sábado, 29 de dezembro de 2012

2013



“…Os combates pela dignidade, pela justiça, pela solidariedade efetiva, pelos direitos humanos, pelo direito ao trabalho, pelas liberdades, pela democracia vão ter de estar presentes nos 365 dias do ano. A persistência na denúncia pode, por vezes, parecer ausência de criatividade mas, em tempos de escuridão, a ilusão de que podemos ser conduzidos por quem nos apagou as luzes pode sair muito cara…”
(Manuel Carvalho da Silva)
O texto, na íntegra, pode ser lido aqui
Bom fim-de-semana
 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Para onde foram?



Vive com a sublime memória das palavras que partiram.
Partiram, talvez, ou mesmo por certo, para um futuro que não passará de um outro presente.
As que ficaram tornaram-se errantes, andam perdidas, pisam hoje um chão que é já outro, de cardos feito, lhes embaraça o andar e lhes tolhe o vocabulário.
Apesar disso esforçam-se por encontrar o legado dos seus antepassados, as palavras que já cá estavam, por cá andavam, antes de quem hoje as procura.

 

sábado, 22 de dezembro de 2012

Bom Natal


Escrevedura de 2009, reeditada com alterações
Um repente sacudiu-me, despertou-me, e vi-a chegar. Não me pareceu uma estrela entre estrelas. Provavelmente, nem estrela seria. Mas que se despegou do manto tricotado a luzes, lá em cima, e veio rodopiando pelas encostas do céu, cá para baixo, é verdade!
Tive-a, sentada, a meu lado. Perguntei-lhe ao que vinha. Cumprir uma ordem, disse. Uma ordem? Que ordem? Uma ordem, e basta, replicou, seca.
Não são muito de fiar, as estrelas que falam. Desconfio que aquela, pois que fosse estrela e não um qualquer objecto desassossegado e perdido, sem nome, seria a do anúncio do nascimento de um Menino, a querer dizer-me que vai ser Natal. És tu, não és? Carregou-se-lhe o olhar, crispou-se-lhe a face. Disse não dispor de tempo para conversas, a noite poderia esgotar-se rapidamente. Não desfez a minha desconfiança.
Falei-lhe que não, que não queria que nascesse outro Menino, o fizessem crescer e depois o pregassem vivo a uns paus cruzados, ali o deixando até a morte o desamarrar da dor e do sofrimento. Não, insisti, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que todos os dias morrem de fome, pregados aos braços de mães moribundas. Não, teimei, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que, todos os dias, as guerras mutilam, aniquilam. De outros milhares, que todos os dias são atirados para as ruas apodrecidas da prostituição, ou devorados pela pedofilia predadora. De outros milhares diariamente acorrentados a trabalho escravo. De outros milhares a quem todos os dias põem armas na mão, maquinando-os para o mal, dizendo-lhes vão, vão matar.
Não, não quero que faças nascer outro Menino! Não quero que ergas mais cruzes.
Quero que ensines os botões de flor a sorrir, o mar a cantar e o vento a embalar sonos livres. Quero que mates a fome, cures a doença, pares a guerra e apagues a violência. Quero que não roubes almas, mas lhes dês forma e beleza, as enchas de valores e as forres de Natal. Quero que cuides de todos aqueles meninos e meninas, e não faças nascer outro Menino. Quero que corras, com o chicote que já usaste, as mentiras dos homens. E, não te esqueças, corre com a canalha, o bando de más consciências, que tomou o poder no meu País.
Sem me olhar e nada dizer, cabisbaixa, envergonhada me pareceu, a estrela regressou. Foi, por ali acima, esconder-se por detrás das nuvens de portas fechadas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

E ela não chega, a Trovoada




“…(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?...Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos…
Poderia julgar que o Sol
É Deus, e que a trovoada

É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós…
Ah, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)

E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz…
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega…
(Alberto Caeiro)




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

É o que é, nada!



Derrubou as casas que lhe apareceram, tijolo a tijolo.

Pelos jardins fora, pôs-se a cortar as árvores, uma a uma.

Custe o que custar, não ficará nenhuma! Pensou tão alto, que se ouviu a si próprio.

Para lá das árvores caídas foram portas o que viu.

Olhou, olhou. Todas fechadas.

Estava entre os seus.

Tinha chegado à terra onde todos são o que não são.

