segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Do Mwata

Avistou-a, no lado de lá da rua, ao sair do restaurante. Braços nus, uns, alçados, a quererem afastar uma nuvem que, pairando num céu mortiço, tapava o sol, assim lhe pareceu; outros abraçando-se. Foi vê-la de perto. Apesar de despida ela estava altiva. Passou-lhe as mãos pelo corpo rugoso. Os dedos detiveram-se num pequeno inchaço, mais macio que o resto em redor, parecendo uma lágrima que, vertida de cima, por ali tinha parado, porventura já sem forças para se deixar cair até ao solo.
Alguém lhe disse ter ela sido podada há pouco. Intoleráveis e intolerantes, os homens despojaram-na da liberdade de crescer como queria.
Já no carro, voltou a olhar para ela, juntando à certeza de que a terra grita, uma outra: as árvores choram.
Mas, ao contrário dos homens, dos de outrora, dos de agora, e, por certo, dos próximos, que insistirão em caminhar por passos velhos, o choro das árvores não verte nem o ódio, nem a maldade, tão pouco a vendeta. Unicamente uma dor que não se sente, se não ouve, apenas se vê.
Quis com aquela árvore falar. Não o conseguiu. Lembrou-se, então, das lianas das árvores da sua África. Quando cortadas, embora magoadas, jorram a água da vida, deixando que os sequiosos com ela se dessedentem. Depois, as árvores saram, e delas outras lianas persistem no nascimento.
Na Primavera irá procurar a árvore do outro lado da rua do restaurante. Encontrá-la-á, certamente, com os braços vestidos de verde, dada à tarefa de os florir. Crescendo, não como ela desejaria mas, apesar disso, com altivez, não se deixando vencer pela intolerância. Continuará a existir, orgulhosa da simplicidade do seu viver, não se furtando a abrigar sob a sua sombra quem dela precisar, não interrompendo a passagem do luar pelos seus ramos.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Devaneios

Agora, que uns dias já passaram, roda-se o quício da azia, e abre-se a janela para um devaneio.

Meter é um verbo chato!

“Não metas a foice em seara alheia!"
- Deita-lhe a mão.
“Não metas o nariz onde não és chamado!”
- Essa agora! Cheira, cheira, que é bom.
“Olha, mete-o no c.!”
- Irra que é estúpido!
“Meter? Nem a brincar!"
- Olha, então vou carregar a sério!
“Mete aqui!”
- Querias…
“Mete aqui a tua mão!"
- Não meto, ponho!
“Não metas o carro à frente dos bois!”
- Põe!
“Mete mais do que pode!”
- Este verbo é mesmo parvo!
“Mete a quarta!”
- Isso é que era bom! Hoje é Sábado, minha!
“Mete a isca no anzol!"
- Não metas, põe! Se a meteres podes ficar sem anzol, sem isca e sem faneca!
“Mete-te em má cama!”
- Mete, mete e vais ver como a noite se faz longa!
“Não se hão-de meter os tormentos todos num buraco!”
- Pois não, não cabem. Se os puseres, com jeito, vais ver que os arrumas todos.
"Não metas a mão na massa!"
- Põe-lhe as mãos, coze-a e papa-a!
“Mete a viola no saco!”
- Viste o que aconteceu ao Benfica? Se tivesses dito põe-na de lado…

ADENDA: Em comentário aqui deixado, fala-me a amiga Fê-blue bird de:

"Meter o rabo entre as pernas"
- Põe lá o dito, põe, e logo vais ver como te saltam para cima.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

sábado, 22 de janeiro de 2011

Dia de Reflexão



…Faz de conta que ainda é cedo
Tudo vai ficar
Por conta da emoção
Faz de conta que ainda é cedo
E deixar falar
A voz do coração...
Desejo a todos um bom fim-de-semana (escrito assim, ainda como diz o defunto Acordo Ortográfico). E, não se esqueçam de ir amanhã pôr o voto na urna. Vão, não vão? Um abraço.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Presidenciais


“Portugal não aguenta mais três semanas de campanha”. Nada de segunda volta, isso teria custos acrescidos para todos os portugueses, “desde logo pela via da contenção do crédito e pela subida das taxas de juro”. Como ele toca, com malabarismo, nos mexericos! Se não votarem em mim, chamo o lobo mau.
O que mais virá?

Disse ter recebido telefonemas ameaçadores, mas que isso não o fará desistir. Gritou bem alto para quem o quis ouvir: “Não é possível demover-me da minha intenção. Só há uma maneira: dêem-me um tiro na cabeça, porque sem tiro na cabeça eu vou para Belém”.
E esta!?
Tadinda da gente!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Presidenciais (Interlúdio)

Dentro da jaula estava um homem de chicote na mão.

Deitadas no chão, a toda a largura da jaula, espreguiçavam-se leoas com ar enfastiado.

No cimo dum escadote, que mais parecia a montra de um lojista, estava um leão sentado.

