segunda-feira, 21 de junho de 2010

Mundial de Futebol

Portugal 7 Coreia do Norte 0
Se o guardador de vacas e de sonhos, de Alves Redol, aqui estivesse dir-me-ia, por certo, que a selecção portuguesa de futebol (os Navegadores), tal como a burra Janota, “com arrenegas e pragas, empurrões e algumas mordidelas de cacete” mais não parecia que “uma árvore estranha toda liames ásperos e folhas amarelecidas”, zurrando, zurrando, e disso não passando.
A Ti Elvira, se a esta cubata a pudesse trazer, acrescentaria que a burra tem azougue, mas que azougue ela lho daria…
E por tal não ficaria: “nunca vi burra tão mole…Se fosse teu dono bem te passava a patacos…”
Por não gostar daquele desprezo, a Janota “fez das fraquezas um arranco de força bravia, abalando depois numa carreira de égua corredoura metida a equilibrista de circo”.
Assemelhando-se à Janota, mais parecendo uma árvore fantástica e andarilha, os Navegadores tomaram o bramar dos espectadores por incitamentos e logo se largaram mais, e mais, e tanto que numa curva do campo atiraram com o carrego para cima de quem lá vinha: os coreanos do Norte, que de olhos em bico mais ficaram.
Foram sete os sacos lançados no meio daquela feira de chinfrins vuvuzelantes. Um deles, mais parecendo feito de prestidigitador circense.
Sorte diferente da Janota, que continua a comer palha, e a nela se deitar, tiveram os Navegadores, que regressaram, por entre alas de palmas, ao lençol quentinho e à mesa farta do restaurante do hotel de luxo onde a Lusitânia os hospedou.
Ali estão à espera do dia 25, altura em que irão tomar uma caipirinha com os brasileiros.
(Inspirado no livro "Constantino, guardador de vacas e de sonhos", do inesquecível Alves Redol)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morreu José Saramago

Quando à hora do almoço soube da morte de José Saramago, pelo jornal da RTP, senti um amargo percorrer-me. Foi como se tivessem roubado parte de mim. Continuei a ouvir as notícias para acreditar que um escritor original, único, com a marca do talento e do génio nos tinha deixado.

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente José Saramago e de o ter entrevistado. Tenho a sua obra completa e livros por si autografados. Há anos, acompanhei-o durante uma semana, percorrendo o país por onde ele andara para escrecer "Viagem a Portugal", que abre com o notável "Sermão aos peixes". Conheci, então, o Homem. Ao contrário do que imaginara, talvez fruto da sua oralidade despida de adornos em que são férteis os convencidos e vazios de espírito, o que se me revelou foi um ser afável, de uma Humanidade intensa, Senhor de uma postura cívica que nunca deixei de admirar, mesmo nos momentos em que dele discordei.
A obra-prima "Memorial do Convento", o insuperável "O Ano da Morte de Ricardo Reis" e toda a sua obra literária, conquistaram-lhe a imortalidade.
Em 1998 foi-lhe atribuído o Nobel da Literatura perante o silêncio envergonhado da medíocre intelectualidade portuguesa, que ainda hoje se roi de inveja por tal prémio ter sido concedido a um humano humilde, sem licenciaturas e, heresia das heresias, militante comunista!
Não me alongo. Outros escreverão, melhor do que eu, sobre José Saramago.
Não quis deixar de referir a sua morte neste dia para mim amargo, em que me sinto mais pobre, e em que, utlizando palavras suas, o meu coração porque é de carne, sangra.
Descansa em paz, meu Amigo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Do Viajante (Ser ou não)

O Viajante, que há muito por aqui não passa, veio hoje de visita à cubata. Chegou esguedelhado, ar fatigado (deve ter vindo de longe), barba mais crescida que da última vez. Ter-se-á apercebido, lá por onde andava, que me tenho ultimamente interrogado: já não sei se ando pelos dias, se são os dias que me percorrem. Sem me dar tempo a dizer o que quer que fosse, tirou uma folha de papel da pasta que trazia debaixo do braço esquerdo e disse-me: toma, lê. E eu li, Fernando Pessoa.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer
.
(Antes de partir o Viajante pediu-me que desejasse a todos uma boa semana)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Os meus selos

Este blogue voltou a ser medalhado, o que me faz feliz!
As duas veneras que se seguem foram-me concedidas pela Rosa Carioca.



Esta foi-me colocada ao peito pela Ematejoca


A ambas agradeço a distinção, que muito honra esta minha e vossa cubata.


sábado, 5 de junho de 2010

Santos populares


Junho, que mês és tu?!


Apareceste depois do mês do meu casamento. Deste-me o filho mais velho, levaste-me o mais novo. Depois disso fizeste nascer o meu neto caçula, ainda nem sequer tinhas chegado ao sétimo dia!

Estranha criatura és, que dás, tiras, e voltas a dar. Deste de novo porque te arrependeste? Ó Junho, porque tiras, se dar podes tu?
Consta que o teu nome foste buscá-lo a Juno, uma deusa, mulher de Júpiter, um deus. Que deuses são esses que te fizeram assim?
Se te risco do calendário? Não, não te apago. Talvez gostasses de voltar atrás, devolvendo-me o que roubaste. Não sei..., ficamos assim.
Que dizes, agora? Nada de especial. Que vais anunciar a chegada do Verão e é tempo dos santos populares. De quem? Destes três:
- (Dia 13) – António, o milagreiro, protector dos noivos, casamenteiro. Viajante de meio mundo. Até em Praga na Ponte Carlos sobre o rio Moldava, está uma estátua sua olhando quem passa a ver se descortina dedos livres de aliança.
- (Dia 24) – João, de alho-porro na mão, chamando gente para saltar a fogueira. Quem saltar a fogueira na noite de S. João, em número ímpar de saltos e no mínimo três vezes, fica por todo o ano protegido de todos os males, dizem os entendidos nestas coisas dos santos.
- (Dia 29) – Pedro, que se chamou Simão e era pescador. Respondeu certo à pergunta: quem é Jesus? Tal valeu-lhe o rebaptismo para Pedro (pedra) e sobre ele foi construída uma Igreja.
Queres que festejemos os santos populares. Não o farei, sabes bem porquê. Comprarei apenas um manjerico que colocarei na varanda a falar com o Sol e a cuscar com a noite até que a seiva se lhe esgote.
Adeus.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A dor

3 de Junho.

Sempre que a data se aproxima o silêncio da solidão envolve-me, incapacita-me.
Dezoito anos passados repito, de mim para mim.
O Paulo partiu, andava eu por longe.
Só cheguei a tempo de lhe dar um beijo sem retorno.
Consome-me a ira pela sua morte; não vivera ainda 25 anos.
Dói-me o meu ser, em sofrimento.
Choro a ausência do filho, na solidão da amargura, na impotência de o não ter evitado, na angústia de não o voltar a ver, na revolta por ter ficado por ouvir e dizer tudo o que ficou. Choro na minha pequenez incapaz, por ele ter ido sem um último adeus.
O que sempre vem à tona é um vazio cheio dele; uma tormenta que me açoita e me persegue. Só a disfarço, nas noites de insónia e no virar dos dias, levando-me ao engano, fingindo.
A quem peço contas pela injustiça?!
Que ouvidos me ouvem, que olhos me vêem?
Para onde dizer tenho eu, agora, senão para esta cova profunda, e só, que me devora o peito:
Olá, Paulo!