segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A seca e a fé


Há seca em Portugal.
Os meteorologistas não hesitam. Reportagens televisivas mostram-na. Nalgumas regiões do país corre-se o risco de escassez de água, ou mesmo falta, para consumo humano. Os pastos estão secos e os bebedouros para o gado vão desaparecendo. Os agricultores e pastores apreensivos.
Declarar estado de seca? Pedir ajuda aos fundos específicos da União Europeia? Sim, ou não?
Assunção Cristas, a ministra do MAMAO (Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento), foi à Comissão Parlamentar de Agricultura dizer aos deputados que que não pode pedir ajuda apenas com base em percepções de que há seca.” E acrescentou:

“Devo dizer que sou uma pessoa de fé, esperarei sempre que chova e esperarei sempre que a chuva nos minimize alguns destes danos. Como é evidente, quanto mais depressa vier, mais minimiza, quanto mais tarde, menos minimiza. Se não vier de todo, não perderei a minha fé, mas teremos obviamente de actuar em conformidade».

Raciocínio profundo e complexo, este!
Percepções diz a ministra do MAMAO. Onde é que os nossos meteorologistas tiraram os cursos!?
Depois da história das gravatas, a ministra do MAMAO vai, por certo, actuar, impondo novas regras no seu ministério, como a da dança da chuva. Começará pelo canto. Os seus funcionários aprenderão a imitar o vento, os trovões, a tempestade e o barulho da chuva. Há quem diga (não consegui confirmar) que a ministra Cristas trouxe um par de chocalhos duma das visitas que fez ao interior, mais um de chavelhos, para com eles, agitando-os, chamar os espíritos da chuva que, pelos vistos, resolveram emigrar.
Se os funcionários se aplicarem e a fé da ministra não resolver ir de abalada não tarda será o dilúvio! Isto porque também se diz por aí que com a ajuda do ministro da vespa, passar-se-á a rezar pela chuva.
Que gente é esta que nos governa?
Que seca!
 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Do Viajante

A Força e o Sonho
A noite espreita pelas portas abertas da janela. 
Olhando-se-lhe vê-se ser ela lenta, já velha, trazendo pela mão ventos que agitam o pensamento. Ventos de força. De que força?
Não sabe se está desperto. Como certeza tem apenas o não ter conseguido deixar-se no sono.
O para lá da janela diz-lhe que o luar quer, também, mostrar-se. A força, contudo, não o permite. Força? Que força?
Rompe. Lança as mãos pela janela. Segura a Lua, agarra-a e trá-la. Mas, ó desencanto! A Lua está vestida de paz podre, e é apagada a sua luz, envolvida por uma quietude triste. As estrelas dela se desligaram.
A força…Que força?
Que força é esta que o quer vergar? Onde está o seu rosto para que a possa ver?
Abre então os olhos. Deles se liberta o sonho cativo.
A força e o sonho bater-se-ão.
Ao que a força ao sonho fala, responde este:
- Não, sonhar não é desprezar-me.
 [“Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar, deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender.”Bernardo Soares, Livro do Desassossego]
E porque o sonho e a força se bateram, o sonho diz para a força:
- És cobarde.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Do Viajante


A Sombra
Para onde me levas, caminho?
O silêncio diz-lhe nada.
Esguio e sujo, o desvio da picada condu-lo por entre piteiras.
Agora está ali agachado no escuro daquela sombra. Sombra que ele não sabe porque o é, já que o Sol hoje deixou-se mangonhar, não apareceu.
É estranho, murmura, esta sombra tem voz! Voz a querer saber:
- Porque estás assim tão silencioso, com ar tão penoso?
Ele responde:
- Porque no meu país só se brinca tristemente.
De repente tudo se fundiu na sombra.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Desafio


Em comentário ao meu post anterior, a Teresa do ematejoca azul escreveu:

“O título do meu post de hoje, é uma espécie de resposta a este seu profundo texto, meu caro amigo.
Qual dos dois domingos é o mais profano, o religioso ou o carnavalesco?
Aceito respostas!”

