sexta-feira, 30 de abril de 2010

A Saudade não cabe cá dentro!





As Barrocas do Bungo
E
O Mar da Boavista

Justificar completamente

Éramos seis catraios desenfreados e reguilas, alunos do sábio e paciente professor Cardoso na Escola 8 em Luanda, onde frequentávamos o último ano da primária. Quatro negros, dois brancos.
Não éramos estudantes muito aplicados, mas também com aquele mestre bastava ouvi-lo atentamente e seguir o que ele escrevia e desenhava no quadro negro (o que fazíamos) que o saber ficava-nos para sempre. Diziam os mais velhos que éramos “os putos que sabiam”. Não seria tanto assim, mas a verdade é que passáramos sempre de classe com excelente aproveitamento e abraços do Prof.! Que agradável era sentir aquele peito de homem bom encostado ao nosso! Também havia tabefes, reguadas (algumas) e castigos, claro, mas aquilo era como o bater de mãe: não doía.
A escola não era o nosso limite. Éramos aventureiros, putos atiradiços, de sangue na guelra, sem medo. Queríamos descobrir o centro do mundo! Existiria ele? E a aventura não estava só na sala de aula (apenas havia uma), onde, pensávamos, já tudo tínhamos descoberto (para nós escrita e contas eram um tu cá tu lá, até sabíamos onde pôr a cedilha e o h do verbo haver, para já não falar da tabuada que dizíamos enquanto o diabo esfregava um olho), mas fora dela.
Viesse uma borla, ou decidíssemos uma gazeta (sim, também o fazíamos! Devemos ter sido nós a inventar a greve…) e pronto! Lá íamos os seis atravessar a rua a correr, guinar para cima em direcção ao Miramar e, aqui chegados, flectir para as Barrocas do Bungo, à procura dos sulcos de terra vermelha (as nossas picadas), que desciam para o Mar da Boavista, lá muito em baixo. Só nos metíamos nestas andanças quando a luz que vinha do céu chegava despida de nuvens, deixando ver aquele azul sem igual. Chuva nas Barrocas era um Deus me livre, nem nós, corajosos e intrépidos, nos atrevíamos!
Lá íamos, descendo o monte, numa correria trôpega e ziguezagueante, saquetas da escola penduradas ao pescoço e sandálias nas mãos. Chegávamos lá abaixo cansados, mas ainda com forças para o encontro com o mar. Entrávamos pisando a borda baixinha do Atlântico, que, embora por vezes envergonhado, parecia estar à nossa espera. Envergonhado, sim, porque havia dias em que nos acolhia com as águas barrentas tingidas pela lama vermelha arrastada das Barrocas por chuva violenta da véspera. E disso, estou certo, ele não gostava. Preferia banhar-nos com águas cristalinas. O Oceano gostava dos putos da Escola 8!
Foi ali, esbracejando por espumas brancas e lamas, que me lancei na aventura do mergulho no mar. Conheci-lhe a carícia. Aprendi a não lhe contrariar a força e a vê-lo por dentro. Tomei-lhe para sempre o gosto salgado como os das primeiras lágrimas que chorei. Demos e damo-nos bem.
Foi ali, à beira do Mar da Boavista que conheci os pescadores, gente boa como pouca tenho encontrado, que dormiam com os dongos à porta das cubatas.
Para além do prazer do convívio, conversávamos, sem pressas, sentados na areia, em círculo, como, mais tarde, numa qualquer libata da Ilha da Kyanda, à luz das estrelas. Ensinaram-me eles a arte de ximbicar as canoas: movê-las, não com remos, mas com bordões que fincávamos no fundo do mar, impulsionando-as, o que exigia habilidade e perícia. Muitas vezes me aconteceu não subir o bordão a tempo, continuando a canoa a deslizar. Ficava, então, agarrado ao pau, pendurado, aos pinotes no ar, como um kamundongo preso pela cauda. Depois, está bom de ver, era a queda na água, o esbracejar e o vir à superfície com alguns pirolitos pelo meio e ranhoca a correr-me pelo nariz. Os pescadores riam e diziam: “munanga não lhe dás no jeito”. Mas, como mestres aplicados, insistiam. E eu aprendi! Em troca ensinei-lhes as letras que habitam as palavras e a forma de as ler. Construímos Amizade Grande.
A chegada a casa, sempre tardia, que o caminho demorava, era outra aventura: ralha, tareia da mãe e banho forçado com sabão Life Boy, pois então, que de nada me valiam as aldrabices esfarrapadas!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

