatamento das regras de trânsito, de tolerância. Não remedeia pôr um carro da GNR, ou da PSP, a fiscalizar cada um deles, logo arranjarão modo e jeito de uma finta engendrarem. Que importam os radares detectores dos excessos de velocidade? Dá-se outrem como condutor, pagam-se as multas e está o assunto arrumado!
O que queremos é continuar a ser o que somos – gente de oportunidade perdida. Oportunidade perdida de sermos gente melhor!
Outras mortes continuaremos a chorar se não quisermos, e não formos capazes de fabricar, cada um por si, em casa, no emprego, na roda de amigos, e todos em conjunto, as fechaduras que abram portas para ruas limpas, desprovidas de becos sem saída.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Recordar Saramago

“Talvez a história do homem seja um enorme movimento que nos leve à humanização. Talvez não sejamos mais que uma hipótese de humanidade e talvez se possa chegar a um dia, e esta é a utopia máxima, em que o ser humano respeite o ser humano. Para chegar a isso se escreveu o Ensaio sobre a Cegueira, para perguntar a mim mesmo e aos leitores se podemos continuar a viver como estamos vivendo e se não há uma forma mais humana de viver que não seja a da crueldade, da tortura e da humilhação, que são o pão desgraçado de cada dia.”
(José Saramago)

[“Escribí para saber si hay una forma más humana de vivir que no sea la crueldad”, La Voz de Lanzarote, Lanzarote, 25 de Junho de 1996].

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Gente pequena

Portugal transformou-se num país de gente pequena, proclamando-se sabedora. Gente que sabe de tudo. Gente apregoando muito saber, mas que, falando, é nada o que se lhe ouve. Que gente é essa, afinal? Ela responde: especialista!
São os médicos das companhias de seguros, quais capatazes de latifúndios, a cujas mãos vão parar sinistrados. A primeira coisa que fazem, antes mesmo de olharem para qualquer exame rotineiro a garantir diagnóstico, é afirmarem que a culpa, a responsabilidade portanto, não é da seguradora, mas do acidentado que não soube evitar o acidente. Doutores da mula ruça!
Sãos os jornalistas de trazer por casa, encostados a economistas de vão de escada e a juristas e analistas último modelo, topo de gama, válvulas à cabeça, falando, falando, dizendo zero, só nos azucrinando o juízo, feitos profetas da desgraça!
São os que se apresentam sabendo mais de combate aos incêndios do que quem anda de peito aberto, dando vida por vida, numa luta sem tréguas, abnegada, para os suster. Os bombeiros não há meio de chegarem, afirmam, os meios não vieram, continuam, mas não curam de evitar o lixo à volta das casas, nem de limpar o pedaço de mata que lhes pertence. E, logo mais, atirarão uma beata incandescente pela janela do automóvel e ajudarão a lançar foguetes de um qualquer arraial.
Sãos os que perante o infortúnio alheio encolhem os ombros, olham para o lado e assobiam, indiferentes à dôr que, por ora, lhes não toca.
Sãos os juízes que, a propósito de tudo e de nada, lançam a Justiça para uma mesa de ping-pong. Ora apanha lá esta puxada, se és capaz! E o Sindicato dos Magistrados, gente fina, que luta sabe-se lá porque direitos. Contra quem? Os magistrados. Contra quem? Os juízes. Contra quem? A Justiça!
Sãos os políticos, com algumas excepções, que dizem que a culpa é sempre dos outros, nunca deles. Falam de tudo, até de futebol, com assento garantido em mesas de comentadores, a troco de um cheque que lhes engorda a conta bancária. Sobre o que nos interessaria ouvir fazem silêncio!
São, são muitos mais. Enxameiam as rádios, jornais e televisões, roubando-nos o ar para respirar. Tornam o meu país cada vez mais pequeno.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Do Viajante


Hora de medos

É tempo de silêncio sem fundo, hora de medos.
Fugindo de olhares, a Lua tapa-se. As rãs calam o seu coaxar. Não se escuta o pio do noitibó. Está por se ouvir o refilar da noite. Do capim alto esvoaçam os pirilampos, rendilhando o espaço com luzes faiscantes.
As águas barrentas da lagoa encostam-se ao capim das margens procurando o manto perdido, a capa prateada que não desceu. Reina o mutismo entre as árvores de galhos por hábito faladores. Nem o vento se lhes chega para fazer rir as folhas.
Ele está ali, no escuro sem sombra, só no meio do silêncio, sentado numa raiz da mafumeira, rompida da terra para se ir banhar na cacimba. Sabe que, logo mais, será manhã, mas tal não o preocupa. O que o inquieta é esta hora de medos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Do Viajante

