terça-feira, 28 de junho de 2011

Como se eu soubesse escrever!

A Eva promove no seu blogue um “Concurso de Escrita Criativa”. Como regra única, o tema a concurso deverá ter como título o nome de um dos seus blogues. Opto pelo que está ali em cima e pode ser visitado indo-se por aqui. Não sendo obrigatório que o trabalho seja original recorro, para participar, a um texto já publicado no Conversas Daqui e Dali.

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Assinatura reconhecida

Pelo caminho se meteu. Ao fundo, deu com uma casa meio acubatada, duas tábuas a darem ares de porta. Forçou a abertura, sem o conseguir. Caiu-lhe em cima uma tabuleta. Leu o que escrito estava, em linhas meio enviesadas: “aqui vive Deus, em recolhimento, meditando, não entre.”

Obedeceu.

Três dias depois voltou à estrada. Caminhou pelo primeiro desvio. Deu com um portão de ferro, de cadeado franqueado. “ Reino do demo”, leu numa chapa chamuscada e meio amolgada, “faça o favor de entrar”.

Rejeitou o convite.

De regresso a casa, pôs-se a cismar. Assim ficou sete dias inteiros. Ao oitavo, voltou às andanças, por um carreiro de poeiras, desta feita. Uma vida depois parou. Sacudiu o pó, limpou os olhos. Aquilo não era cubata, nem casa, nem nada de parecido, era só um sítio com um letreiro, de luz aos tremeliques, dizendo: “Aqui vivemos os dois. Entre.”

Entrou.

Numa mesa a levitar, estavam, Deus com o bordão de peregrino no bolso, e o demo, tridente à cinta, a jogar xadrez. Nos intervalos de cada jogo, antes das peças realinhadas, Deus tentava moldar um pedaço de barro. O demo batia com o sílex nos chavelhos, a ver se deles tirava a faísca para atear o tridente. Palavras não as largava o silêncio.

De confusão se encheu. Voltou para trás. Em casa uma vez mais imaginou, com tenacidade. Findo o torvelinho do pensamento tornou ao sítio do letreiro, que já lá não estava. Caída no chão, apenas uma parra gatafunhada.

“Ele ganhou, mas batotou. Voltarei mais tarde. Quero a desforra. Assinado – demo.”

Ao dobrar da folha, numa das esquinas, estava aposto o carimbo: “Assinatura reconhecida por Deus.”

Ficou sem saber que destino dar aos seus pensares perturbados.

Muita vida depois, foi de novo ao letreiro. Encontrou-o, despido de dizeres, de luz apagada. Claridade, apenas a do tecto brumaceiro descido da Lua, chegando para os ver. Um sem o bordão de peregrino, outro despojado do tridente. O primeiro de testa enrugada e barbas longas, o segundo de chavelhos caídos. Ambos envelhecidos, mas continuando, em silêncio, de olhos pregados no xadrez.

(Este texto foi publicado em 11 de Janeiro de 2010. Peço aos meus amigos, visitantes e leitores que me desculpem a reedição.)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O iluminado

O novo ministro da Economia sabe como tirar Portugal da crise. Revitalizar a Agricultura? Recuperar o sector das Pescas e o da Indústria Naval, entre outros? Aumentar as exportações e produzir mais para o mercado interno, diminuindo as importações? Fomentar o emprego? Nada disso. Tais coisas serão, para o ministro, porventura, ninharias.

Álvaro Santos Pereira, assim se chama quem agora tutela a pasta da Economia, encontrou a solução: O “filão dos reformados estrangeiros”.

Diz ele no seu livro “Portugal na Hora da Verdade”, editado este ano: “Gostaria que Portugal se transformasse numa verdadeira Florida da Europa”. Para Santos Pereira, Portugal deveria ter os reformados como uma das suas principais riquezas. Tendo descoberto o que mais ninguém até hoje logrou vislumbrar, esclarece: “O Estado português ainda não descobriu o verdadeiro filão dos reformados dos países nórdicos, da Europa do Leste ou das ilhas britânicas."

