segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Os meus selos

Hoje é dia de continuar a pôr ordem na casa. Os selos acumulam-se, há que os colocar antes que os meus amigos me tenham por um mal agradecido. Mais alguns, que recebi com carinho e amizade.
De http://babyvelvet.blogspot.com/

De http://miuikablogspotcom.blogspot.com/


De http://naquintadorau.blogspot.com/
De http://eu-rabiscando.blogspot.com/



Com um grande abraço, agradeço a distinção.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Saudade da saudade

No andar das minhas saudades abre-se uma clareira, um espaço sem caminho, uma terra a que faltam chão e céu, em que ar não há, para onde uma se escapa e se perde. É a saudade do que nunca verei, das palavras que ficarão por dizer, do sono que não terei, do sonho que não virá. Da tristeza, sempre saudosa dos instantes felizes.
É a saudade das flores que nascerão, sem que as veja, dos rebentos brotados, da dor que me não magoará. Do olhar reluzente em que deixarei de mergulhar. Das carícias de mãos de veludo. Dos murmúrios e sussurros, que ficarão por escutar. Da vidraça da janela do meu olhar. Do colo do meu descanso e aconchego. Da Lua e das estrelas, espreitando noites de amor sob as casuarinas sopradas pela brisa nascente nas águas da Kyanda.
É a saudade de outras saudades, inquietas e agitadas, mas também de meiga e profunda ternura. É a saudade do mar e rios porque nadei na minha infância, do mundo que mudará sem que o veja. Duma véspera que chegará sem amanhã. Da embriaguês com os odores da terra vermelha beijada pelo choro das nuvens. Das tempestades vencidas.
É a saudade da escola, da fisga de caçador furtivo, das correrias por aventuras loucas, do gesto destemido, na guerra, a segurar a paz, do assobio reunindo amigos, da ximbica aprendida. Da rebeldia. Do grito da Liberdade. Do encontro com a consciência. Das fogueiras crepitantes, dos merengues nas rebitas mussequeiras. Das denguices requebradas das meninas do baile, do calor enleante das esteiras. Das sementes encantadas de tamarindo, do beijo da pitanga. Da ardência dos caluquetas.
É a saudade de ausências e presenças, do meu outro eu, companheiro de muitas andanças. Do relinchar dos cavalos à solta do meu espírito. Do choro da solidão.
É a saudade do barro que um dia amassei, moldando o amor com que vivo, no arco-íris da minha tribo.
É a saudade desta saudade fugitiva, que, num dongo sem leme, me leva para anoiteceres e alvoreceres desconhecidos.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Viu o Pai Natal