Hora vulgar (II)
Deixa os ninhos dos bicos-de-lacre na amoreira do quintal, deitando, lá de cima, a sombra protectora sobre a pitangueira medrando arrimada ao muro. Leva os passos para a fita de alcatrão, o seu caminho de ir e voltar, a rua que, suavemente, passem os buracos das últimas chuvadas, um aqui outro além cobertos por lama crestada, vai ao encontro da esquina ao fundo. Dobra a acácia, deixando-lhe um passar de mão que, sabe ele, ela recebe como cumprimento. Por um carreiro de areia faz agora seguir o seu andar, até ao largo de terra batida. Hoje, porque é cacimbo, anda a chuva por outras bandas, a crosta do largo está solta, levantada em poeira pelo vento que sopra e lhe faz mover repetidas vezes as pestanas, parecendo persianas em correria.
Pouco lhe importa. Vai ao encontro do tamarindeiro, ali erguido, conhecido desde o tempo em que a vida ainda não tinha dado tantas voltas por ele, tantas, mas poucas. Sempre o encontra, como se a árvore estivesse a aguardar, sabe lá o quê. Não é a primeira vez que se pergunta: de que estará ela à espera?
Não sabe ele, mas sei eu, que daqui o acompanho, há mais de uma hora, desde que saiu de casa, onde deixou, para além do que já se disse, ainda uma papaieira à esquerda da entrada do portão ladeado pela buganvília vermelha, um pé de caxinde no canteiro das escadas da varanda, e outras formosas criações da flora do seu jardim.
Disse que sei. Não faltei à verdade. O tamarindeiro espera que ele se lhe encoste e ali fique. Deixemos os dois.
O encontro está hoje a ser diferente. Senta-se. Dá as costas ao peito da árvore. Sucede o que nunca antes acontecera – escuta o gemer da seiva do tamarindeiro, correndo por ele acima, na tarefa urgente de dar verde às folhas, de tornar mucefes os tamarindos já crescidos. Ao som da corrente do sangue da árvore, vai ele pensando que os amigos com quem ontem falou têm razão. Esta terra vai ser de gentes livres, todas as gentes, incluindo as dos musseques. Vai nascer um homem novo trazido pela bandeira da Liberdade. Vai ser assim!
Mas não foi!
Muitos cacimbos depois soube ele, estando já em paragens distantes, que, afinal, o tal homem novo ficara por chegar. No país que seria o da Liberdade tudo era velho, a alvorada fizera-se noite, só havia solidão, desistência e predadores. Uns passaram a alimentar-se de outros. A História voltara a fingir. Sofreu, então, a grande desilusão da sua vida.

(Esta a história que ele escreveu para a hora vulgar que o fez despertar, como prometido ficou num dos posts anteriores)

Recordar Saramago (II)

“…Diz-se que o mal não atura, embora, pela fadiga que traz consigo, pareça às vezes que sim, mas o que nenhuma dúvida se tem, é não durar o bem sempre. Está um homem em suavíssimo torpor, ouvindo as cigarras, não foi a comida fartura, mas um estômago avisado sabe encontrar muito no pouco, e além disso temos o sol, que também alimenta, eis senão quando ressoa a corneta. Se estivéssemos no vale de Josafá mandávamos acordar os mortos, assim não há outro remédio que levantarem-se os vivos…”

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“…Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltasar, e Belimunda respondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue.
Quando, de manhã, Baltasar acordou, viu Blimunda deitada a seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro…”

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“…Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu…”

(Extractos de Memorial do Convento)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Do Viajante


Hora vulgar

Acorda a esta hora, como tantas outras, uma hora vulgar. Apenas uma hora de agora, sem história, a não ser a que lhe possa escrever, se o vier a fazer. Pela janela vê tudo à volta ainda escondido no cacimbo. Cacimbo diferente, este. No biombo de nuvens em dança, são mais as brancas do que as cinzentas. O pingar miúdo e frio, soprado pelo vento, pica como fogo molhado, pior do que a mosca que lhe pousa sobre a mão, fugindo de seguida, enxotada por um mexer de dedos. Gesto para espantar, apenas para tal serviu.
O cacimbo, do tempo e do homem, é um sem sol, esmaece o traço e estreita o arco das cores da vida. Apesar de assim ser, ainda deixa perceber um sorriso no recém-acordado. Fosse este um crente de poderes divinos e, por certo, aquele sorriso seria uma aquiescência: tudo parece bem, como os deuses querem. Como o não é, desfaz-se do desenho dos lábios, boceja e diz esta manhã bem podia ter-se apresentado com outra compostura, não aparecer assim, a querer agarrar-me à toa, feita belzebu, desassossegando-me o jeito!
O enfastiar-se de pronto se lhe vai. Não se deixa acorrentar. Não só os deuses as têm, ele também é senhor de algumas artes, como a de virar o cacimbo às avessas, dando-lhe cor.
Sai para a rua a procurar a história que há-de escrever para a hora vulgar que o despertou.

