Ximbicar é palavra cantante e bem-andante. Não sei se ela existe por aí. Conhecia-a na minha meninice, perdi-me de amores por ela.
Já vos falei do meu velho e sábio Professor Cardoso que, na primária, me ensinou as contas. Foi também com ele que aprendi as letras. Explicou que o A, E, I, O e U eram as vogais, mas se as casássemos, nasceriam os ditongos. Então, vá, digam AI como se uma abelha vos tivesse ferrado. Agora UI, foi o mosquito que picou. Nós dizíamos. Ia para casa, rua fora, cantarolando, o UI é ditongo mosquito, o AI ditongo abelha, o A, o U e o I são só vogais, não ferram nem picam, o E é ajudante, acréscimo meu.
Aprendemos, depois, as consoantes que o Professor disse serem de pronúncia mais áspera, e são, não só ásperas como secas, não fossem as meninas vogais e ninguém lhes pegaria! Descobri, maravilhado, essa coisa linda que a vida me deu, a palavra! O Professor continuava: agora digam casa, a gente dizia, agora rua, a gente dizia, agora amigo, a gente dizia, agora escrevam, a gente escrevia. Agora, quando encontrarem alguém que não saiba, digam como se faz.
De quando em vez, mais quando do que vez, a empregada da escola anunciava não haver aulas, o Professor não podia vir. Então, saíamos a correr, o nosso grupo de cinco ou seis, e íamos, não para casa, mas para as barrocas do Miramar, por elas descendo a correr, à procura da Boavista, lá em baixo. Ali o mar, que vive um romance antigo com a Boavista, ensinou-me a nadar e deu-me a provar o seu sal pelos pirolitos que engoli. Na areia daquele amor cresciam cubatas dos pescadores, canoas e coisas parecidas à porta e, atrás delas, um sítio onde as carrinhas da câmara despejavam o lixo da cidade, não separado como agora, com o entulho também vazavam jornais e revistas. Nas zangas do casal, de que se soltavam ondas grandes, ficava sentado a ver os pescadores meterem-se nas canoas, mar adentro, as águas revoltas davam mais peixe. Como é que eles movem aquilo, perguntava-me.
Não resisti. Quis saber de um deles. Perguntei-lhe, sabes o que são vogais, ditongos e palavras? Fez cara de entendido. Essas coisas não, mas as palavra sim, com elas te falo. Vou ensinar-te, queres? Mostrou olhos curiosos. Me ensina, me ensina. Ensinei, servindo-me dos jornais e revistas do lixo.
Quando já ele era conhecedor, desenhando mesmo algumas palavras sobre as margens amarelecidas das folhas das revistas, disse-lhe: agora explica-me como é que as canoas se mexem no mar. Aceitou a troca.
- Tu pegas no bordão, atiras canoa na água, entra e encosta a ponta do pau no fundo do mar, faz força, a canoa anda. Depois continua.
- Ah! Quer dizer, tu remas.
- Ué! Remas!? Essa palavra ainda não sei, não me disseste dela. Eu ximbico a canoa. T´aprendeste, munanga?
Ficamos amigos, trocando bordões por novas palavras. Em dias calmos fui de ximbica com o meu pescador. O mar, gentil, pôs jeito no meu ximbicar.
Aprendi, sim, ando ximbicando pela vida.
(Façam o favor de ximbicar. Se a canoa encalhar digam!)