O ministro não fala dos reformados portugueses. Isso é gente que não conta, pouco lhe importa para a construção da sua Florida. Aceitou integrar um governo que vai reduzir pensões e reformas dos portugueses. A estes, aos pensionistas e reformados portugueses, que não tarda estarão de tanga, muitos apenas de sacos púbicos, proporá, por certo, um dia destes, que se enviem para o Arquipélago dos Bijagós, com todo o respeito que me merece aquele pedaço do solo africano.

Assim vamos nós, caminhando à luz dos iluminados!


quinta-feira, 23 de junho de 2011

O económico

Então, é assim: A partir de agora os membros do Governo, PM incluído, bem como os seus seguranças, passam a fazer as viagens por via aérea, mas só para dentro da Europa, em classe económica. Nada de executiva, como até aqui. Determinou-o o PM, Passos Coelho, que foi mais longe: Dispensa, também, a sala VIP do aeroporto de Lisboa.

Logo se ouviram inúmeras vozes em loas a Passos Coelho: Ora aqui está, em tempo de austeridade, uma medida moralizadora – é preciso poupar! Uma das vozes, que ouvi, foi a de Francisco Assis, um dos candidatos à liderança do Partido Socialista. Disse ele, num programa conduzido pelo melífero Mário Crespo, na SIC Notícias, estar de acordo com a medida, que, em seu entender, nada tem de demagógico! Não…!?

Todos sabemos, os que já viajámos lá por cima, ser grande a diferença, em comodidade e serviço a bordo, entre as viagens em económica e executiva. Por tal diferença, porém, praticamente não se dá quando os voos são dentro da Europa. Percursos mais curtos, mais rápidos. É entrar, sentar, apertar o cinto, dar uma vista de olhos por uns apontamentos, olhar para o lado, deitar o dente a uma sandes plastificada, bocejar, e já estamos a aterrar, quase tão frescos como à partida. O mesmo não sucede nos voos intercontinentais para as Américas, África ou Ásia. Viagens de longo curso, incómodas e cansativas, que se estendem, algumas, por horas sem fim. Incómodo e cansaço atenuados, minorados direi, pelo espaço de que dispomos a bordo, e pelo serviço incluindo refeições não muito plastificadas (algumas de excelente confecção), para além do visionamento de filmes e outros simpáticos aconchegos. Com tudo isto, e desde que se não passe por zonas de turbulência (como várias vezes me aconteceu, algumas de arrepiar!) a viagem corre sem, praticamente, se dar por ela. Nas viagens intercontinentais a diferença de preço entre económicas e executivas é substancial. A estas, contudo, não estende Passos Coelho a sua restrição.

Não é demagogia, então o que é?

Há pouco tempo Miguel Portas, do BE, propôs no Parlamento Europeu que os euro-deputados passassem a viajar em económica. Caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima, muitos nomes lhe chamaram, demagogo foi um deles.

Agora, batem palmas a Passos Coelho, que numa de populismo a toda a largura diz, também, dispensar a sala VIP do aeroporto!

Enfim…!

Já agora, a talhe de foice: Numa das suas últimas deslocações para encontro com Passos Coelho, o líder do CDS-PP, Paulo Portas, utilizou uma viatura topo de gama de uma conhecida marca nórdica. No que pode ser entendido como uma medida de austeridade, dispensou o seu motorista, provavelmente para não lhe pagar horas extraordinárias. Sentou ao volante a sua ministra da Agricultura, Assunção Cristas, que mesmo com o auxílio de uma canadiana, lá se pôs ao caminho. Cavalheirescamente Paulo Portas sentou-se no banco de trás…

domingo, 19 de junho de 2011

Os meus selos

Este selo recebi-o da rubraacacia. Agradeço-lhe, honrado, tal deferência. A rubraacacia, que apenas conheço neste planeta virtual da bloga, é professora. Porque professora é (para mim uma das mais nobres profissões, pese, embora, como noutras acontece, a manifestação, por vezes, de posturas corporativas arregimentadas), decidi publicar o selo com que me distinguiu, oferecendo-lhe a reedição de um texto publicado há dois anos nesta minha cubata.