O Natal está a germinar.
E ele, ali, a soprar poeiras acumuladas, que ao soltarem-se da caixa de memórias, lhe lembram sabores de quando era menino. Escrevinhador desajeitado mergulha nas águas que lhe chegam do passado.
A cozinha perdeu a solidão. Lhe encheram de gente de fazer tarefas.
Rabanadas bóiam sobre o óleo que as frita. No alguidar a farinha molhada recebe o fermento, o seu tempero de crescer para a massa das filhoses. Fazem-se as sopas de cavalo cansado com vinho tinto de garrafão de capacete, canela e açúcar. A aletria e o arroz doce, com caracóis de canela a enfeitá-los, estão já em pratos e tigelas. Limpa-se o bacalhau demolhado, separam-se as couves apanhadas no canteiro do quintal, fatia-se o repolho, lava-se a mandioca e a batata-doce, que a quitandeira vendeu, o alho lhe tiram a casca, a pimenta lhe pisam, a farinha de milho lhe cozem, o leite-creme lhe queimam o açúcar por cima.
Mãos, com o saber da mãe, escolhem os ovos, não vá algum trazer pinto!
Ele num vaivém, soltando suspiros gulosos a que ninguém cede, nem a lavadeira que está ali, de filho às costas, a preparar, como só ela sabe, a quiquerra e a quitaba. A jinguba já lhe seleccionou e torrou, e pôs, para um lado, o montinho do mascavado recebido do Caxito, para outro, os caluquetas e a farinha de pau, preparos necessários.
O peru marina, mas é para amanhã lhe assar.
Lhe fecham a porta da cozinha! Lhe vedam, com duas vassouras cruzadas sobre a pá do lixo, o caminho para a senhora que lava a roupa, hoje não, que está de fazedora de delícias! Ó gente! Monandengue sofre!
Não há curva que consiga fazer. Enfia-se no quarto procurando a maior meia. O que veio a meia aqui fazer? Santo desconhecimento! É a meia, que logo mais à noite, quando tudo estiver arrumado na sala fechada para a consoada, irá pôr, não na chaminé, que a não têm, mas no forno do fogão. Explica. A meia é para a encherem de prendas.
Já estão à mesa, ao fundo a árvore com a estrela no cimo e as luzes piscando, ele de dente fisgado numa rabanada, que lhe sabe melhor que o bacalhau (são gostos!). É quase meia-noite. Não espera. Sem mesmo pedir licença (no Natal perdoa-se) salta da mesa e vai direitinho ao fogão.
Curioso! Está de porta aberta, nunca antes o tinha visto assim! Espreita. De dentro sai um senhor de longa barba branca, com um barrete vermelho e uma meia gorda nas mãos. Olha-o. Nele vê um sorriso de luzes brilhantes, a cintilarem nuns olhos que lhe parecem a Lagoa do Kinaxixe. Antes que desapareça, ainda o ouve dizer: t’acreditas?
Agarra na meia, tão gorda que pesa, e corre, alvoraçado, para a sala, aos gritos:
Vi o Pai Natal, vi o Pai Natal!
O gira-discos canta Jingle Bells, Jingle Bells…


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Laços

(Amazónia Brasileira)
(Índia)

(No rescaldo de um incêndio - Austrália)

(Da consulta feita aos meus amigos e leitores, resultou a escolha do título para este post "Laços", sugerido pela Teresa do blog http://oculosdomundo.blogspot.com/. A todos o meu abraço agradecido)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sonho morto


No lugar dali vivia ela.
Ele morava no sítio daqui.

No espaço do meio, a língua de alcatrão, filha daqui, por onde corriam sons vadios, estava lá para dizer que além era terra vermelha, mussequeira, com fogueiras, tambores, cantares, danças gentias da noite e cazumbices.
Todos os dias, quando a Lua já vinha se destapando, ele saía, ximbicando o dongo do desejo, descia no principio da terra, entrando pelo quintal sem porta. Procurava-a, vi-a, tocava-lhe. Falavam-se com palavras de dizer sentimentos que lhes corriam por dentro, ainda filhotes. Alagavam sangues com calores. Ela dava-se com silêncios de sussurros e sorrisos de menina. As almas dos dois amigavam, aproveitavam, subiam às alturas, dançando em festa. O amor passou a ser de muitas noites.
Quando, daqui, ele chegava, no escurecer sem Lua, as nuvens entravam em frenesi, desenhando-lhe estrada murmurante, que o levava aos sorrisos de menina. Regressava, roendo a noite, envolto em carícias.
Os sentimentos cresceram. Os sorrisos passaram a ser de luz, de mulher.
Uma dia o dongo encalhou numa noite diferente, num de repente. A terra mussequeira tornou-se queimada crepitante. O vento soprou-lhe gritos e som de tiros. Correu, para a mulher de sorrisos de luz, a ela se abraçando. Ficaram os dois, bem juntos, beijando-se com palavras meigas, trocando purezas de felicidade. A Lua fugitiva desceu, cirandou à volta deles. Fundiram-se num só sítio.
A manhã apareceu sobre aduelas queimadas, ainda fumegantes, trazendo um Sol com raios de fogo.
A guerra chegara!

domingo, 22 de novembro de 2009

Os meus selos

Muitos têm sido os selos com que os amigos me têm mimoseado. Recebo-os com amizade, edito-os com carinho. Não todos, hoje, para não sobrecarregar em demasia o post. Noutro dia continuarei a mostrá-los. Alguns já os tenho na barra lateral. De acordo?
De ematejocazul, por ter aceite o desafio da Tolerância, com a recomendação de linkar o blog que originalmente o criou: http://licas-ontemehoje.blogspot.com/