3 de Maio – Book – Blogagem colectiva



Viram o vídeo? Encontrei-o no blog da Austeriana «Bicho-carpinteiro». Qualquer coisa de extraordinário, esta “descoberta” científica, não é? Comentando naquele blog, a C. do «Marcas d’Água» lançou a ideia de divulgação simultânea do vídeo pela Blogosfera, sugerindo o dia 3 de Maio.
Diz a C. ter escolhido esta data por ser o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, implementado pela UNESCO, adiantando que, “através do seu programa “Memória do Mundo”, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura tem promovido a identificação e preservação de documentos e arquivos de grande valor histórico, assegurando a sua ampla disseminação. Entre eles contam-se, por exemplo, o original da 9ª sinfonia de Beethoven, a Bíblia de Guthenberg ou a Carta de Pêro Vaz de Caminha (o primeiro bem português inscrito no programa). “
Que melhor data que esta? O Conversas Daqui e Dali aceitou o desafio. No dia 3 de Maio cá recolocarei o vídeo, participando na blogagem colectiva. Lanço o repto aos meus amigos e leitores. Vamos todos publicar? Passem palavra.
Um abraço.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um prémio e um selo


Este prémio foi-me concedido pela Maria João do blog Pequenos Detalhes. Fiquei sem palavras! O meu, blog de ouro!? Vindo de quem veio, este prémio encheu-me de vaidade e orgulho. Os Detalhes da Maria João nada têm de pequenos. Ela escreve, como poucos, sobre a vida, com uma força, sensibilidade e humanismo, a que é impossível ficar indiferente. Vão visitá-la e digam-me se tenho ou não razão. A atribuição “obriga-me” a responder a três perguntas.

Por que acha que mereceu este selo?
- Acho que não o mereço.

Na sua opinião, qual o post do seu blogue que acha mais merecedor de um prémio?
- Não gosto de tudo o que escrevo. Mas aqui, na minha cubata, agradam-me as histórias que o Mwata cá vem contar, quando está para aí virado, como esta.

Do blogue que me indicou, o que mais me agrada? Ele merecia o blog de ouro?
- A grandeza e sensibilidade com que a sua autora escreve sobre a vida e os poemas com que, de quando em vez, nos brinda. Claro que merece o blog de ouro!Obrigado, Maria João

O selo que ali está é uma oferta da Fernanda dos blogs Na Casa do Rau e Sempre Jovens. Chegou-me via Sempre Jovens, para assinar o primeiro aniversário do meu blog. Obrigado Fernanda pela gentileza. Aproveito para comunicar que me tem sido impossível entrar Na Casa do Rau. Demora a abrir, bloqueia e, o que é mais estranho, quando consigo aceder à caixa de comentários, desliga-me a Net! Vou continuando a tentar.

A Cidade da Minha Vida (II)

Um dos comentários deixados no post anterior, A Cidade da Minha Vida, está assinado por Maria Margarida, do blog quotidiano. Diz assim:

“Calcorreámos os mesmos caminhos e conhecemos os mesmos musseques, as mesmas ruas e avenidas. Cheirámos o caju e o maboque e do Bengo a mesma água bebemos. Todavia, se Luanda é a cidade da sua vida, da minha apenas foi enquanto a tive sob os meus pés. Deixei-a e ela deixou-me partir. É um homem de sorte porque ainda tem "a cidade da sua vida". Eu, ao contrário, não tenho nenhuma. As suas palavras têm cheiro de Luanda e gostei muito de as ler.”

Posteriormente, escreveu um outro comentário:

“Se pudesse, deixar-lhe-ia aqui, o cheiro dos tamarindos e das maçãs da Índia (estas da Rua da Índia, no Cruzeiro). Como não posso, deixo-lhe uma foto da cidade da sua vida e mais algumas letras ...”