Gosto de quem agita as águas. A Teresa é uma agitadora, e a sua pergunta um desafio provocador. Eu, cá por mim, vou andar às voltas em busca de uma resposta. Antes, porém, revisito Eça de Queiroz:

Oh deusa, tu és impecável: e quando eu escorregue num tapete estendido, ou me estale uma correia da sandália, não te posso gritar, como os homens mortais gritam às esposas mortais: - Foi culpa tua, mulher! “ 

E vocês, amigas e amigos, respondem à Teresa?

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Amanhã é Domingo

E então!?

Porque Domingo será, haverá quem irá molhar os dedos em pias de água benta. E antes de uma ave-maria cantarolar ou de um padre-nosso balbuciar, haverá quem fique com o peito a arfar ao ver passar quem passará. Olhos tímidos, mas sedentos e não desatentos, pousarão em vestidos, outros em fatos. Cruzar-se-ão, alguns, trocando correspondência de desejos por encontrar, para além de disfunções da razão. Outros perder-se-ão como a Lua entre as nuvens. Ouvidos escutarão um recém ordenado com anéis e barretes cardinalícios dizer que “ a mulher deve ficar em casa”, logo acrescentando “o trabalho da mulher a tempo completo não é útil ao país”. Terminada a incumbência, para uns necessária, para outros urgente, e ainda para outros nem carne nem peixe, muito menos um estrangeirado hambúrguer ou uma nata do Álvaro, o povo sairá. Nas escadas à porta da casa estará, como sempre, uma mão estendida sem anéis e de cabeça não almofadada por barretes.
À esquina estará montada uma banca. Sentado estará Moisés, terminada que estará a sua licenciatura em angariação de fundos. Alguém lhe perguntará:
- Que fazes aqui, Moisés!?
Ele responderá:
- Estou em trabalhos de expiação.
E então!?
Amanhã é Domingo
Depois irão começar os dias que se arrastarão por seis virares de páginas. E quando o sétimo chegar não haverá descanso. Ficará perdido, provavelmente, no Livro das Horas.
E então!?
Amanhã é Domingo.
 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Por detrás da ironia


A Teresa, do ematejoca azul, ofereceu-me o selo que ali está, a mim e a outros dois blogues. Diz que a palavra alemã liebster significa o "mais querido". A razão da oferta é que nos considera, aos três, “grandes amigos do povo alemão”. Escreve na caixa de comentários do seu blogue que se tratou de uma “maldadezinha” sua mas que, independentemente disso, os nossos blogues lhe “são mesmo muito queridos”.
Confesso não ter encontrado na atribuição do selo qualquer maldade pequena ou grande, ou mesmo assim-assim. A Teresa saberá, por certo, porque utilizou o vocábulo.
Vi-lhe, numa primeira leitura, uma certa e mordente ironia de recorte político, ou ideológico. Mais atento, nem isso, encontrei nas suas palavras apenas um simples dizer, daqueles que nos saem, de quando em vez, vá-se lá saber porquê!
Devo dizer, em verdade, que a oferta e as palavras da Teresa me fizeram sorrir. E como o sorriso é um espanta-coisas-más, e um atavio de que muitas vezes a alma precisa, fez-me bem. Aqui coloco o selo com todo o gosto.
A Teresa não me parece ser pessoa que se distraia. Desta vez, porém, aconteceu. É que este selo é apenas para ser atribuído a blogues com menos de duzentos seguidores.
Obrigado, Teresa, amiga de longe

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ngala Namorados!