"Foi na primária, na Escola 8, ali como quem vai para o Bairro Miramar, em Luanda, que aprendi as contas. Ensinou-mas o velho e sábio Professor Cardoso. Já não está entre nós, mas tenho-o bem vivo na minha memória. Olá, Senhor Professor!
Dizia-nos ele: somar é ter mais; diminuir ficar com menos; multiplicar é amontoar; dividir, o mesmo que compartilhar ou repartir. Tudo isto ia exemplificando, a giz branco, no negro da ardósia do quadro. A conta de que ele mais gostava era a de dividir.
Deixava o quadro, caminhava entre as filas de carteiras e ia dizendo: «há alunos que trazem duas laranjas, duas bananas, ou dois pães para o lanche, e outros não, porque os pais não têm dessas coisas em casa para lhes darem. Os que isso trazem podem dividir com o companheiro de carteira (éramos dois, em cada uma), que nada trouxe. Já sabem que dividir dois por dois dá um. Assim, cada um fica com uma laranja, uma banana e um pão. O resto é zero, e como é zero, nada fica, nada se estraga”
Passámos a fazer aquelas contas. Nas minhas não aparecia resto zero. O que via no lugar do zero era outra palavra, um pouco maior – amigos!

As bananas, laranjas e pães repartidos deixaram-me um sabor para toda a vida: o gosto pela conta de dividir.

Obrigado Professor!"

(o selo trazia agarrado uma regra: passá-lo a 12 blogues. Tarefa difícil. Opto por aqui o deixar à disposição dos meus visitantes amigos e leitores. Dar-me-á muito gosto que o levem e o publiquem, citando o blogue de onde o recebi. Muito obrigado pela vossa compreensão.)

sábado, 18 de junho de 2011

José Saramago

Passa hoje um ano sobre o dia da morte de José Saramago. Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente, com ele ter privado e do o ter acompanhado no seu deambular pelo País para escrever “Viagem a Portugal”. Tenho (e li) a sua obra praticamente completa, alguma autografada. A propósito da data de hoje, que se me não torna indiferente, a editorial Caminho anunciou que será este ano publicado o romance “Clarabóia”, um inédito do Nobel da Literatura, escrito em 1953.

Em “Clarabóia”, segundo a editora, «José Saramago imagina um prédio que tem rés-do-chão e dois andares ou três, cada andar está ocupado por uma família, as famílias são todas completamente diferentes e ele conta-nos a história de cada uma delas»

De acordo com uma pesquisa que fiz, a leitura de “Clarabóia” deixa-me antever o encontro com uma personagem que, tal como Saramago, se interroga: Será a Humanidade recuperável ou não, e qual a atitude a tomar por cada um de nós.

No dia da morte de Saramago, o ensaísta Carlos Reis afirmou: “desaparece não apenas um grande escritor português, mas sobretudo um enorme escritor universal”. E acrescentou: “No entanto, fica connosco um universo: esse que Saramago criou, feito de uma visão subversiva da História e dos seus protagonistas, dos mitos estabelecidos e das imagens estereotipadas.”

A ficção saramaguiana legou-nos grandes temas, refere ainda Carlos Reis. Entre eles “a reflexão sobre Portugal e o seu destino (mau destino, para Saramago) de integração europeia, a problematização de mitos portugueses em articulação com um tempo histórico tão bem identificado como o do início do salazarismo, a revisão crítica e provocatória do Cristianismo, ou a reflexão em clave ficcional sobre as origens históricas e políticas de Portugal, de novo em incipiente diálogo com a Europa”.

Palavras que subscrevo inteiramente, nesta simples homenagem à memória de José Saramago, cujas obras continuarão a ser lidas como grandes romances da literatura universal, frutos de um estilo único na literatura contemporânea e da mestria no tratamento da língua portuguesa.

("O que chamamos democracia começa a assemelhar-se, tristemente, ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver. Reinventemos, pois, a democracia antes que seja demasiado tarde."

.. / / ..