A foto de um pôr-do-sol sobre a Marginal de Luanda e parte da sua baía, está lá em cima. As “letras”, um poema que me tocou fundo, os meus leitores perceberão porquê, reproduzo-o de seguida, por ela autorizado. Obrigado!

Exílio – Saudade de mim

São as de outrora
as casas, as ruas e os becos;
iguais aos de antes,
as angústias, os prantos e os medos;
são os mesmos e sempre tantos
os ritmos e os cantos,
os encantos,
os acalantos;
ainda lá habitam os vermelhos
do sangue e da terra,
os dos últimos raios de sol
entornados sobre o mar
da baía e das praias do farol
de areias velhas e brancas
de onde partem os dongos
em noites de aragens brandas
e de luares antigos
a esculpirem sombras dançantes
das esguias casuarinas ...
São hoje, como eram antes,
os sabores de gajaja e tamarindo,
as cores vivas do céu, do capim
e das acácias florindo ...
És como sempre foste, Luanda.
Tu ficaste, eu parti.
Saudade tenho de mim,
de como fui enquanto te percorri.
(Maria Margarida, 2 de Setembro de 2003)

Os cajus e os maboques a que a Maria Margarida se referiu

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Cidade da Minha Vida

Resposta ao desafio do Carlos Barbosa de Oliveira (Crónicas do Rochedo).
Nos meus andares pelo mundo estive em muitas cidades de África, Europa e Estados Unidos. Umas fiquei a conhecer, razoavelmente. Outras, apenas por elas passei. Algumas encantaram-me, a elas voltando. Como não gostar de Florença, Paris, Londres, Abidjan, Lusaka, Benguela, Praga, Budapeste, Berlim, Nova Iorque e São Petersburgo, para não falar de outras?

Mas, a Cidade da Minha Vida é Luanda, que em tempos se chamou São Paulo da Assunção de Luanda. Não vou falar da história da capital de Angola, mas dizer, apenas, porque a elejo. Foi ali que me fizeram nascer num Agosto de cacimbo, era ela ainda menina, estendendo-se do Atlântico para o planalto, abrindo com os seus dedos finos ruas e avenidas, plantando um bairro aqui, outro além, rasgando espaços para que neles se pudesse crescer. Eu cresci, ela fez-se mulher.

Quando se me chegaram os primeiros choros foi dela que uma mão amiga se soltou, me afagou a face, me ameigou os olhos e me susteve as lágrimas. Nos momentos de desalento ofereceu-me um ombro para repousar, falou-me de coisas simples, ensinou-me os nomes da vida. Já espigadote pôs-me a chapinhar em poças de água de caminhos molhados. Permitiu que me deitasse no capim encharcado pela chuva e, de boca aberta, deixasse que a água caída do céu me tangesse a garganta. Foi ela que me ensinou a beber das lagoas e rios, depois de neles ter mergulhado, fazendo das mãos concha. Amestrou-me na prova do funge, do pirão, da muamba, do mezonguê e do jindungo, dando-me a beber o marufo.

Pacientemente, ensinou-me a construir a minha primeira bola de meia, enchida de trapos e sumaúma, e com ela jogar, mais outros munangas, na lama dos musseques. Munangas com cor de pele diferente da minha, mas meninos como eu, companheiros fieis dos meus desmandos e, mais tarde, de estudos. Éramos um só quando queríamos fugir ao ralhete das mães. Também íamos aos passarinhos! Era ainda puto quando me deu a provar o Mar, ficando eu com a surpresa de que aquelas águas eram salgadas como as minhas lágrimas! Levou-me, pela mão, aos quintais das rebitas de Sábado à noite. Ajeitou-me para o primeiro olhar comprometido, para o primeiro beijo consentido, que me inebriaram e me estrearam nos namoricos. Mostrou-me as casuarinas, sob as quais, tendo a Lua a olhar, e por companhia o doce deslizar das ondas sobre a areia fina da praia, conheci outro corpo que não o meu, arfando de desejo na praia mágica da Ilha da Kyanda.