"O amor dá forma ao sonho mais belo que é a vida.
Sem ele tudo não passaria de um mar morto."
(digo eu)

Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse ela tinha
Um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de Novembro brincando
De artista nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia – era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
Tão rijo e tão doce – como o maboque...
Seus seios, laranjas – laranjas do Loje
Seus dentes... – marfim...
Mandei-lhe essa carta
E ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
Pedindo, rogando de joelhos no chão
Pela Senhora do Cabo, pela Santa Efigénia,
Me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei à Vó Chica, quimbanda de fama
A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
Ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
Paguei-lhe doces na calçada da Missão,
Ficamos num banco do largo da Estátua,
Afaguei-lhe as mãos...
Falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
Como um monangamba.
Procuraram por mim
"-Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
Levaram-me ao baile do Sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando o meu caso
às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba – dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos – sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo – e ela disse que sim
E ela disse que sim
E ela disse que sim.
(Viriato da Cruz - poeta angolano, Porto Amboim 1928, Pequim 1973)
(Neste como noutro qualquer dia é sempre tempo para namoro. Viriato da Cruz escreveu o que de mais belo os meus olhos algumas vez leram. Pelo terceiro ano consecutivo trago este poema à minha cubata.) 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Foi nos astros pedir

Com a música voltou, ngalado de mais.

Olhou ela de frente e lhe disse: Dança comigo.
Ela lhe mirou. Ficou demorada nos olhos que lhe encontrou, e lhe falou: Só se foras tenente.
Cacimbo lhe deu, ele pensou. Tenente é gente para andar na dança!? Não é só de fazer a guerra!? E então o gesto que ela fez com as mãos, a dizer assim vai-te embora, me dando de enxotar. Gesto feio. Aquilo é mesmo modo de pretexto.
Saracoteando ela foi, deixando o trejeito na cara dele. Foi naquele caminho por onde vinha chegando o som das puitas, dos tambores e dos apitos.
Aquilo não é música dos astros, não, falou ele para ele. É barulho de Carnaval kujikulando grande.
Pode ser com a ngala o tenente chega também. Lhe conheço, se chama João com Deus no atrás do nome. Cada vez ele vai vir, de óculos escuros, lhe atirando os braços. Se ela for na pista com ele, com o seu vestido de chita, eu me juro, na dança vou-me meter.
No Carnaval o Deus dá tolerância na gente. Não quer mais nos ver kudikular.
( Perdoem este devaneio pelo meu linguajar kalu.Uma boa semana para todos)
  

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Por obras nos faremos



...Passa, ave, passa e ensina-me a passar...
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Do Viajante (Suave sensação)

O seu eu que pensa é o mesmo a que tem batido a interrupção dos sonhos. Com ele tem andado pelas anharas sem fim, cruzando cacimbas, em segredo, na busca. Aqui e ali um ou outro rio tem visto, correndo de Sul para Norte, na procura do reencontro com a Nascente.
Num de repente deu com o Destino. Ser sem alma nem espírito como um andante, autómato, portátil, a que falta coração. Apenas um numerador onde o passado está morto. Ente sem mistério, despido de futuro.
Perdeu-se em si. Repousou. Saiu do apeadeiro.
Continuou.
Foram menos as praias do mar a que chegou, tomadas pela quietude das ondas mortas. Ter-se-ão dissipado algumas.
Indiferentes, o Sol e a Lua continuam vivendo, cada um, em casa própria.
As estrelas ainda brilham. Para além delas outros astros também. Só a luz permanece inquieta, assustada, recolhida à sombra do pensamento.
Dentro de si muitos são os seres que tem encontrado. O pensamento tomou o freio nos dentes. Feito ginete cavalga, louco, sem cavaleiro, mas de adaga no dorso.
À dor que o corpo grita, juntou-se a dor do pensar.
De novo o repouso o chamou. Foi. Deixou-se por lá ficar.
Sem saber porquê despertou. De olhos cansados como saídos da leitura de um livro, cuja última página iria fechar.  Foi à janela. Viu que o Sol hoje voltou a abrir campos.
Não encerrou o livro. Deixou a última página aberta. Há-de continuar a leitura.