"A única revolução realmente digna de tal nome seria a revolução da paz, aquela que transformaria o homem treinado para a guerra em homem educado para a paz porque pela paz haveria sido educado. Essa, sim, seria a grande revolução mental, e portanto cultural, da Humanidade. Esse seria, finalmente, o tão falado homem novo.")

(José Saramago)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meditação

O senhor cardeal-patriarca de Lisboa disse, e a tv transmitiu: “É preciso contenção na contestação social, para não acontecer como na Grécia.”

Depois foi ao seu sermonário e de lá veio com uma recomendação de ordem política: “também a oposição tem que ser responsável.”

Desviei, por instantes, o olhar da tv para ver se me tinha enganado. Provavelmente, ouvira um banqueiro ou outro qualquer mandante do dinheiro. Mas, não. Era mesmo o senhor cardeal-patriarca de Lisboa!

Sabe-se quem quer, e a deseje como disfarce, uma contestação de estimação, amansada e açaimada, não vá o diabo tecê-las. Longe estava de imaginar que o senhor cardeal-patriarca de Lisboa fizesse parte do grupo. Acreditava eu que, neste momento em que o País atravessa um momento difícil, o senhor cardeal-patriarca de Lisboa, como pastor de um grande rebanho, tivesse palavras de alento, esperança e confiança para as suas ovelhas, e não as mandasse baixar as orelhas e fixar a boca no capim seco e desnutrido que lhes querem dar a comer, ou que, pelo menos, se deixasse estar no silêncio…

O senhor cardeal-patriarca de Lisboa, de tão rico sermonário, sabe, por certo, que foi sempre através da contestação incontida, mas justa e justificada, que, através dos tempos, se obtiveram os avanços e as melhorias sociais, no já longo caminhar do homem pelo trilho da Humanidade.

Não duvido que o senhor cardeal-patriarca de Lisboa saiba que se Afonso Henriques não tivesse contestado, de forma incontida, sua mãe, Portugal hoje não existiria. O mesmo sucedeu com Camões. Não fora a sua contestação incontida, ao mar revolto, e não teríamos Os Lusíadas.

Sabe, por certo, o senhor cardeal-patriarca de Lisboa, que se as mulheres não tivessem saído para a rua, contestando, de forma incontida, a sociedade que as oprimia e as tratava como seres inferiores, destinadas a não passarem de parideiras e donas de casa, não teriam conquistado, por exemplo, o direito ao voto.

Muita da contestação é errada? Não tenho qualquer dúvida. Mas certezas tenho, porque elas me chegam do que a Historia nos diz, que é sobre a prática análise do erro que se constrói algo de novo e melhor.

Julgo que o senhor cardeal-patriarca de Lisboa deveria meditar sobre o seu sermonário, tendo em conta que o dinheiro é para servir e não para ser servido.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Gosto do meu povo

“Então!?

Então, estou à rasca, que me doem os joelhos!”.

Foi assim, tal e qual, que aquele senhora, já entradota na idade e a atirar para o obeso, respondeu, sentada num banco, à pergunta que o repórter entendeu fazer-lhe: “E então?”

A reportagem televisiva era a da noite de Santo António, o santo que mais vende sardinhas, cerveja, vinho tinto, sangria e pão, põe o povo de Lisboa a bailar, e ainda dá um jeito noutras andanças que não são para aqui chamadas, mas de quem por elas passa é habitual ouvir-se: “Meu rico Santo António!” Pois…Adiante!

Bailarico! Claro!

Para a câmara olha outra filha de Lisboa, “alfacinha de gema”, como fez questão de frisar. Já para lá da meia idade, sorridente, alegremente respondeu: “Claro que estou a bailar, gosto de abanar o capacete!”.

Um sortudo conseguiu lugar à mesa de um dos arraiais. Mão sobre o gargalo duma garrafa de tinto falou convicto:”Vinho tinto, pois! Com a sardinha é tinto, cerveja não!”

E como vai para casa?

“Vou de metro, tenho o metro à porta de casa, vivo em Loures”.