(Desejo a todos um Bom Natal. Santo, para os que assim o entendam.)

 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

José Saramago





Faria hoje 90 anos.
Que falta faz a continuidade da sua escrita!



“…Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem…”
“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos…”
 (In, Ensaio Sobre a Cegueira)

“Escrevo para desassossegar os meus leitores”
(José Saramago)


sábado, 3 de novembro de 2012

Publicado no Brasil



Aceitei o desafio. 
Mandei um trabalho para a Editora Multifoco, do Rio de Janeiro. Se fosse seleccionado seria publicado, o que aconteceu. Na Colectânea de contos O Tempo De Cada Um, da colecção Antologia, cuja capa reproduzo do exemplar que a editora me enviou, estão publicados quinze autores, todos eles brasileiros, à excepção deste vosso amigo.
Sobre o meu trabalho, O Tempo de Todos os Tempos, escreve a editora:
“…delicada construção sobre a vida comum e os desígnios entre Deus e o demo. Aqui o xadrez aparece como em O Sétimo Selo de Ingmar Bergman. Quem leva a partida? Quem dará o xeque-mate…?
Perdoem-me, mas não quis deixar de partilhar convosco a alegria que sinto.
Na página 61 lá está O Tempo de Todos os Tempos


 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PRÉMIO



 


«O Prémio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras e suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.»




Já em 2010 mo tinham dado. Agora volto a recebê-lo. Desta feita por mãos da Laura Abrantes do blogue que brilha


Que fiz eu para tanto merecer? Ultimamente tenho andado feito novelo embrulhado para o lado de dentro. Mas, afinal, o Sol não fugiu.
Muito obrigado, Laura.
O prémio tem regras: exibir a imagem do selo; revelar o link do blogue que o atribuiu; escolher quinze blogues a premiar. Cumpridas as duas primeiras, desrespeito a última. Todas as amigas e amigos da minha cubata, que me dão o prazer da sua visita e a honra de comentários deixados, o merecem mais do que eu. A todos peço que o levem e o publiquem.
E deixem que vos diga. Por muito que os vampiros que nos andam a sugar queiram, o Sol não se porá, não rolará pelas encostas do céu abaixo. Está bem agarrado às nuvens para as desfazer. Nesta batalha com as trevas a luz vencerá.
Bom fim-de-semana


PS
Depois de ter editado este post soube que o prémio também me foi atribuído pela São do blogue
e pelo Rogério Pereira do
 Com o meu agradecimento aqui fica a referência.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Funeral



Era Domingo quando embora foi sem prevenir, porque assim o quis a dor. Abalou.
Foi andando com o pensamento pelas costas, carregado de palavras que lhe diziam ser ele o seu dono, sim, e não uma carta de jogar. Fora, baralho podre e viciado!
Adormeceu no exílio do seu eu. Desperta acordando de si.
Olha para trás. Quando partiu não chovia.
Agora, de regresso, vê o seu país fustigado pela dibanda. Pára entre duas gotas. Vê à frente e atrás, à esquerda e à direita. As armilas já lá não estão. A eclíptica, o equador e os meridianos desapareceram. O vermelho escarlate é laranja e o verde amarelo.
Volta a olhar, não vá a chuva fazê-lo entrar em disfunção. Vê o mesmo, e mais: o país está encarquilhado. E, como em dizer de Saramago, para aqui trazido, as nuvens estão ali pardas e pesadas.
Então solta o pensamento e pergunta-lhe:
- De quem é este funeral?
 

domingo, 15 de julho de 2012

Perderam-se os moldes


Há muito que o não via.
Ontem, já a tarde se metera na tarde, encontrou-o.
Ouviu-lhe não se sabe o quê. Pareceu-lhe uma voz que dançava, assustada. Fosse outro o tempo, a era do musseque das pirucas de Sábado, e aquela pareceria uma fala à toa, ou mesmo uma chaladice de adormecer.
Prestou atenção nele.
A voz ainda dançava assustada:
“Perderam-se os moldes. Os humanos desapareceram. Agora há só uma sub-espécie, espécie de pedras com olhos, onde não mora o carácter. São pedras com feitio de curva de ferro-de-engomar, que nos queimam. Queimam tudo, até as estrelas já vestem de escuro. Vou. Vou, pelo suor que me escorre no corpo, à procura dos moldes perdidos. Enquanto lá não chego, e hei-de chegar, fico por aqui em convívio com os roseicollis.”
Roseicollis!?
O que serão?
 E hoje? Bem, hoje é Domingo!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Paixões...