De MIUÍKA: http://miuikablogspotcom.blogspot.com/

De Manuela Freitas (LIGTH):http://vivercomlight.blogspot.com/

De SANDRA:http://sandraandrade8.blogspot.com/

De Marcia:http://marciareggiani-marcinha.blogspot.com/

De CHEGA JUNTO:http://chega-junto.blogspot.com/
De TULIPA:http://momentos-perfeitos.blogspot.com/

Obrigado a todos. Os selos não estavam esquecidos! Bom Domingo.




sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Ver e ouvir este Sábado (Mãe Preta)

Tenho por hábito propor aos amigos do meu blog algo para ouvirem ao Sábado. Desta vez antecipo-me para este terminar de Sexta-Feira. Porquê? O Brasil vive hoje o Dia Nacional da Consciência Negra. Se quiserem saber do que se trata podem ir ao Chega Junto. Eu vivo a saudade, que me queima, da Mãe África, que me viu nascer branco
Mae Preta

Pele encarquilhada carapinha branca
Gandôla de renda caindo na anca
Embalando o berço do filho do sinhô
Que há pouco tempo a sinhá ganhou

Era assim que mãe preta fazia
criava todo o branco com muita alegria
Porém lá na sanzala o seu pretinho apanhava
Mãe preta mais uma lágrima enxugava

Mãe preta, mãe preta

Enquanto a chibata batia no seu amor
Mãe preta embalava o filho branco do sinhô
(Piratini / Caco Velho)

(Mãe Preta foi interpretada por Amália Rodrigues, Paulo de Carvalho e Dulce Pontes, entre outros. Optei por esta)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Em busca da alma gémea

Por quantas areias soltas, de noites abertas, caminhou! Quantas nuvens trazidas pelo vento, ou deixadas pela chuva, o viram passar!
Dobrou esquinas e contra esquinas, chegou a becos, neles volteando buscando saídas, soltando-se por muitas delas com silêncios agarrados. Silêncios de sons confusos e múltiplos. Silêncios demais.
Na quicumba com que se meteu ao caminho levou a esperança de vislumbrar o halo que ele sonhara existir. Paredes de noites e regaços de manhãs foram sítios de seus descansos, para logo prosseguir. Vezes houve em que adormeceu sob o manto de madrugadas cacimbeiras, delas despertando com o medo fervendo-lhe por dentro, querendo chegar, rápido, ao amanhã.
Andou por verdades diferentes, desprezando mujimbos. Aprendeu palavras e gestos. Palavras do seu sentir, maneiras do seu fazer. Afastou pedras. Ameigou caminhos ao seu jeito de andar. Com mãos de alegria e o coração batendo forte, teceu a liberdade de querer ser. Escondeu esgares cinzentos. Foi deixando o ontem para trás.
Pisou, descalço, terra molhada por lágrimas do céu, sob elas se lavando. Beijou a Mafumeira da lagoa da surucucu, onde mergulhou com amigos kimbundos, de pé descalço como ele. Viu a Lua e as estrelas pratearem o mar da Kyanda.
Namorou acácias, casuarinas, tamarindeiros e doces de jinguba da senhora que lavava a roupa de filho às costas. Com esta comeu o funge e o pirão e bebeu água da celha. Foi ela que um dia lhe tirou uma matacanha, que atrevida se instalara e fizera casulo num dedo do pé.
Palmilhou quintais de musseques. Rebitou, sacudindo a poeira levantada. Ouviu t’espero! Saboreou o calor partilhado sobre os luandos da esteira vivida a dois. Provou o picante do caluqueta, o sabor mulato do caju e da manga, o doce vermelho da pitanga, o açúcar do sape-sape e da fruta-pinha. Deixou que o marufo lhe tangesse a garganta. Amou e sorriu, sofreu, aprendeu a chorar.
Passou ao lado de encontros com a irmã da vida, soltando fagulhas da alma em fogo.
Um dia voltou às areias soltas, por elas caminhado, passo a passo, malembe malembe. Adormeceu, cansado, cara crescida, olhos pousados no peito. Logo despertou, alvoraçado, correndo pela luz do dia, libertando grãos brilhantes, criadores, ao encontro da sua a alma gémea.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Parabéns! (Em Prosa e Verso)

