segunda-feira, 15 de março de 2010

Interregno

A necessidade de uma segunda e última cirurgia (de que há tempos vos falei) para poder recuperar o andar, livre das fortes dores que me atormentam, e sem o auxílio de canadianas, força-me a uma ausência.
Estou a caminho de um internamento hospitalar, que deverá prolongar-se por três semanas.
Estarei de regresso, assim espero, na primeira ou segunda semana de Abril.
Ultimamente, não tenho sido assíduo visitante de todos os blogs amigos. Compreenderão porquê.
Um grande abraço a todos, com desejos de Feliz Páscoa.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Somos o que não somos?

Na idade em que o mundo nos gira nas mãos sem querermos saber onde é o seu centro, em que por muito que os ventos soprem nos não levam a imaginação, em que os sentidos ainda não estão pintados, em que nos perguntam o que queres ser quando fores grande, eu respondia: médico! Conhecera um, de quem muito gostara. Um tio meu, não licenciado em medicina, dava injecções à família, como ninguém. Tratava-nos das sezões, indicava os tratamentos para o paludismo (o quinino, sempre), curava as infecções intestinais, ensinava a livrar a água de impurezas passando-a pelas pedras de filtro de onde caía, pingo a pingo, para as moringas de barro, que a refrescavam. E, sei lá que mais! Tanto conhecimento seduziu-me. Queria mais, queria mesmo ser médico para investigar, poder ajudar quem precisasse, curar males.
Com tanta pressa o quis ser, que me distraí ou, porventura, dei saltos que não devia. O Destino (esse monstro!) trocou-me as voltas. Deixei as ciências, meti-me pelas letras. Licenciei-me na vida. Depois, na Faculdade, outros andares: os estudos sociais e políticos, a antropologia, as ciências sociais. Assim tenho caminhado, com o desejo morto de ter querido ser o que não sou.
Hoje, acordei a bordo da máquina do tempo. Fui ao passado, planeta distante, à minha procura, desejoso de saber o que falhara. Debalde! Não me encontrei. No lugar que, provavelmente, fora o meu estava um sumiço, tão só! Apenas vi outros meninos a quererem ser. O quê? A máquina não me deu tempo para lhes ouvir as respostas, trouxe-me de regresso ao presente.
Tendo assim sido, só me resta fazer-vos, amigos e leitores, a pergunta:

O que queres ser quando fores grande?


(Do Viajante, que vos deseja bom fim-de-semana)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Desafios

Continuo a tentar arrumar a casa! No post anterior publiquei alguns dos selos recebidos. Para este trago três desafios, dos que tenho para responder.

Agarrado ao selo ali de cima, veio o desafio da Rosa Carioca. Quer ela saber dez coisas que me fazem feliz. Curiosa!!! Bom, aqui vai:

1) - Viver com o ser com quem, desde sempre, partilho a minha vida;

2) - Os meus filhos e netos;

3) - O riso das crianças;

4) - Ler e escrever;

5) - Os meus livros;

6) - A música, sobretudo quando acompanhada pela poesia de Vinicius de Moraes e Chico Buarque;

7) - Falar com as estrelas;

8) - Viajar pelos sonhos;

9) - Fumar um cigarro, beber um café e, à noite, tomar uma Genebra. Pois, então!

10) - Os amigos, virtuais embora, que fiz na blogosfera. São muitos e bons!

A Fernanda (Na Casa do Rau), que acompanhou o desafio com o selo que ali está, quer saber: a) uma coisa de que gosto e mim; b) o que penso do blog de onde recebi o desafio, o dela, portanto. Pois bem:

a) - estar vivo e ainda poder continuar a tentar perceber o mundo em que vivo;

b) o blog da Fernanda é um jardim de afectos, mar de fraternidade, rio de sorrisos, um sítio de bem estar. Uma porta aberta a causas nobres. Páro. Se continuasse não saía daqui.

Repararam naquele prémio!? Deu-mo o Carlos Soares, poeta que vive no Brasil. Faz várias perguntas, mas todas elas, ou quase, constam dos desafios anteriores. Responderei apenas a uma: qual foi uma das coisas mais lindas que ouvi? Resposta:

"És um ser solidário, único, e és o meu avô".

