quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Purificadores

Na sua crónica, no último número da Visão (395), escreve, a dada altura, José Pacheco Pereira: “…o que transpira no actual discurso governamental é não só indiferença face ao empobrecimento generalizado dos portugueses, como a ideia implícita de que esse empobrecimento é moralmente bom, “purifica”, regenera. Salazar pensava assim, que a pobreza era uma virtude e muitos dos nossos governantes, como acham que tudo o que a mão do Estado toca é por natureza impuro, aconselham dieta aos magros, como se a mortificação a que eles presidem fosse um castigo divino executado pela troika e seus mandantes…”
E, mais adiante:
“…Passos Coelho retirou 25% do poder de compra a centenas de milhares de portugueses, que estão longe de ser mais do que remediados, na melhor das hipóteses, e não teve para com eles uma palavra sequer. Bem pelo contrário, apontou-os no dia seguinte como privilegiados, e como alvo para todos os trabalhadores do sector privado…”
JPP não descobriu a pólvora! Todos sabemos disto! Sabemos…!?
Não há muito tempo tive conhecimento de um “estudo de opinião” sobre as medidas de austeridade que foram e nos serão impostas. A maioria dos habitantes da sanzala ouvidos não discorda e até considera que elas contêm “alguma razoabilidade”! Talvez os satisfaça saber que o pão dos ricos paga um IVA igual ao do pão dos pobres. E continuam cantando e rindo, ululantes, incendiando estádios de futebol, e correndo a ouvir o fado, agora, orgulhosamente, Património Cultural Imaterial da Humanidade. Lá para Junho do próximo ano estarão agarrados aos televisores, gritando, possessos, aplaudindo ou vaiando os artistas do pé na bola do ajeitado Paulo Bento. Pobretes e alegretes, estes portugueses lá vão navegando por mares das alegrias dos tristes.
Li algures, a propósito da mexedela nos feriados, que “para bem do negócio e da Fé”, se deveria instituir o dia 13 de Maio como próximo feriado nacional!
Passos Coelho e os seus purificadores estão nas suas sete quintas.


domingo, 27 de novembro de 2011

O Fado


Confesso que passei muitos anos da minha vida olhando para o fado como um vendedor de coisas inúteis, como a melancolia, o ciúme e o encontro, desencontrado, de almas desatinadas. Assim como uma espécie de alegria dos tristes…
Talvez, não sei, por ter nascido em África e nela me ter tornado adolescente ao sabor e ao som das rebitas de Sábado à noite nos musseques empoeirados da minha Luanda, e adormecido embalado pelos cantares da Kyanda que as casuarinas da Ilha me traziam. Não sei, talvez!
Um dia ouvi Carlos Ramos cantar "Não Venhas Tarde" e disse para comigo: Há algo neste cantar que preciso entender. O mesmo me aconteceu quando me chegaram as vozes de Celeste Rodrigues (irmã de Amália), de Amália Rodrigues e Carlos do Carmo (a Voz!).
Hoje continuo a tentar entender o fado em toda a sua plenitude. O excelente vídeo que o Rodrigo (folha seca) colocou no seu blogue (desconhecia-o) deu-me uma ajuda. Já lhe agradeci a partilha.
A UNESCO acaba de considerar o fado Património Imaterial da Humanidade. Sinto-me bem. É que a seiva da Mãe África, que por mim corre, vive em harmoniosa coabitação com o sangue orgulhoso de ser Português!

Bom Domingo

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Reganhar a esperança


Não há descontentamento e indignação, se não os mostrarmos. A voz não será ouvida se ficar calada. O gesto não será entendido se não surgir. Nada se obtém sem reivindicação e ela terá que ser pública para ser visível. Como foi!
Os alucinados que nos governam (mercados, troika e governo, assim por esta ordem) teimam em não querer inverter o rumo do caminho para o abismo porque nos querem levar. Insistem em não ver que o povo português não se vai entregar, nem vender as suas ruas e praças. Tapam os olhos, escondem-se atrás da mentira. Denegrir para melhor reinar é o seu lema.
Ontem, dia da greve geral, a maior de que há memória na história do Nosso País, duas agências de rating consideraram Portugal lixo financeiro, e os juros da dívida dispararam. Persistem em amordaçar-nos, em roubar-nos a dignidade. O governo embatocou!
Mas o que os alucinados, porém, ainda não entenderam é que o Povo Português está a libertar-se da perpetuidade do alheamento…
A adesão à greve geral de ontem fez-me reganhar a esperança.
 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Greve Geral