Em Prosa e Verso, blog da Dulce, que vive do outro lado do Atlântico, cuja visita recomendo, passou o primeiro ano de vida, gatinha já pelo segundo. Alcançou o seguidor 100! Esta é uma referência atrasada, eu sei, mas a Dulce perdoar-me-á, por certo. Os selos, que aqui deixo, referem-se ao 1º aniversário e à "conquista" do seguidor nº 100.
Parabéns, Dulce!


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Tolerância/Solidariedade

Depois de ter editado o post anterior sobre a Tolerância, encontrei no blog bichocarpinteiro algo que me sensibilizou. Autorizado pela sua autora, reproduzo o texto e o vídeo que o inspirou. Não quis deixar de partilhar este trabalho com os amigos do Conversas Daqui e Dali. Por outro lado, parece-me que ele se liga, na perfeição, ao meu post sobre a Tolerância.
“A Solidariedade e a Vaia
A atitude de uma única pessoa faz, de facto, a diferença.
Natalie Gilbert, com treze anos, ganhou um prémio e foi cantar o hino dos EUA, num jogo da NBA com vinte mil pessoas no estádio. O início foi afinado mas, a dada altura, esqueceu-se da letra. Sozinha, no meio daquela imensidão e completamente desorientada, Natalie começou a ouvir as vaias. Estavam várias pessoas junto da miúda, porém só Mo Cheeks, técnico dos Portland Trail Blazers, se aproximou e cantou com ela, incentivando-a a prosseguir.
Todos nós já presenciámos acontecimentos semelhantes noutras circunstâncias e demasiadas foram as vezes em que não apareceram pessoas como Mo Cheeks...”
(Austeriana)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Tolerância (um desafio)

A propósito deste dia a amiga ematejoca azul lançou-me um desafio. Quer ela saber, o que respondo a três perguntas. Antes de lhes chegar, uma pequena conversa daqui:

Aquele homem que ali está, com as mãos metidas para dentro do contentor do lixo, droga-se. Não o conheço, sei que assim é porque acredito em quem mo disse. Contei a um amigo. Sabes, disse-me ele, se esse homem for rico é um doente a precisar de cuidados, se pobre for é um viciado a pedir que a polícia o leve!
Irra! Deixo de ter cúnfia neste amigo intolerante! Então não são ambos doentes, gente para tratar? Sukua!
Agora as perguntas e as respostas.
1 – O que significa ser tolerante.
Significa não andar de repúdio engatilhado. Significa trazer comigo um lago de dúvidas por onde mergulhe em busca de uma palavra viva, de um encosto para oferecer, de um estender a mão.
2 – Em que situações tenho dificuldade em praticar a tolerância.
Um pouco por toda a parte encontro gentes a falar de tolerância. A mais das vezes parecem-me abelhas zumbindo, bêbadas. Instala-se-me a dificuldade – não sei se as afastar se as aspergir com um spray exterminador.
3 – Tolerância será abrir mãos das próprias convicções? Porquê?
Convicções tenho algumas, dúvidas imensas. Se entender que abrir mão de uma convicção será ser tolerante, fá-lo-ei. Porquê? Porque perderei uma dúvida, ganhando uma tolerância.
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Muito tenho lido sobre a tolerância, desde citações de pensadores famosos, aos pressupostos que levaram as Nações Unidas a criarem este dia. Continuo cá por baixo, pisando o meu chão vulgar.
Quando um rico e um pobre que se droguem forem ambos doentes a precisar de cuidados, estará escrever-se a palavra Tolerância! Tudo o mais virá por acréscimo.
--
Ficou-me uma curiosidade a fervilhar: será que algum dos meus muitos amigos quer levar este desafio com que a ematejoca azul me desassossegou?
(A imagem retirei-a, autorizado, do blog da ematejoca azul)