Escreveu uma das minhas netas, numa carta que me enviou.

(Estes desafios são de porta aberta. Ficam à disposição de quem neles quiser pegar. Se o fizerem digam-no, por favor, e refiram esta cubata de onde os levam. Obrigado a todos)




Os meus selos

É tempo de publicar mais alguns selos, dos muitos que tenho recebido. Peço desculpa às amigas e amigos, que me acumularam de gentilezas, por só agora o fazer. Uns ficarão, ainda, por editar, mas não permanecerão esquecidos.

Recebido da Teresa Santos (cronicasdateresa)

Vindo da Elisa Ramos (Mar de Chamas)

É teu, disse-me a Graça Pereira (Zambeziana)


Por mãos da Vivian (InFocO) chegou-me este, do outro lado do Atlântico.

Do Carlos Soares, também do Brasil.

A todos, muito obrigado


quarta-feira, 10 de março de 2010

A Menina do Shopping

(Imagem Net-Google)

Sentado na esplanada do Shopping, saboreava um café.

Acabara de ver “Amar…é complicado” (“It’s Complicated”), com Steve Martin completamente perdido e Alec Baldwin, bom, adiante… A minha tarde de cinema foi salva por Meryl Streep, o fulgor e o brilho de uma grande actriz, sempre ela!
Passou por mim um homem, aí nos quarenta, com uma menina pela mão, seis, sete anitos, não mais. Sentaram-se numa mesa, três quatro metros distante da minha. Olhei-os melhor. Ele pareceu-me pai divorciado, em dia com a filha à sua guarda. A menina sentou-se, com gestos suaves puxou os cabelos deixando-os cair pelos ombros, pousou as mãos sobre os joelhos, e mandou os seus olhinhos brilhantes percorrer as mesas na busca de algo. Assim ficou.
Com a largura da mesa a separá-los, o pai tomou a cadeira defronte dela. Acendeu um cigarro, levantou a cabeça e expeliu o fumo, ficando a ver as espirais trepando pelo ar. Espreguiçou-se. Depois, tirou do bolso o telemóvel, encostou-lhe o ouvido. Ficou tempos à conversa com alguém, presumi. De seguida, pousou o telemóvel, atirou o cigarro para o chão, esmagou-o com o pé. Provavelmente, imaginei, ter-lhe-iam falado de guerras, de terra queimada onde não florescem flores.
Rompendo o ruído da esplanada, ouvi o silêncio profundo que me chegou daquela mesa.
A menina fixou, então, os olhinhos no pai, num ver de quem continuava à procura. Ele reparou, passou-lhe o telemóvel, sem qualquer palavra, apenas com o gesto da mão estendida com o aparelho. A filha nele pegou, pondo-se a dedilhar, por certo abrindo um daqueles jogos que vivem nos telemóveis. Por um momento fugaz sorriu, como se os jogos lhe estivessem a fazer cócegas, ou parecendo estar a jogar às cinco pedrinhas. De pronto, recuperou o olhar triste.
Passaram minutos. O pai acendeu outro cigarro, desdobrou o jornal que levara debaixo do braço. Pôs-se à cata das letras gordas, assim me pareceu, dada a velocidade com virava as páginas. A menina continuava às voltas com o jogo, percorrendo, de quando em vez, com o olhar perdido, as mesas em volta.
Voltou a chegar-se-me, mais forte, o silêncio daquela mesa.
Correram outros minutos.
O pai dobrou o jornal, estendeu a mão a recolher o telemóvel. Levantou-se. Nos olhinhos dela vi pontos de interrogação. Seguiu, agarrada à mão do silêncio do pai, em direcção à porta, por aquele caminho por onde não saltava nem ria. Antes de deixar a esplanada olhou para trás. Vi, no seu olhar, agora ansioso, uma mão aberta, estendida, à procura….
Eu sei que nunca é demasiado longe, mas como eu gostaria de não ver e ouvir, nunca mais, silêncio como o daquela mesa.
Sorvi a última gota do café, já frio. Soube-me a amargo.