Depara-se-nos, de novo, o cabo das tormentas. Tormentas já vencidas por mais de uma vez. Com todos os golias que os rodeavam, os adamastores acabaram sempre por vergar-se, perante os nossos davides. É tempo de voltarmos a pegar nas nossas fundas, apagarmos o sorriso falso e afastarmos a astúcia das carícias fingidas com que nos fustigam o corpo nos fazem doer a alma e nos humilham o espírito.
As medidas de austeridade que querem impor à parte já, e desde sempre, sofredora do povo português são despidas de solidariedade e humanismo. São bárbaras e desumanas.
Enquanto português sinto-me ofendido. Tais medidas repugnam-me, como porcaria que são. E mais me repugna o sorriso alarve e grotesco com que os membros do Governo (o ministro das Finanças e PM gargalharam) se apresentaram na Assembleia da República, aquando da discussão do Orçamento do Estado!
Durante a minha vida, não muito curta que já sou pensionista, jamais deixei de aderir e participar numa greve. A não submissão está-me no sangue como, creio, corre, igualmente, pelas veias dos meus compatriotas.
Aos meus compatriotas, mesmo àqueles que pensam que as medidas de que acima falo os não beliscarão em demasia (um erro, porque depois dos outros seremos nós), não peço, mas digo: Adiram à greve, apoiem-na. E, depois dela, façam de ruas e praças o seu sítio de estar. Nunca um machado cortou a raiz ao pensamento nem tolheu o gesto de recuperação da dignidade de um povo, que a sente perdida.
Gostava de ver amanhã uma bandeira portuguesa em cada janela, como sinal de apoio à greve.


sábado, 19 de novembro de 2011

Não basta estarmos indignados!

 
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor nos ramos
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo de uma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo de uma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos p'la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca, brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca.
(José Afonso)
A todos um bom Domingo

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Escultura (II)

 


Querem 
que se desligue das ideias.
Que se livre de si próprio, para deixar de compreender-se.
Ele diz que não.
Em cada ideia, acrescenta, há uma forma humana, e são muitas as que com ele convivem.
Empurra o dia. Sobe pela madrugada e nela fica olhando a terra cheia de fronteiras.
Não hão-de os muros detê-lo.
A fala deixará de ser mansa e o gesto curto.
Há-de chegar a campo livre.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Escultura







Tenho tentado entrar à conversa com os meus sonhos.
Em vão!
Chegam. Falam-me…
…e partem sem me ouvir.
Deixam-me, numa mão, chávena cheia de tédio saído de mim, porque em mim o fastio já não tem onde estar.
Noutra, a opressão que me estrangula.

sábado, 12 de novembro de 2011

Zangar-se-á, a calma?


 E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão

Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito dos rios fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar
(Chico Buarque)
Bom fim-de-semana 

domingo, 6 de novembro de 2011

Não me inclino...

Domingo

Chegou-se ao português vindo do latim “dies Dominicus”. Adoptado, passou a ser o “dia do Senhor”. O mesmo fizeram os castelhanos, italianos e franceses tratando-o por Domingo, Domenica e Dimamche.
Os pagãos da Antiguidade, servos de vários senhores, também o tiveram, mas como “dia do Sol”, o astro a que chamavam rei, título que igualmente nós lhe reconhecemos, até ver. Aos gentios foram outros povos, como o inglês e o alemão, buscar os seus Sunday e Sonntag, sempre como “dia do Sol”, neles pondo o Sun e o Sonn para que assim continuem a ser.

Não tenho Senhor nem astro de estimação desde que mataram Plutão ao fim de 76 anos de vida como planeta (╬1930-2006). Por isso, ao dia chamo apenas Domingo. Sempre me pareceu um dia que não gosta de contacto com os outros, deles vivendo, permanentemente, desirmanado. Talvez, não sei, por ele acreditar ser o tal “dia do Senhor”.
Chegou hoje sem o choro das nuvens, meio frio, sol embrulhado em farrapos de nuvens, e com vento do lado da lezíria, fustigando os jacarandás e as acácias plantados nos passeios, que parecem vergar mas logo recuperam a verticalidade, não se ajoelhando ao vento, cientes que estão do justo e merecido que é o seu crescimento.
Ajoelhar ajoelhou, sabe-se neste Domingo cinzento, de notícias negras, o líder do PS perante o sacrossanto império da empedernida, trauliteira, conservadora e neo-liberal direita que nos governa. De joelhos, orou: O PS não votará contra o Orçamento de Estado para 2012, não senhor, abster-se-á, tanto na generalidade como na especialidade. Saia desta última discussão o que sair, a abstenção está garantida! Pouco lhe importam os cortes de salários e de pensões, aumentos de impostos, cortes na saúde e na educação, redução dos meses de indemnização por despedimento, aumento gratuito do horário de trabalho conduzindo os trabalhadores à escravatura, retirada de disciplinas importantes do currículo escolar, e mais um sem número de medidas de austeridade asfixiantes, a par da manutenção dos privilégios ao capital como a recapitalização da banca com o dinheiro dos contribuintes, a começar já pelo BCP. Pouco lhe importam! 
Não se lhe escuta, com voz que se ouça, uma única palavra de combate às medidas bárbaras e desumanas que a direita quer impor ao povo português. Não se lhe escuta uma única palavra em defesa da nossa dignidade a soberania. Não se lhe ouve dizer basta! Não votando contra o Orçamento de Estado, o líder do PS trai o povo que faz Portugal.
Não tarda, vê-lo-emos nas televisões a clamar ter encontrado, algures, uma nova Cova da Iria e nesta lhe ter surgido uma senhora vinda dos céus, coberta com uma túnica cor de laranja, pedindo-lhe para rezar pela submissão dos portugueses. Para que sobre o meu país volte a cair uma noite só noite, sem luar, sem estrelas.
Pensando em tudo isto, concluo como Pessoa: “Pensar, ainda assim, é agir.”