domingo, 15 de novembro de 2009

A Tempestade

A Tempestade
Entrou por ali, por onde as margens do dia se fecharam.
Ximbicando por ela um pau de pitanga com duas palavras agarradas, que nada dizem à chegada. Mas, sabe-se, não se me pergunte de que saber. Sabe-se, só assim – andam em busca dos donos perdidos. Saltam ambas. Colam-se a um pingo batido pelo vento, que desliza ziguezagueando pela vidraça. Mais juntas, agora, xuaxalham. Diz a camba de perna curta para a outra que o não é:
- Para onde é que ela nos levava com tanta raiva?
À não camba sumiu-se-lhe a fala, emudeceu de susto. Só abre mais os olhos.
Para além do pingo agarram as duas, igualmente, a esperança de que os donos as não esqueçam.
Insiste a camba:
- Odeio, odeio quem, como essa que nos trouxe, odeia aquilo de que gosto.
A que camba não é, não abre mais os olhos. Foi-se-lhe o medo, chegou-se-lhe a voz:
- Não odeies, companheira, essa de que falas também anda, como nós, à procura, aparece sempre em busca de um dia novo, da bonança. Se te pões a odiar cegas, não vais vê-los chegar. Olha, repara. Já um ali está.
Esse não lhe vejo, não lhe conheço, nem o outro que vem atrás, diz a camba.
- Aquele, de trás, é o meu, já lhe ouvi o grito:
Vem tempestade, entra por mim!
À camba vai-se-lhe o ar, afoga-se no pingo de chuva.

(Participação no Preto e Branco - Fábrica de Letras)

sábado, 14 de novembro de 2009

Para ouvir este Sábado



Índia seus cabelos nos ombros caídos
negros como a noite que não tem luar
seus lábios de rosa para mim sorrindo
e a doce meiguice desse seu olhar
Índia da pele morena, sua boca pequena eu quero beijar
Índia, sangue tupi, tem o cheiro da flor
Vem, que eu quero te dar
Todo meu grande amor
Quando eu for embora para bem distante
e chegar a hora de dizer adeus
Fica nos meus braços só mais um instante
deixa os meus lábios se unirem aos seus
Índia levarei saudade da felicidade que você me deu
Índia, a sua imagem
sempre comigo vai
Dentro do meu coração, flor do meu Paraguai
(J.a. Flores / M.o. Guerreiros E José Fortuna)
(Inesquecível interpretação de Gal Costa)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Os putos já não têm frio




Os putos (crianças) já não têm frio nas salas de aula. Os putos, agora, estudam sem frio. Saber isto foi o dia mais feliz da Minha vida!”




Disse estas palavras Francisco Moita Flores, em entrevista dada hoje a uma televisão. Moita Flores foi, recentemente, reeleito para a presidência do Município de Santarém. Contou que um dos trabalhos a que meteu ombros foi o de climatizar todas as salas de aula para que “os putos pudessem estudar sem frio”. Consegui! Vi-o, emocionado, a reter uma lágrima.
Não conheço, pessoalmente, Francisco Moita Flores. Apenas o li e ouvi em aparições televisivas. Não sei, tão pouco, se é bom ou mau presidente da Câmara. Sê-lo-á, por certo, reelegeram-no. Sei que concorreu apoiado por um partido político com que não me identifico. Pouco me importa este tipo de apreciações. A partir de hoje Moita Flores é, para mim, um HOMEM, que muito gosto de ter como compatriota.
Continue Moita Flores. Não pare esse amor pelas crianças. Prossiga, ajude-as a crescer para que se tornem as árvores frondosas e frutificadoras do nosso futuro.
Hoje renasceu em mim a esperança.
Um abraço.
(coloco este vídeo inspirado pelo blog da amiga Sandra)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ximbicar