Foi ela que me desafiou para a aventura da entrada nas matas cerradas e para o percorrer das anharas sem fim, numa das quais, um dia, avistei um leão e lhe ouvi o rugido forte de rei da selva, deixando-me a tremer dos pés à cabeça, e o sangue a circular-me pelas veias de freio nos dentes! Levou-me às acácias rubras de Benguela, a belas quedas de água, às Pedras Negras de Pungo Andongo, a ver as pegadas da Rainha Ginga e à gigantesca floresta do Maiombe, em Cabinda, terra de pepitas de ouro, de chimpanzés, saguis e gorilas (estes já não). Guiou-me ao território dos mumuilas e às Terras do Fim do Mundo onde conheci os bosquímanos. Também me levou a uma guerra de que regressei sem ter morto alguém do outro lado. Dela não fugi, porque não sei fugir, mas vim revoltado com o que vi e senti, maldizendo quem a declarara.

Deu-me o Mwata Milagre, o velho negro de carapinha branca empregado em casa de meus pais, de que já falei no meu blog, e os melhores professores de Português, Matemática, História, Filosofia e Inglês, que alguém pode ter, e que me ensinaram, também, a ser solidário e verdadeiro, a respeitar os outros e a acreditar que num mal pode, igualmente, estar um Bem. Aprendi, estou-lhes grato por me terem ajudado a ser o que sou.

Um dia, era quase homem, apresentou-me o amor com que passei a viver, em companhia para toda a vida. Hoje somos quinze na nossa tribo. Mais seremos amanhã, que outras flores nascerão, certamente.

Por tudo o que disse, e pelo muito que ficou por dizer, Luanda é a Cidade da Minha Vida. Não mais lá voltarei. Quis o destino (esse monstro!) que assim fosse. Mas por grande que seja a distância a separar-nos, maior é a saudade, e bem viva a imagem que dela tenho e o cheiro único da terra vermelha molhada pela chuva. Luanda será sempre a Cidade da Minha Vida.
(Não tendo fotografia que se veja, decidi colocar a imagem que está lá em cima, por ser bem um postal verdadeiro da minha Luanda actual)

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, o meu País derrubou a cerca de grandes muros em que, de há muito, o haviam aprisionado. Rasgaram-se as trevas que o cobriam. O dia amanheceu com cravos florindo na boca de espingardas. Em festa, o povo saiu às ruas gritando palavras até então amordaçadas e proibidas. Uma revolução com flores reconquistara a Liberdade. Os presos políticos, muitos torturados pelos algozes da ditadura, foram libertados. Do exílio regressaram os que tinham dedicado a vida à luta pela Liberdade. Assassinados pela ditadura, muitos ficaram pelo caminho. Nascera o sonho de um País novo, do homem novo. Sonho tantas vezes sonhado!
Para que se não esqueça, e os mais novos saibam, era assim o país que nos deixaram:


Exploração de mulheres meninas
Meses depois do 25 de Abril soube que na Companhia das Lezírias, no Ribatejo, se explorava trabalho infantil e adolescente, quase exclusivamente feminino.
Fui ver. Com a cumplicidade de um caseiro entusiasmado com a revolução, consegui contactar um grupo de doze meninas, entre os 12 e os 15 anos, que trabalhavam no campo. Vozes tímidas, caras enrugadas, ombros caídos, envelhecidas. O que vi e ouvi chocou-me e permanece vivo na minha memória, 36 anos passados. Apresentei a reportagem na RTP, televisão para que fui trabalhar depois do Dia da Liberdade. Chamava-se “Em Foco”, o programa então da minha responsabilidade e por mim apresentado.
Aquelas meninas viviam numa camarata, algumas dormindo em colchões sobre chão de cimento, sem qualquer contacto com o mundo exterior para além das searas em que calejavam e feriam as mãos, na labuta do nascer ao pôr-do-sol. A higiene pouco ou nada se lhes chegava por falta de casas de banho. A alimentação, almoço e jantar, era-lhes servida numa panela de onde se retiravam porções para um prato de alumínio dado a cada uma, comendo com as mãos, pois não lhes eram fornecidos talheres. Um pedaço de pão fazia as vezes de colher ou garfo. Pouco responderam às minhas perguntas, refugiando-se na profundidade de olhares angustiados, inquietos e tementes, recolhidas no silêncio do medo.
Eram todas de uma freguesia do concelho de Abrantes, na margem esquerda do Tejo, aonde me desloquei para falar com os familiares. Nada me disseram para além de que as meninas não podendo frequentar a escola, por falta de recursos, e porque o ensino não era, como hoje, aberto a todos, iam trabalhar para o campo. O pouco dinheiro que os patrões mandavam para as famílias, sempre era uma ajuda. Dinheiro enviado às famílias. As meninas nunca o viam nem sequer sabiam o que ganhavam! Quanto ao tempo de trabalho, por lá ficavam até que se fartassem delas, ou adoecessem, e as recambiassem para casa!
Tempos depois o 25 de Abril chegou à lezíria, acabando com a escravatura!