Há muito que ele sabe estar apaixonado pela palavra. Enamorado, assim, é como sofrer de doença incurável. Só outra palavra é capaz de aliviar o sofrimento, pensa ele. E quantas vezes parte numa busca desenfreada…!
Cogita, do mesmo modo, que com as ideias passar-se-á algo de idêntico.
Então, que venham outras, porque as até agora suas conhecidas, restos deixados pelo tempo, mantêm-no agarrado à dor.
 

sábado, 7 de julho de 2012

Penteado ou despenteado, eis a questão!


Diz-lhe ela:
- Estás a pentear-te para quê? Vais deitar-te!
Fala ele:
- Queres que me vá deitar despenteado? Já viste o que era aparecer assim num sonho?
Replica ela:
- Mas, querem lá ver…
Continua ele:
-Quero, pois! Despenteado já basta como me fazem andar na vida. Dorme bem…Caté.
 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O chicote da escrita


Escrever é uma demora de vento enfurecido.
Mais do que dizê-lo, ele assim pensa.
Solta as palavras.
Umas há que, quando outras as procuram, se sentem violadas na sua intimidade.
Ouve-as, gritando umas para as outras:
- Vocês roubam-nas a nossa circunstância.
Outras, por dá cá um agá ou uma vírgula, envolvem-se em peleja sem fim.
A um canto, num espaço sem sítio, evocando emoções, há as que vão contando histórias já por outras contadas. Certezas desfeitas.
Outras, ainda, a nada pertencem, nada desejam. Não passam de distraídas abstracções.
Baralha-as.
Troca os rios da alma pelos vales e montes do espírito.
Não sabe ele quais vencerão, ou se vencedoras haverão.
Sabe, sim, ser ele o derrotado.


(Ali de cima vieram umas aqui escrever: 
Será o que somos, o que podemos ser?)

domingo, 10 de junho de 2012

The Platters


Morreu Herb Reed (1928-2012), o último dos The Platters.
Eram fabulosos!



(Bom Domingo a todos. A derrota com a Merkelball já lá vai!)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

"Não sei se nada sei"


Não é cinzento morto
O céu é azul.
O Sol brilha.
Folhas verdejam nas árvores
Cantando viajam os rios
Sente-se o vento
A noite não toma o espaço
É apenas
Passagem para amanhã
Riem as gentes
Livres as palavras trocadas
Dão-se mãos
Não se dorme ao relento
Ninguém se refugia
Na exiguidade da indiferença
Nem na penumbra
Da renuncia à participação
Não é falso o carinho
No seu recinto
As almas vêem-se
Os espíritos falam-se
O luar a todos veste
Costas dadas ao engano
Passam horas sem medos
Pelo pensamento livre correndo
A Liberdade
Não anda a monte

                                            (Acordou com o medo de andar perdido)

domingo, 6 de maio de 2012

Dia da Mãe


Porque a memória permanece viva:

A última vez que te vi estavas deitada, serena, dada ao sono de que não se desperta. Olhei-te. Invadiu-me uma raiva maior que a dor. Foi dela que eu nasci, disse para mim, em silêncio, agarrado à solidão que se me chegou. Não chorei. Tocaram-me no ombro. Vi taparem-te. Fizeram-me um sinal.
Acompanhei a tua viagem até ao local em que te desceram e te cobriram com uma terra diferente da que te vira nascer. Segurei as lágrimas que teimavam em soltar-se. Aquela mágoa não a quis partilhar. Era só minha! Sofri-a na alma e no meu coração que sangrou.
No suco dos meus olhos vi, então, partes da nossa vida. A tua foi longa, chegaste perto dos 100. Lembrei-me que tempos antes te fôramos visitar, já tu vivias num mundo longe do nosso. Oferecemos-te uma caixa de bombons. Deliciaste-te, eu vi, mas as palavras que então disseste já nada tinham a ver connosco. Estavas noutro local, provavelmente num paraíso para que te transportaras, onde contigo vivias, e nós não habitávamos.
Recordei-me, também, do muito que me ensinaste. Um dia, era eu ainda um catraio que jogava descalço com bola de trapos, fui fazer-te queixa de uma “malandrice” que o meu irmão me fizera – zangado, rasgara-me a camisa. Soubeste da atitude dele, vi nos teus olhos que não gostaste, e logo pensei agora é que ele vai ver! Atiraste-lhe umas palavras, de que já não me lembro, e ele voltou para o quintal. A mim deste-me um ralhete, apontaste-me o dedo e disseste: não se denuncia um irmão!
Aprendi para todo o sempre! Como para sempre em mim ficaram os carinhos das tuas mãos fagueiras, nos tempos em que caminhava pela minha meninice.
No momento em que a última pá de terra sobre ti caiu, subiu um eco trazendo-me à memória silêncios. Silêncios meus, hoje cheios de palavras que gostaria de te ter dito.
Não sei por onde andas agora. Pouco importa. Mas se te voltar a encontrar, dir-te-ei: Mãe gosto muito de ti.
Beijo a tua memória.
( A todas as mães desejo um bom dia.)
 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eles, ao xadrez