Em Loures não há metro! Que importa, se o tinto o pôs à porta dele?

Aqui, apetece-me citar o escritor uruguaio Eduardo Galeano, que no seu “O Livro dos Abraços” escreveu: “Bem aventurados os bêbados, porque verão Deus duas vezes”.

Estou à rasca, gosto de abanar o capacete, o tinto é o melhor para a sardinha.

Gosto, gosto do meu povo.

Gostaria que os políticos da minha horta deixassem de ser hortaliças e fossem como o povo que gosta bué de Santo António.

123º Aniversário de Fernando Pessoa

PRECE
Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
(Fernando Pessoa, in Mensagem)


domingo, 12 de junho de 2011

O ataque ao pote

“Este é o momento…de se correr atrás de lugares…”

O que acabaram de ler foi dito por Sílvia Ramos, presidente da distrital de Beja do CDS-PP, o partido de Paulo Portas, que vai para o governo de braço dado com o PSD de Passos Coelho (o homem do pote), numa entrevista à Rádio Pax, a emissora local.

sábado, 11 de junho de 2011

Cerejas

No Fundão o PR andou às cerejas. Disse que elas (as cerejas!) fazem bem a tudo, “até aos calos”. Antes, na campanha eleitoral, o novo PM trepou, em mangas de camisa, por uma escada acima, agarrada ao tronco de uma cerejeira, para ir papar cerejas. Está visto que ambos gostam de cerejar.

Nunca antes vira o PR com ar tão feliz, como aquele que as cerejas do Fundão lhe desenharam no rosto. Até piadas disse: na sua juventude gastava o dinheiro do almoço em cerejas, “e depois ficava sem almoço”, mas também se livrava dos calos. Livrar por livrar, também se livrou de Sócrates, e aí estará a raiz do seu ar feliz.

Menos feliz estará a maioria esmagadora dos jornalistas, comentadores e politólogos. É que, com a saída de Sócrates, esta gente perdeu o seu ódio de estimação. Pacheco Pereira, Pulido Valente, Manuel Maria Carrilho e Rebelo de Sousa já andam às voltas, como às voltas andam, igualmente, indivíduos que, recentemente, se transformaram em comentadores do DN (o seu director incluído). O que acontecerá às primeiras páginas do SOL?

Tenho, em especial, pena dos jornalistas da SIC. Perderam o ar combativo, aguerrido, sempre de espada afiada. Agora é vê-los nos telejornais da estação de Pinto Balsemão: Quais cordeiros cirandando em torno de Passos Coelho e Paulo Portas, pedindo desculpa por insistirem nas perguntas, todos com ar de gente bem-educada, respondendo com silêncios aos silêncios dos dois políticos, pondo-se sempre a jeito, de microfones estendidos.

Apesar disso Passos Coelho preferiu confiar em gente lá de fora (ingrato!) e contratou a brasileira Alessandra Augusta, especialista em marketing, para pensar e promover a sua campanha eleitoral. Em declarações ao Expresso Alessandra disse que “Passos foi o primeiro político a ganhar eleições dizendo o que pensa”. Extraordinário!

A euro-deputada socialista Ana Gomes falou de submarinos e cabeleiras postiças para dizer que Paulo Portas não devia estar no próximo Governo. Portas já contratou Garcia Pereira (causídico e eterno candidato do MRPP às presidenciais e legislativas) para investigar se há motivo para processar a euro-deputada. Ana Gomes precipitou-se. Aquele tipo de ataques era eficaz contra Sócrates, que foi assim a dar para o homossexual, engenheiro feito ao Domingo, e embrulhado em corrupções no Freeport e no Face Oculta. Quanto a Portas, toda a gente o tem visto, pelas televisões, a beijar calorosamente as peixeiras (com todo o respeito que as peixeiras me merecem) e a apertar, solidamente, as mãos aos agricultores. Ana Gomes não viu que está ali um estadista de beijo pronto e mão cheia!?