(Pelas portas que Abril escancarou entrou a Liberdade, mas também muita lama, muito lodo purulento, putrefacto, que tudo vai contaminando, visando destruir o sonho. Eu sei. Mas a verdade é que a esperança não morre. Abril voltará a encontrar Abril. Que tenham todos um excelente Dia. Brindemos a esse bem único e reconquistado - a Liberdade!)


sábado, 24 de abril de 2010

Primeiro Aniversário!


Dei vida ao Conversas Daqui e Dali corria a tarde de sexta-feira 24 de Abril de 2009. Faz hoje um ano! Este meu e vosso blog surgiu tímido como Ulisses, em Ogígia, perante Calipso. Foi caminhando, descobrindo a cada passo este bosque de encantos, de afectos e de amizades que é a Blogosfera, qual Olimpo. Fez amigos. Hoje são mais de cento e quarenta os seguidores, os visitantes aproximam-se dos dez mil. Neste dia de aniversário partilho convosco a alegria e o prazer que por tal sinto. Obrigado pela vossa presença, que me incita a prosseguir. Aceitam uma fatia de bolo e uma taça de champanhe? E também um cravo de Abril e algumas palavras não engelhadas?

Não se lembra de ter sido criança, como toda a gente.
Não tem farrapos de vida escritos em diários, ou livros para ler.
As flores olham-na como igual, falam-lhe. Ela responde-lhes, ensinando-lhes os nomes que lhe disseram terem as estrelas, o mar, os rios e tudo o que a rodeia.
Vive com uma esteira a que todas as manhãs se enrola com gemidos de dor guardados, que leva de noites de entrega na troca por mais um dia.
Neste alvorecer pousa-lhe no colo uma flor sem haste. É um cravo vermelho do Universo, que desceu a procurá-la.
- Ergue-te, diz-lhe, não mais te entregues, vai procurar o porvir.
Ousando acreditar, borbulhando-lhe no sangue novas nascentes, ela vai.

Saio a procurar o porvir
De amor e luz não de escura dor
Não de solidão nem compaixão
Mas de um jardim de fios de seda
Saio a procurar existências pensadas
Um agora de cidades não desertas
Com ruas sem palavras pisadas
De gentes abertas
Em que as sombras sejam de luz
Ter nelas o que me seduz
Flores que não murcham
Rios que correm felizes
E às estrelas murmuram
Saudades de distantes Belizes
E perfeições imperfeitas
Sem vozes desfeitas
Vou continuar
Docemente
Por um cabelo teu andar
Teu rosto ameigar
Como quando eras fagueira
Procurar-te o olhar e nele deixar
Não um rio a orar
Mas mar a alagar a fogueira
Que meu coração sente
Me queima e contrista
Por te sentir a querer abalar
Emplumada e de crista
Sem quereres saber
Ir no vento do nada falar
Ó pedante e enleante
Ó cróia a valer
Com quem te dás tu?
Quem te disse, ó vida
O que me queres dizer?