domingo, 7 de março de 2010

Dia da Mulher



Assinala-se amanhã o Dia da Mulher. Faço-o de véspera
A ti

A ti, que de impulso em impulso, de ousadia em ousadia, venceste sonhos e pesadelos, viveste amores alucinados, desvarios, paixões desfeitas, sentires sossegados e dores de mágoa, ultrapassaste fúrias, não te perdeste em abismos, e te fizeste árvore frondosa, guardiã de jardins de cores e sons.
A ti, guerreira teimosa.
A ti, virgem, mulher, amante, menina velha, prostituta.
A ti, que rezas e maldizes.
A ti, que dás vida, trazes a aurora em voo livre. A ti, seiva.
A ti, que de sorriso florido, ou de beleza escondida em olhos tristes, qualquer que seja a cor da tua pele, o traço do teu rosto, e desenhem o que desenharem as linhas da tua mão, é vermelho o sangue que te banha as veias e te alaga o coração.
A ti, virgula, pausa retemperadora, têmpera do aço em que a vida escreve o seu livro, fêmea prenhe, mãe do Universo, ponteiro das horas do Mundo.
A ti, que iluminas becos escuros, rasgas avenidas e alamedas, e percorres caminhos levando a vida pela mão.
A ti, que choras, sofres, morres e ressuscitas.
A ti, que danças em salão, no coreto, na rua, ou apenas no teu sonho.
A ti, sedução, amor, traição, ciúme, revolta, tempestade, saudade gritada, bonança.
A ti, flor e espinho, sabor dum instante, momento de fulgor, carícia dum presente, choro dum desencanto, esperança dum futuro.
A ti, companheira, mãe e avó, colo e seio de aconchego, ombro de repouso, porto de abrigo, sal de destemperos, ninho de amor. Presença sempre.
A ti, Mulher, ofereço a flor que ali está.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Do Viajante

Diz-me ele:

Passam desgraças sem fim e as telenovelas, o futebol e uma ministra de bandarilhas na mão, olhando, queda e muda, a queima e a degola de livros. E o circo, de tenda erguida, instala-se no Parlamento, em grande espectáculo com feras amestradas, aves de canto treinado, cães sem açaime. Gente, também, mas doente.
Assim vai o teu País, marulhoso.
Em águas engrossadas por gordura encardida de sebosas mentes vertida, banham-se políticos e jornalistas numa dança orgíaca. Delas se ouvem vozes, vociferando sem nada dizerem, gritando por virgindades ofendidas, senão desfeitas. E braços erguendo-se. Vestindo camisitas de acinte obsceno, pregando tábuas, levantando degraus, lançando cordas, rufando tambores, tan, tan, tan, a chamar a multidão, tan, tan, tan.
- Vinde, povo!
Apresta-se a execução. E o povo vai, parte aplaudindo os mensageiros das más notícias, parte sem saber o que fazer, mas vai, engrossando o rebanho. Não há fogueiras. Agora, é tempo de morte sem cheiro, com direito a lugar sentado.
Não são povo (eles são o povo, não nós!), mas assistem à distância de um gesto de controlo e mando, quais predadores aprontados.
Doutros mares, por onde navega o jornalismo da clarividência e a política do bom-senso, chegam palavras, poucas de cansadas que vão estando, roucas de tanto esforço. Querem denunciar o jogo, em vão! Os poderosos, ainda deuses, opõem-se, dispostos que estão a não perderem o comando, o comando escondido, que de tudo dispõe. O outro, o comando visível, esse não comanda, é só um poder vazio, e só.
O baralho das cartas viciadas permanece nas mãos dos mesmos de sempre. Eles tudo compram, incluindo talibans na santa cruzada pela liberdade de expressão. Espadanam, espessando o ar com um biombo, para além do qual aprisionam um mundo de sombras para que se não veja o desemprego, a miséria, a fome, e os olhares tristes. Ordenam que se toque tan,tan,tan...Dirigem todos, começando pelos que enfeitam o “poder”.
Hermafroditas, irmãs, que são, a verdade e a mentira, persistem na dança incestuosa do esconde-esconde, dando à luz, de quando em vez, criatura excêntrica, a inverdade.
Por momentos fugazes ainda se consegue ouvir um eco de longe: “não é o grito dos maus que me assusta…e sim o silêncio dos bons”.
O teu País está mergulhado num profundo silêncio!


(Para o tema "Silêncio", da Fábrica de Letras)