Ouvi o discurso do PR no 10 de Junho. Fiquei com uma dúvida que me angustia: Será que era a mesma pessoa que foi ministro das Finanças e do Plano, entre 1980 e 1981, e PM de 1985 a 1995 (10 anos!), e já com um mandato presidencial!?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

As Armas de Portugal

A propósito do Dia de Portugal escrevo hoje com palavras da Acácia Rubra, roubando-lhe o seu post, incluindo o título, que aqui reproduzo:

“Vivi a criancice e parte da juventude em África.

E há coisas pequenas-grandes, que não consigo esquecer. Estou a voltar

irremediavelmente ao arcaz das minhas vivências.

Todos os dias, com a pontualidade britânica própria dos actos que se assumem, se

elevava ou se descia no e do poste a Bandeira Nacional. A parada formada, a

bandeira rigorosamente dobrada, o som do cornetim...

Quem passava atrás da vida a pé, parava e tirava o chapéu, se o trazia. Os que de

carro seguiam, desligavam o motor, saíam e todos, adultos e crianças, com respeito

sentido, se perfilavam enquanto durava a cerimónia.

Tudo isto porque há dias, numa conversa daquelas que, depois do jantar, é propícia

e porque ia haver um jogo com a Selecção Nacional, comentei que o nosso Hino era

empolgante. Contrapuseram que a letra era passadista, que o apelo às armas estava

descontextualizado, que a música sim...

Argumentei que a visão histórica que o Hino nos dá é o ponto de passagem para a

outra margem. Que AS ARMAS terão de ser as da

EDUCAÇÃO, EMPREGO, CULTURA, SAÚDE e LIBERDADE.

Essas possibilitarão "contra os canhões marchar, marchar".”


A todos um bom fim-de-semana prolongado.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eleições - Dias difíceis pela frente

Após ter assumido, por inteiro, a derrota eleitoral do Partido Socialista, José Sócrates anunciou a demissão do cargo de Secretário-Geral do seu partido. Fê-lo num discurso digno, não ao alcance da maior parte dos líderes políticos actuais. Recordo-me do triste discurso de vitória de Cavaco Silva nas últimas presidenciais.

Com a preciosa ajuda do BE e do PCP, que fizeram de Sócrates e do PS os alvos a abater, a direita conquistou o poder. Passos Coelho vai para São Bento e para que não restem dúvidas quanto ao que pretende fazer leva com ele Paulo Portas.

Viu-se no que deu a “clarividente” estratégia do BE, desde a apresentação da célebre moção de censura – os eleitores viraram-lhe as costas, reduzindo a sua presença parlamentar de 16 para 8 deputados, relegando-o para o último lugar das representações políticas na Assembleia da República. Não foi para mim surpresa. Surpresa tem sido, até agora, a expressão eleitoral do BE. É que, francamente, nunca entendi o voto dos Portugueses, não num partido, mas, de facto, num bloco de, entre outros, trotskistas, marxistas-leninistas e dissidentes do PCP! Talvez tenha sido um voto não de ideologia mas de simpatia em figuras como a da socióloga Ana Drago. Talvez…

Ideológico e seguro foi o voto na CDU. Aumentou ligeiramente o seu eleitorado (chegou-se aos 8%) e reconquistou o deputado por Faro, perdido há 20 anos. Passou a ter mais um assento parlamentar (16), o dobro dos do BE. A família comunista tem sabido, com êxito, passar de geração em geração, os ideais do partido de Álvaro Cunhal, e agora de Jerónimo de Sousa, dando-se ao luxo de levar à boleia o PEV. A sua quota eleitoral é sólida e inamovível. É um forte e indispensável partido de protesto na nossa Democracia. Pena é que o PCP não perceba que sem um PS forte a direita estará sempre no poder.

Agora, dada a maioria parlamentar absoluta ao PSD e CDS, os Portugueses têm pela frente dias difíceis, de grande dureza. Penso que não se terão apercebido, claramente, do que os espera.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Eleições - O meu voto

Daqui a umas horas entramos em dia de reflexão.

Deixou-nos Fernando Pessoa:

“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço de terra

Que é Portugal a entristecer,

Brilho em luz e sem arder,

Como o que fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!”