(Reedição de um post de 2010)
Pelo caminho se meteu. Ao fundo, deu com uma casa meio acubatada, duas tábuas a darem ares de porta. Forçou a abertura, sem o conseguir. Caiu-lhe em cima uma tabuleta. Leu o que escrito estava, em linhas meio enviesadas: “aqui vive Deus, em recolhimento, meditando, não entre.”
Obedeceu.
Três dias depois voltou à estrada. Caminhou pelo primeiro desvio. Deu com um portão de ferro, de cadeado franqueado. “ Reino do demo”, leu numa chapa chamuscada e meio amolgada, “faça o favor de entrar”.
Rejeitou o convite.
De regresso a casa, pôs-se a cismar. Assim ficou sete dias inteiros. Ao oitavo, voltou às andanças, por um carreiro de poeiras, desta feita. Uma vida depois parou. Sacudiu o pó, limpou os olhos. Aquilo não era cubata, nem casa, nem nada de parecido, era só um sítio com um letreiro, de luz aos tremeliques, dizendo: “Aqui vivemos os dois. Entre.”
Entrou.
Numa mesa a levitar, estavam, Deus, com o bordão de peregrino no bolso, e o demo, tridente à cinta, a jogar xadrez. Nos intervalos de cada jogo, antes das peças realinhadas, Deus tentava moldar um pedaço de barro. O demo batia com o sílex nos chavelhos, a ver se deles tirava a faísca para atear o tridente. Palavras não as largava o silêncio.
De confusão se encheu. Voltou para trás. Em casa uma vez mais imaginou, com tenacidade. Findo o torvelinho do pensamento tornou ao sítio do letreiro, que já lá não estava. Caída no chão, apenas uma parra gatafunhada.
“Ele ganhou, mas batotou. Voltarei mais tarde. Quero a desforra. Assinado – demo.”
Ao dobrar da folha, numa das esquinas, estava aposto o carimbo: “Assinatura reconhecida por Deus.”
Ficou sem saber que destino dar aos seus pensares perturbados.
Muita vida depois, foi de novo ao letreiro. Encontrou-o, despido de dizeres, de luz apagada. Claridade, apenas a do tecto brumaceiro descido da Lua, chegando para os ver. Um sem o bordão de peregrino, outro despojado do tridente. O primeiro de testa enrugada, barbas longas e brancas, o segundo de chavelhos caídos. Ambos envelhecidos, mas continuando, em silêncio, de olhos pregados no xadrez.
 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