O homem brandia o chicote, forçando as leoas a mexerem-se e a fazerem carrapitos delas próprias.

Depois virava-se para o leão, levantando o chicote. O felino erguia-se, rugia e voltava a sentar-se.

Um dia o leão não se levantou. Deu um salto e comeu o homem do chicote.

Fora da jaula, as pessoas aplaudiram.

A leoa mais velha, que tinha um fraquinho pelo homem do chicote, não gostou e comeu o leão.

As pessoas aplaudiram.

A filha da leoa mais velha, pegada de amores pelo homem do chicote, ficou desagrada e comeu a mãe.

As pessoas bateram palmas.

A prima da filha da leoa mais velha, que andava a ver se fisgava o homem do chicote, achou aquilo um horror e comeu a filha da leoa mais velha.

As pessoas aplaudiram.

A última das leoas, que se fazia passar por virgem, abriu a porta da jaula e comeu as pessoas que aplaudiam.

O dono do circo apagou as luzes, fechou a feira, e passou a noite com a última das leoas.

Presidenciais

Diferenças…!

Numa arruada, o candidato escuta uma senhora, reformada, de 78 anos, que lhe fala da sua pequena pensão. Diz a senhora, depois do protesto:
- Peço-lhe perdão!
Replica o candidato:
- Dê-me um abraço (e beija-a nas faces). Não peça perdão, não. A senhora fez o que tinha a fazer. Gritou a sua indignação.

Presidenciais

“O casaco fofinho”

domingo, 16 de janeiro de 2011

Presidenciais

“Os funcionários públicos, que tão duramente foram atingidos nesta crise, talvez nalguns casos com alguma injustiça, porque outros, com muito maiores rendimentos, não foram chamados a dar o seu contributo. A eles não lhe foram pedidos sacrifícios como foram pedidos aos funcionários públicos”.

Não, estas palavras não são de qualquer dos dois candidatos de esquerda, mas do candidato Cavaco Silva. Surpreendidos!? Eu ficaria, se elas não cheirassem a demagogia e a populismo. Só tenho uma dúvida: a que “outros” estava o candidato a referir-se? Às figuras do PSD e do CDS, gestores de empresas, alguns seus amigos? Aos banqueiros?

Não se ficou por aqui. Num outro comício, disse:

"Eu não sei se as imagens desta maré humana que me tem acompanhado chegam a casa dos portugueses através da comunicação social, ou se estão ou não a ser escondidas. É qualquer coisa que eu não sei, porque não acompanho hoje o dia-a-dia da comunicação social".

Não sabe, mas proclama que podem estar a ser escondidas…!
Há uns anos, quando era Primeiro-Ministro, dizia que não lia jornais e que nunca se enganava. Agora, hoje, afirma não acompanhar o dia-a-dia da comunicação social, certamente assoberbado pelos afazeres da campanha. E os seus assessores? E os seus conselheiros? Duma coisa parece não ter dúvidas: as imagens da sua campanha estão a ser escondidas!
Quem anda a querer iludir quem?


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Presidenciais

Lembro-me do PR de sorriso espontâneo e livre, que se emocionava e comovia em público, assim, como qualquer um de nós. Aquele PR que disse haver vida para além da sebenta das finanças. Ainda há dias o vi, com o mesmo sorriso e um pé na emoção, a anunciar o seu apoio a um candidato. Hoje, outros são os tempos. Do PR, que quer continuar a sê-lo, já não nos chega um sorriso, mas um esgar de ameaça, de que tudo vai mal, conversa para surdos e mudos ao jeito do que os interesses que o alimentam tanto gostam.
A tristeza é vil, como sempre o foi. Mas, agora, a jocosidade, forçada pelo fingimento de tudo fingir, o que será? Faz-se o escárnio, escreve-se a sátira, canta-se o mal dizer.
Soltam-se o sorriso e o riso à medida, forçados. O aplauso fácil, mecânico, robótico.
Cá de política não percebo nada, isto é tudo uma cambada, pá! És o maior, ou você é o maior, consoante.
Batem-se palmas a quem escarneça, satirize ou mal diga. Assim, numa espécie de vingança do eu para com o eu. Recolhemos ao fácil, escondemo-nos no comodismo estéril. Sentamo-nos à sombra do nada fazer. Que continuem os fingidores. O que há para construir por edificar ficará. Assim fugiremos ao trabalho de pensar, deixando-nos levar pelo acaso das circunstâncias.
Depois, fechado o sorriso, recolhido o riso, gastas as sátiras, consumido o cuscar, o que fica?
Um triste e solitário vazio. Então, apagam-se as velas do velório. Ao que parece, gostamos de assim ser.
Será que gostamos mesmo?

O Analfabeto Político

O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.

O analfabeto político
é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e o lacaio
dos exploradores do povo.
(Berthold Brecht)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Presidenciais

Numa reportagem televisiva o candidato Cavaco Silva afirmou, a propósito de ter comprado acções do BPN:

«Eu era um mísero professor. Acha que eu, como professor, e com a minha mulher, que andámos a acumular as poupanças para a velhice e para deixar aos nossos filhos, não podemos recorrer a qualquer banco quando não temos qualquer responsabilidade política?»