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A ver se me pasa a neura (II)


...E se posso continuar a sonhar…
 Hoje, vamos numa de culinária! Porquê a admiração!?
A obra chama-se PERCA-DO-NILO AO DENDÉM. Não basta o poder de criar. São necessários pontos de apoio. Aqui estão eles, para quatro pessoas:
Perca-do-Nilo: Quatro postas;
Camarões: Três, por cada posta de peixe, descascados sem se lhes tirar as cabeças;
Cebolas: Cortadas às rodelas finas, que garantam a cobertura do fundo de um tacho, em duas camadas sobrepostas. (De preferência chalotas. Na falta destas qualquer outra como, por exemplo, a cebola pêra);
Alho: Dois dentes descascados e esmagados;
Tomate bem maduro: Quatro, cortados aos pedaços;
Gengibre: Uma colher de sopa de gengibre fresco ralado;
Óleo de Palma: Uma lata pequena, para se utilizar apenas metade;
Azeite: Um fio;
Vinho branco seco: Um copo;
Leite de coco: Três colheres de sopa;
Sal e Gindungo caluqueta, como se diz na terra onde nasci, ou piripiri, como é hábito chamar-se-lhe por cá: Ao gosto e ao paladar de cada um.
NOTAS: A perca-do-nilo é um peixe de água doce originário da região da Etiópia por onde passa o Nilo Azul. De alto valor nutritivo e comercial é hoje a principal fonte de divisas da Tanzânia que, depois de com ela ter povoado o Lago Vitória, a exporta para os países da UE, incluindo Portugal. Por cá a encontramos, fresca ou congelada (de excelente qualidade). O óleo de palma é um azeite que se obtém da prensagem e centrifugação do dendê (ou dendém), fruto do dendenzeiro, ou Palmeira-Dendém. O mosto que fica, a que se chama moamba, é também aproveitado em culinária, sobretudo em África e no Brasil. Do caroço do dendê, ou coconote, extrai-se um óleo, que é saponificado e utilizado no fabrico de cosméticos. A perca-do-nilo, o gengibre fresco, o leite de coco e o óleo de palma compram-se em qualquer super ou hipermercado. As chalotas são mais difíceis de encontrar. Posto isto, mãos à obra.
Dendém
Cebola para dentro do tacho, mais o alho, o fio de azeite e um pouco de vinho a cobrir. Deixar ferver até que a cebola fique transparente, mas não aloure. Juntar o tomate e o gengibre, mexendo e deixando ferver mais um pouco. Adicionar o óleo de palma, refugando tudo, mexendo com colher de pau para que o tomate fique em pasta, engrosse e apure o caldo. Acrescentar o resto do vinho mantendo a fervura. Temperar de sal e Gindungo (dois bagos secos, ou mais, depende do picante que cada um quiser). Juntar o peixe e o leite de coco. Abanar o tacho. Se o peixe não ficar coberto pelo caldo, acrescentar água até tapar as postas, dando mais uma sacudidela ao tacho. Deixar cozer o peixe. Acertar o tempero de sal e Gindungo. Aqui chegados juntar os camarões, mantendo o preparo ao fogo por mais cinco minutos.  Está pronto! Para acompanhar: arroz branco, banana de assar, cortada às rodelas e frita, e farofa, sendo esta feita com farinha de mandioca (também conhecida como farinha de pau) torrada e moída em grão grosso, à venda em pacotes de um quilo. Juntar a porção de farinha que se queira com um preparado de vinagre de vinho branco, uma colher de chá de vinagre balsâmico, cebola muito picada e pimenta-caiena, até se obter uma mistura areada.
Gindungo Caluqueta
Para beber, não sendo muito exigente: Um branco seco do Douro, Planalto é uma escolha acertada, ou um da região de Azeitão, o Pegões que, não sendo seco, também vai bem. Bom apetite!