Aos meus amigos e leitores digo, também: É a Hora.

Não vos escondo: O meu voto vai para o PS.

E agora que o Carmo e a Trindade me caiam em cima. Se assim for, pedirei, de novo, palavras emprestadas a Fernando Pessoa:

“Só quem da vida bebeu todo o vinho,

Dum trago ou não, mas sendo até ao fundo,

Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;

Conhece o tédio extremo da desgraça,

Que olha estupidamente o nauseabundo

Cristal inútil da vazia taça.”

Deixo a todos, sendo ou não, como eu, gente de Esquerda, um grande abraço e o desejo de que depois das eleições a vida dos Portugueses não fique pior.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Eleições

Pelas reportagens televisivas e pela leitura dos jornais on line, tenho seguido a campanha eleitoral dos partidos políticos.

Como jornalista que sou, embora já não no activo porque a idade fez de mim (contra vontade) um pensionista, sinto um arrepio percorrer-me a espinha com a despudorada manipulação a que assisto.

Para os jornalistas da SIC, da TVI, do DN, do Público, do Expresso, do Sol e, ultimamente, também do i, a campanha mais não é do que uma luta de Passos Coelho (PSD) e Paulo Portas (CDS) contra um espertalhão e tenebroso ser que se chama José Sócrates (PS). Para eles o PSD já ganhou as eleições e vai formar governo com o CDS. Os outros, BE e CDU não contam, não existem, por pertencerem à “segunda divisão política”, como recentemente disse o actual director-adjunto de Informação da RTP, Victor Gonçalves, recentemente importado dos Estados Unidos onde era correspondente da estação pública.

Hoje mesmo Miguel Sousa Tavares, até agora comentador residente da SIC, vestiu-se de repórter e foi para a rua acompanhar a campanha do PSD. Na reportagem incluiu uma entrevista a Passos Coelho (que considerou “surpreendentemente calmo”) - a mais dócil, amigável e submissa que vi fazer-se a um político.

Há dois dias o jornal i levou à sua capa, delas fazendo manchete, palavras de Júlio Castro Caldas garantindo que José Sócrates devia ter sido constituído arguido no caso Freeport! Para os que não se recordam, Castro Caldas é jurista e foi ministro da Defesa no governo do socialista António Guterres. Nunca foi convidado para qualquer cargo ministerial nos dois governos de José Sócrates. Ficou à espera, até agora, a três dias das eleições, para divulgar a sua opinião de que o i fez manchete!

Os meus leitores e amigos sabem que sou um homem de Esquerda. É como tal que emito as minhas opiniões, susceptíveis, naturalmente, de serem contraditadas por quem não pense como eu. Tenho para mim, tal como José Saramago, que “as verdades únicas não existem. As verdades são múltiplas. Só a mentira é global”. Dito isto.

Pelo que tenho ouvido, visto e lido, concluo que os Portugueses parecem não saber e não quererem perguntar para onde os cânticos da direita os querem levar.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

De Regresso

Não vivemos o que sonhamos, mas o que a vida de nós faz. E a vida corre por linhas sinuosas, que gratuitas não são. Por cada palmo andado há sempre um espaço que se atravessa a querer barrar ou, pelo menos, a dificultar o percurso. Então, nesses instantes, a máquina que move a bolha em que habitamos entra em sobressalto, desassossega-se. As palavras remetem-se ao silêncio, os gestos à quietude, o pensamento recolhe-se. A vida parece ganhar um hálito diferente.

É, afinal, a condição dolorosa cobrada pela existência de sermos.

Passei por um desses momentos. Daí a ausência.

Tenho um coração que sangra, pulsa alto e pensa. E porque assim é, voltei a sonhar a vida, em vez de apenas a viver. Agarro, de novo, as minhas horas, com fome de extensão do tempo. Reencontro nas palavras as ressonâncias perdidas. Volto a puxar o sol e a ouvir a chuva cair gota a gota.

Regresso com um abraço a todos, agradecendo, sensibilizado, os comentários deixados.