(Desejo-vos um bom fim-de-semana. Que o Domingo, Dia da Liberdade, seja um excelente dia para todos)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

38 DIAS

Após 38 dias de internamento hospitalar, tive hoje alta. Reentro na rotina da vida carregado de esperança. A esperança de ter obtido a cura. Restituido às lides do dia-a-dia, umas ásperas outras suaves como seda, outras ainda de difícil domar, onde a ociosidade não cabe, aqui estou, de novo, em convívio convosco. Afrontei uma infecção. Viro-me, agora, para a recuperação do tempo perdido. Foi-se-me a cor. Há que reavê-la. Nada melhor do que uma estada junto ao mar, o que farei em breve. Depois, uns esvoaçares para outras paragens. Viajar é um bem insubstituível, remédio para muitos males!
Mas hoje é dia de a todos dar um grande abraço, agradecendo, uma vez mais as visitas feitas ao meu quarto no hospital e as palavras amigas deixadas. Recomeçarei a visitar os vossos blogs, neles entrando para os comentários.
Até já.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Quase de volta

Embora as forças não tenham ainda voltado em pleno, recomeçou já a borbulhar em mim a energia que me permite alinhavar umas linhas, dando-vos notícias. As melhoras chegaram, finalmente. Se tudo continuar a correr bem deixarei o hospital no próximo dia 23. Curiosamente, véspera do primeiro aniversário deste meu e vosso blog, nascido a 24 de Abril de 2009.
A promessa aqui fica: no próximo fim-de-semana recomeçarei a minha participação normal na Blogosfera, voltando ao convívio com todos os amigos e leitores do Conversas Daqui e Dali.
Mais uma vez agradeço a todos a preocupação e amizade com que me têm acompanhado.
Um grande abraço.
Carlos Albuquerque

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Continuo por saber!

Depois de muita hesitação (não gosto de falar de mim), decidi escrever este post. Para além do reconhecimento que a todos devo, pelo carinho e amizade que me têm trazido, era forçoso dar-vos uma explicação. As noticias não são, ainda, as desejadas. Apesar do resultado das análises, hoje mesmo feitas, serem melhores que os das anteriores, os médicos (cirurgião e internista) continuam por saber se estou a aproximar-me da cura, ou se será necessária uma nova cirurgia.
Há que aguardar mais uns dias, prosseguindo o internamento. Já lhes disse para acreditarem que, desta vez, o estafilococus aureus vai deixar-me em paz, mas eles são mais desconfiados que eu...são como São Tomé - ver para crer!
Tenho visitado os vossos blogs e lido, com o interesse de sempre, os posts. Não entro para comentar porque me é penoso utilizar o teclado. As mãos e os braços estão cansados de tanto serem picados. Dia sim, dia não, tem sido necessário procurar novas veias para colocação dos cateteres (com que cuidado e profissionalismo as enfermeiras o fazem!) por onde são ministrados os antibióticos. Um deles, a Vancomicina, é demasiado agressivo para as minhas estradas sanguíneas, que mais parecem picadas, tão maltratadas ficam!
Era o que hoje vos queria dizer.
Obrigado a todos.
Carlos Albuquerque

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Ainda não!

Neste primeiro alento que de mim se aproximou, desde o meu internamento no passado dia 15 de Março, senti necessidade de aqui vos escrever umas palavras de agradecimento sincero pelas visitas que me têm feito, e pelos comentários deixados.
As horas têm caído, umas após outras, como dezembros, enchendo os dias. Nada de desejado me trouxeram até agora, mas também é verdade que não lograram levar-me a esperança. Esta permanece aqui, a meu lado, ora como chama crepitando viva, como logo empalidecendo, para de seguida se reacender. Não ma levarão! Sei que acabarei por me rir daquelas horas, que elas recolherão ao silêncio!
Feita a cirurgia do dia 16, outra foi necessária, uma semana depois, não se sabendo o que poderá acontecer na semana que vem. Continuo o internamento.
Os estimulantes comentários de todos vós, têm-me ajudado a construir o meu castelo de defesa. A todos, muito obrigado.
Desculpem este trôpego escrevinhar, mas as forças ainda não dão para mais. Tão logo os dedos obedeçam melhor à ordem de acariciarem o teclado do portátil, voltarei.
Um grande abraço e desejos de SANTA PÁSCOA.

Carlos Albuquerque