sábado, 7 de agosto de 2010

Fado

A primeira vez que ouvi o fado que hoje vos trago, foi há muitos anos atrás. Cantarolava-o, baixinho, um colega meu. Andávamos ambos em reportagem de guerra, nas matas de Sandongo no Leste de Angola, acompanhando um grupo de guerrilheiros que combatia o governo de Luanda. Um jornalista, em reportagem de guerra numa mata perdida em terras longínquas, ignorada do mundo, onde de manhã à noite se ouviam tiros e explosões, que nos obrigavam a um constante atirar para o chão, a cantar o fado?! Pois é verdade! Como verdade foi que gostei de ouvir a sua voz roufenha, eu que, confesso, não sou grande apreciador de fado. Porque quis saber, disse-me ele que cantava aquele fado por o ter como uma homenagem à mulher! Como eu, o meu colega era, e é, um romântico dado à poesia e ao belo da vida.
Não me perguntem porque vos falo hoje disto. Foi um fragmento das minhas recordações que me visitou. E quando as memórias chegam, não há nada a fazer, apoderam-se de nós!
Pergunta tenho eu para vos fazer: também acham que este fado é uma homenagem à mulher? Não sejam frugais no alimentar do pensamento. Respondam, por favor.
Um abraço e desejos de bom fim-de-semana.

Não Venhas Tarde
Voz: Carlos Ramos
Composição: Anibal Nazaré e João Nobre

“não venhas tarde!”,
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, baixinho
“não venhas tarde!”,
E eu peço a deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim.

Tu sabes bem
Que eu vou p’ra outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer,
Tu estás sentindo
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer, sorrindo,
“meu amor, não venhas tarde!”

“não venhas tarde!”,
Dizes-me sem azedume,
Quando o teu coração arde
Na fogueira do ciúme.
“não venhas tarde!”,
Dizes-me tu da janela,
E eu venho sempre mais tarde,
Porque não sei fugir dela

Tu sabes bem

Sem alegria,
Eu confesso, tenho medo,
Que tu me digas um dia,
“meu amor, não venhas cedo!”
Por ironia,
Pois nunca sei onde vais,
Que eu chegue cedo algum dia,
E seja tarde demais!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Hiroshima e Nagasaki



Foi, apenas, há 65 anos.

A 6 de Agosto de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, ordenou que fosse despejada uma bomba atómica sobre a cidade japonesa de Hiroshima e, três dias depois, outra sobre Nagasaki.
Disse Washington que o objectivo era forçar a rendição do Japão. O argumento não colheu. Depois da rendição da Alemanha nazi e da Itália fascista, Tóquio estava isolada, preparava já a rendição do império nipónico. Calcula-se que, em resultado imediato dos bombardeamentos desnecessários, e por efeitos posteriores, tenham morrido mais de trezentas mil pessoas, no que a História regista como um dos maiores ataques a uma população civil já ocorridos. Ficou evidenciado que os bombardeamentos fizeram parte de uma demonstração do poderio das armas nucleares dos Estados Unidos, sobretudo perante a então União Soviética.
Analistas, incluindo norte-americanos, afirmaram que Hiroshima e Nagasaki foram escolhidas por se situarem entre vales, localização que facilitaria a avaliação dos estragos causados pela nova tecnologia bélica, que nunca até então tinha sido usada e nem se sabia quais seriam as suas consequências.
Em Abril de 1959 (seis anos depois de deixar a Casa Branca), discursando na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Harry Truman afirmou: “A bomba atómica é apenas mais uma poderosa arma no arsenal da Justiça.
Correu o pano sobre um crime!
Ao evocar esta data pretendo que ela não seja esquecida, desejando que os actuais senhores do mundo não caiam em semelhantes tentações.
Ocorre-me um texto de José Saramago – O Planeta dos Horrores – de que extraio a seguinte passagem:
“…Gosto da luz do dia, da claridade, do aperto de mão de um amigo, de uma boa palavra reconfortante, gosto da esperança, amo o amor, amo a beleza das coisas e das pessoas (que todas são belas) – mas tudo isto me pode ser tirado de um momento para o outro. Em todo o mundo há mísseis apontados para todo o mundo, por cima do mundo cruzam-se aviões com bombas nucleares capazes de derreter o mundo, em certos sítios do mundo estão guardadas bactérias suficientes para exterminar a vida em todo o mundo. O planeta dos horrores de mr. Hyde é este, amigo leitor, confiante leitor, talvez ingénuo leitor…”