Ximbicar é palavra cantante e bem-andante. Não sei se ela existe por aí. Conhecia-a na minha meninice, perdi-me de amores por ela.
Já vos falei do meu velho e sábio Professor Cardoso que, na primária, me ensinou as contas. Foi também com ele que aprendi as letras. Explicou que o A, E, I, O e U eram as vogais, mas se as casássemos, nasceriam os ditongos. Então, vá, digam AI como se uma abelha vos tivesse ferrado. Agora UI, foi o mosquito que picou. Nós dizíamos. Ia para casa, rua fora, cantarolando, o UI é ditongo mosquito, o AI ditongo abelha, o A, o U e o I são só vogais, não ferram nem picam, o E é ajudante, acréscimo meu.
Aprendemos, depois, as consoantes que o Professor disse serem de pronúncia mais áspera, e são, não só ásperas como secas, não fossem as meninas vogais e ninguém lhes pegaria! Descobri, maravilhado, essa coisa linda que a vida me deu, a palavra! O Professor continuava: agora digam casa, a gente dizia, agora rua, a gente dizia, agora amigo, a gente dizia, agora escrevam, a gente escrevia. Agora, quando encontrarem alguém que não saiba, digam como se faz.
De quando em vez, mais quando do que vez, a empregada da escola anunciava não haver aulas, o Professor não podia vir. Então, saíamos a correr, o nosso grupo de cinco ou seis, e íamos, não para casa, mas para as barrocas do Miramar, por elas descendo a correr, à procura da Boavista, lá em baixo. Ali o mar, que vive um romance antigo com a Boavista, ensinou-me a nadar e deu-me a provar o seu sal pelos pirolitos que engoli. Na areia daquele amor cresciam cubatas dos pescadores, canoas e coisas parecidas à porta e, atrás delas, um sítio onde as carrinhas da câmara despejavam o lixo da cidade, não separado como agora, com o entulho também vazavam jornais e revistas. Nas zangas do casal, de que se soltavam ondas grandes, ficava sentado a ver os pescadores meterem-se nas canoas, mar adentro, as águas revoltas davam mais peixe. Como é que eles movem aquilo, perguntava-me.
Não resisti. Quis saber de um deles. Perguntei-lhe, sabes o que são vogais, ditongos e palavras? Fez cara de entendido. Essas coisas não, mas as palavra sim, com elas te falo. Vou ensinar-te, queres? Mostrou olhos curiosos. Me ensina, me ensina. Ensinei, servindo-me dos jornais e revistas do lixo.
Quando já ele era conhecedor, desenhando mesmo algumas palavras sobre as margens amarelecidas das folhas das revistas, disse-lhe: agora explica-me como é que as canoas se mexem no mar. Aceitou a troca.
- Tu pegas no bordão, atiras canoa na água, entra e encosta a ponta do pau no fundo do mar, faz força, a canoa anda. Depois continua.
- Ah! Quer dizer, tu remas.
- Ué! Remas!? Essa palavra ainda não sei, não me disseste dela. Eu ximbico a canoa. T´aprendeste, munanga?
Ficamos amigos, trocando bordões por novas palavras. Em dias calmos fui de ximbica com o meu pescador. O mar, gentil, pôs jeito no meu ximbicar.
Aprendi, sim, ando ximbicando pela vida.


(Façam o favor de ximbicar. Se a canoa encalhar digam!)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nada de barulho!


“Leiam o livro, e nada de barulho”.


Falou o professor, ao começar a aula, sentando-se de seguida à secretária, sem mais nada dizer.
Isto contou-me um jovem aluno, que acrescentou: “quis dizer ao professor que, se era só para ler, fazia isso em casa e voltava depois para o teste, mas tive medo”.
O professor ali de cima pertencerá, provavelmente, a um dos sindicatos que hoje se reúnem com a nova Ministra da Educação. Será que também lhe vão à frente um papel, dizer leia e nada de barulho?
Lembrei-me da Professora de Português dos meus anos de liceu. A Senhora (que saudades!) dizia-nos, algo parecido, porém com uma diferença, o “nada de barulho” era substituído por um “se não perceberem alguma coisa perguntem”. E perguntávamos, perguntávamos sem medo. Ela gostava que a interrogássemos. Não se ficava por aqui, ia passando pelos alunos, querendo saber: “estás a gostar do que lês?”.
Um dia, ao começar a aula, disse-nos:
“Não chega conhecer, temos que estar informados”. Percebemos o que nos queria dizer.
Com ela, ler era um prazer. Aprendi a amar a leitura, e a fazer da escrita uma companheira.
Como eu gostaria que a minha Professora de Português estivesse hoje na reunião com a nova Ministra da Cultura!
(Este post é dedicado aos Professores, seres que exercem uma das profissões mais nobres)