Não fosse poder escapar-me o significado de mísero, fui ao dicionário. Como adjectivo quer dizer: Desgraçado, miserável, pobre; avaro. Como substantivo masculino: Pessoa infeliz.
Como é que um mísero professor conseguiu poupar mais de 100 mil euros para comprar as tais acções!?

Portugal vendeu ontem títulos de dívida pública. A operação correu bem, com juros um pouco abaixo do esperado. Acendeu-se uma pequeníssima luz de esperança em dias melhores. Poucas horas depois o candidato Cavaco Silva encarregou-se de a apagar:

«Nós não podemos de facto excluir a possibilidade de ocorrer uma crise grave em Portugal, não apenas no plano económico e no plano social, mas também no plano político».
Por isso, acrescentou, é preciso ter na PR alguém com experiência para lidar com «situações complexas, muito difíceis e situações que neste momento ninguém consegue prever».
A experiência do candidato, enquanto professor, a vir ao de cima. De facto, quem é que podia prever que um mísero professor conseguiria poupar 100 mil euros para investir em acções que, ainda por cima, deram um lucro de 140%!?

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Presidenciais

“O Presidente da República não pode comportar-se como um aluno bem comportado, de forma acrítica, porque não quero Portugal de joelhos, eu quero Portugal de pé, quero Portugal na Europa mas com uma voz crítica, defendendo a igualdade entre todos os Estados soberanos”.
A força de Portugal “não está na economia nem no poder militar, mas na História, na cultura e na língua portuguesa”.
“Precisamos de um Presidente que não confunda Portugal com um manual de finanças. A economia é importante, mas um país não é só economia, porque o país não é uma sebenta de finanças”.

- Palavras de Manuel Alegre, num comício em Faro –

Entretanto, as tropas soaristas tomam posições, abrindo o caminho ao avanço do exército cavaquista. Para um comício de Fernando Nobre foi Edmundo Pedro, fundador do PS com Mário Soares, aconselhar o voto dos socialistas no presidente da AMI. Em Almada Victor Ramalho, soarista de alma e coração, responsável pela distrital de Setúbal do PS, tudo fez para esvaziar a presença de Manuel Alegre. Depois de ter posto o socialismo na gaveta, Mário Soares não esquece, nem perdoa, o ter sido derrotado por Manuel Alegre nas últimas presidenciais. Parece querer agora ajustar contas, engavetando o poeta.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

De regresso

Mais do que um susto, foi uma das embirrações a que a minha máquina se dá, de quando em vez, como se mais nada tivesse para fazer do que andar a meter-se comigo. Enxotado o sobressalto, ultrapassada a embirração, estando a máquina melhor, regresso após dez dias de ausência, que justificada vos deixo com as palavras atrás escrevinhadas.
Regresso importunado com o que ouvi ao candidato presidencial Cavaco Silva.
A propósito da compra e venda de umas acções do BPN disse ele com pose estática e numa manifestação de soberba robótica que ainda há-de nascer duas vezes quem seja mais honesto que ele!
Não conheço a vida, página a página, dos candidatos presidenciais para me interrogar sobre a honestidade de cada um deles. Mas gostava, sinceramente gostava, que o candidato Cavaco Silva explicasse o que o levou, apenas dois anos depois de ter comprado as tais acções a vendê-las com um lucro de 140%!

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011 - O Dia Um

Por todo o mundo as boas-vindas a 2011. Mostrou-as a televisão. Muito fogo de artificio, champanhe, alegria e folguedo como sempre. Assim deve ser. Aqueles são momentos para o esquecimento do que de menos bom houve, e para desejar que o futuro, que hoje começa a escrever-se, seja diferente para melhor.
Todos o desejamos. Cabe a cada um de nós fazer com que assim seja.
Hoje, a meio da manhã. Reportagem televisiva. Fim de ano numa urgência hospitalar. Pessoal médico, de enfermagem e auxiliar envolvendo os doentes, todos idosos. Um deles, senhora de cabelos brancos, de que a vida, provavelmente, irá em breve despedir-se, respondeu ao médico: “Não, não quero ir para casa, não tenho lá ninguém.” Os outros, presumo, terão dito algo de semelhante, porque acamados os continuei a ver, de olhar distante e fixo no tecto da enfermaria.
Senti um aperto no coração, e, confesso, as lágrimas chegaram-se-me.
Não é momento para abrir portas à tristeza, eu sei. Por isso vos peço desculpa por aqui deixar este meu sentir.
Desejo a todos um Bom Ano Novo. Que cada um de nós consiga o gesto, por pequeno que ele seja, para fazer de 2011 um ano feliz.
Por aqui nos continuaremos a encontrar. Na minha cubata continuarei a recebê-los com muito prazer. As vossas visitas e comentários muito me honrarão.
Um grande abraço a todos.