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Recordar Saramago

O Rogério e a Fernanda tiveram a iniciativa de homenagear José Saramago, convidando-nos a divulgar nos nossos blogs, durante as próximas semanas, textos ou pensamentos do escritor, com o objectivo de vencer o silenciamento e a omissão que se instalou em Portugal depois da morte do Nobel da Literatura. A ideia foi, de pronto, acolhida pelo Carlos. Aqui estou, também, a abraçá-la e a convidar os amigos do meu blog a que o façam, igualmente.
Diz o Rogério: interpretem isto como um apelo, uma sugestão, ou um imperativo de consciência. Pouco importa. O importante, é mesmo manter viva a memória de Saramago.
Pois bem, aqui deixo hoje um extracto da crónica As Palavras, de José Saramago.

“…Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.
Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte – ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto.
Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.”

[In Deste Mundo e do Outro – Crónicas – 2ª Edição (1985), p.56]

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

De regresso




O entoar da azinheira

O sol abrasava, inclemente. O corpo quis, os pés deixaram que os passos fossem. Naquele banco, debruado a ocre, sentei-me a respirar a sombra da azinheira. Um golpe de vento, e chegou-se-me um som vindo de cima. Olhei. Lá estavam, tremelicando, as pequenas e verdes folhas aconchegando, protegendo num gesto de sabedoria profunda, as bolotas que hão-de crescer para a dieta dos porcinos que, por sua vez, alimentarão os humanos. Os galhos mais franzinos balançavam. A azinheira cantava!
Não era, propriamente, um canto, mas um entoar de memórias. Por ali fiquei, um tempo, a ouvi-la, enquanto para lá da sua copa a luz do sol ia passando sobre os campos. A dada altura a azinheira mostrou-se-me com feição de gente. Gente fraterna e solidária, mas também sombreada pelo medo, avermelhada pela brutalidade desde sempre sobre ela exercida. Deixou-me ver foices ceifando searas, costas vergadas ao peso do trabalho da recolha dos frutos de terra, e dedos encrespados premindo gatilhos, roubando vidas a mando da ganância e da imbecilidade da espécie humana. Pareceu-me, ainda, observar-lhe um sorriso trazido da última Primavera, rir de menina, tímido e receoso de que a mudança anunciada não passe de novo fingimento da História.
Instantes depois, não sei se muitos se poucos, que por aqueles sítios o tempo não é de medida comum, a azinheira transfigurou-se revelando-me um rosto de mulher adulta, esquecida dos medos, caçadora de sonhos, a querer mudar o curso errado do Destino, fugindo das armadilhas armadas pela cegueira da História. Deixei o banco. Metemo-nos a caminho do vizinho povoado branco e acolhedor, refulgente de sol, a aldeia de Vaiamonte tomada aos mouros por D. Sancho II em 1240, para logo a doar à Ordem de Santiago. Parámos à porta da “Tasca do Chico”. Entrámos para tomar uns cafés.
- Normais? Perguntou, simpático, quem estava do lado de dentro do balcão.
O espaço era pequeno, mas nele cabia a idade da aldeia. Corpos secos, rostos sulcados de alto a baixo, testas rugosas como casca de sobreiro deixando ver páginas e páginas dos livros daquelas vidas, chapéus nas cabeças. Mãos dadas, umas a copos de vinho, outras a garrafas de cerveja. Olhares trocados em silêncio, falando do que as palavras, por certo poucas e baixas, não seriam capazes: a surpresa de ali verem entrar um casal estranho pedindo, apenas, dois cafés.
Palavras, disse-as eu à saída: Boa tarde!
De regresso à zona do banco da azinheira perguntei o que havia para ver. Aqui nada há para ver, mas muito, tudo, para desfrutar. Foi o que, em boa hora, fizemos, viajando pelo Alto Alentejo. Ao voltarmos para a beira da lezíria, na bela Região do Oeste onde vivemos, viemos com uma grande saudade das gentes e terras daquele pedaço de Portugal onde nada é longe nem perto, é tudo já ali, embora o ali seja, a mais das vezes, para lá do sol posto!
Para trás ficaram as azinheiras entregues à meticulosa tarefa de irem desenhando e escrevendo a paisagem alentejana, elas que, diz quem sabe, vivem mil anos!