domingo, 8 de novembro de 2009

Do meu tempo de lá


Era uma vez um belo dia de Sol. Parti para o destino da reportagem, um campo de leprosos a Norte de Luanda. À chegada o Sol perdera a perfeição com que nos cativa o espírito, estava já a entregar-se ao adormecer da tarde.
Um fileira de casas de pau a pique, carcomidas pela idade e pelo abandono, algumas palhotas e um casebre, destelhado, onde gente de uma ONG angolana preparava refeições para distribuir.
Tinham-me avisado para me “preparar para o choque”. Fizera pouco caso. Já vira horrores de três guerras, sentia-me blindado. Avancei por aquele espaço onde tudo era sombra. Olhei por portas meio caídas, entrei numa e noutra palhota. Vi restos de gente, quase sem rosto, arrastando-se, corpos ansiosos aguardando o pão que, sabiam, estava para chegar. Como sabiam que nada mais lhes caberia do que ali ficarem, ostracizados, entregues à ferocidade do destino. Saí com o coração a doer-me e lágrimas a chorarem. Respirei fundo. Prossegui.
Alguns metros à frente parei junto de uma porta. Ali estava sentada uma velha com o que lhe restava das mãos sobre os joelhos. Olhámo-nos. Os seus olhos, grávidos de tristeza, rodaram, como a ensaiar um gesto. Disse-me alguém que me acompanhava: ela quer um cigarro.
Baixei-me, de joelhos, frente a ela. Acendi um cigarro e levei-o ao que, outrora, teriam sido os seus lábios. Aspirou o fumo. De novo os seus olhos me procuraram, agora esvaziando uma lágrima a sorrir. Ia levantar-me quando o que das mãos lhe restava se encostou às minhas. Ouvi-lhe um sussurro:
- M´adesculpa, só. T´agradeço.
Levantei-me em silêncio, não sabendo o que dizer. Regressei, coração gelado, trazendo aquele olhar grávido comigo.
As mãos, que ela tocou, são estas com que hoje escrevo.


(Para Preto e Branco - Fábrica das Letras)

sábado, 7 de novembro de 2009

Sons antigos de saudade nova

Apareceu com cara de tempestade vinda para amassar.
Mas, não. O que ela está é masé atarefada, esta minha manhã, qual mulembeira sarmentosa, de pau novo, plantando os ramos com folhas de um verde recém-nascido, de cujas axilas brotam frutos ainda monandengues, que as pintadas recolherão quando de mucefos cairem.
Dela faria um poema, soubesse eu escrevê-lo! Neste quimbo o poeta não mora!
Paleta e espátula na mão, mistura cores, trabalhando, com afã, no retrato do dia.
Olho-a.
Move-se, para cima e para baixo, como que a querer dizer que me segue o pensamento.
Sabe lá ela!
Aquieta-se, volta à tábua das tintas. Um traço mais. Completa a obra.
Este é o Domingo que ela fez, para usar amanhã. Um pouco muxoxo, é certo, as nuvens ronronarão, por elas ximbicará o vento, nunca se sabe! Mas foi artista a minha manhã, que já bazou para outros afazeres.
Deixou-me um Domingo, que amanhã usarei, com alma esculpida em tons dourados e quentes.
E pôs nele sons antigos de saudade nova.

Para ouvir este Sábado

(canção do musical "Evita", também imortalizada por Joan Baez e Sara Brightman, de entre outros)