1º de Maio

Não há que esquecer
 A 20 de Junho de 1889, a Segunda Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar anualmente os trabalhadores para uma manifestação pela conquista das 8 horas de trabalho diário. Em homenagem aos trabalhadores “ Mártires de Chicago” (a cidade que era o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época), o dia escolhido foi o Primeiro de Maio. Em 23 de Abril de 1919, o Senado francês aprovou a jornada diária de 8 horas e proclamou feriado o dia 1 de Maio desse ano. No ano seguinte a Rússia adoptou o Primeiro de Maio como feriado nacional, exemplo que foi seguido por muitos outros países. Instituíra-se o Dia Mundial do Trabalho.
Como se chegou aqui:
 Há que retroceder aos primórdios da Produção Capitalista, quando ainda eram comuns práticas selvagens. Não apenas se procurava, desenfreadamente, a mais-valia, através de baixos salários, como até mesmo a saúde física e mental dos trabalhadores era comprometida por jornadas que se estendiam até 17 horas de trabalho diário, prática comum nas indústrias da Europa e dos Estados Unidos no final do século XVIII e durante o século XIX. Férias, descanso semanal, cuidados de saúde, apoio à maternidade e reformas não existiam. Para se protegerem, os trabalhadores criaram vários tipos de organização como as caixas de auxílio mútuo, precursoras dos primeiros sindicatos.Com as primeiras organizações, surgiram também as campanhas e mobilizações reivindicando maiores salários e redução das horas de trabalho diário. Greves, nem sempre pacíficas, explodiam por todo o mundo industrializado. Chicago, um dos principais pólos industriais norte-americanos, era, também, um dos grandes centros sindicais. Duas centrais lideravam os trabalhadores em todo o país: a AFL (Federação Americana de Trabalho) e a Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho). As organizações (centrais), sindicatos e associações, que surgiam, eram formadas principalmente por trabalhadores de tendência socialista, anarquista e social-democrata. Em 1886, Chicago foi palco de uma intensa greve operária. Os trabalhadores reivindicavam melhores salários e a passagem da jornada de trabalho de treze para oito horas diárias. À época, Chicago não era apenas o centro da máfia e do crime organizado, era, também, o centro do anarquismo na América do Norte, com importantes jornais operários como o Arbeiter Zeitung e o Verboten, dirigidos respectivamente por August Spies e Michel Schwab.As entidades patronais controlavam igualmente jornais, onde os líderes operários eram descritos como “preguiçosos e canalhas” que só procuravam a desordem. O Chicago Tribune foi mais longe e publicou em editorial: "Para estes vagabundos esfarrapados, a melhor comida é uma carga de chumbo no estômago". No decorrer da greve, uma passeata pacífica, pela Avenida Michigan, de trabalhadores no activo, desempregados e familiares, vestindo roupas de Domingo, e empunhando cartazes onde se lia "8 horas para trabalhar, 8 horas para descansar e 8 horas para fazermos o que for de nossa vontade", silenciou momentaneamente tais críticas, embora com resultados trágicos no curto prazo. Do alto dos edifícios e nas esquinas a polícia vigiava, fortemente armada. A passeata terminou com um comício. No dia 3, a greve continuava em muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a policia disparou contra piquetes de greve e outros operários, matando seis, deixando 50 feridos e deteve centenas. August Spies convocou os trabalhadores para uma concentração na tarde do dia 4. O ambiente era de revolta apesar dos líderes pedirem calma. Os oradores revezavam-se; Spies, Parsons e Sam Filiem, pediram a união e a continuidade do movimento. No final da manifestação um grupo de 180 policiais atacou os manifestantes, espancando-os. Uma bomba explodiu no meio dos guardas. Sessenta foram feridos e vários morreram. Chegaram reforços policiais que começaram a atirar em todas as direcções. Morreram centenas de pessoas: mulheres, homens e crianças. Os acontecimentos ficaram conhecidos como A Revolta de Haymarket. A repressão foi aumentando num crescendo sem fim: o Governo decretou o “Estado de Sítio”, e o recolher obrigatório, com a consequente proibição de circulação pelas ruas. Milhares de trabalhadores foram presos, muitas sedes de sindicatos incendiadas, criminosos e gangsters, pagos pelos patrões, invadiram casas de trabalhadores, espancando-os e destruindo-lhes bens. A justiça levou a julgamento os líderes do movimento, August Spies, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Shwab, Louis Lingg e Georg Engel. O julgamento começou a 21 de Junho de 1886 e desenrolou-se rapidamente. Provas e testemunhas foram inventadas.
Mártires de Chicago
A sentença foi lida a 9 de Outubro. Parsons, Engel, Fischer, Lingg, Spies foram condenados à morte por enforcamento; Fieldem e Schwab, à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de prisão.
Linng, ao centro na foto, não foi enforcado por ter sido encontrado morto na sua cela.
Gerou-se, então, um movimento de solidariedade internacional pressionando o governo dos Estados Unidos a realizar um novo julgamento, o que acabou por acontecer em 1888. O novo júri, entretanto constituído, reconheceu a inocência dos trabalhadores, admitiu, como provado, que fora um capitão da polícia a mandar rebentar a bomba em Haymarket, culpabilizou o Estado norte-americano e decidiu a libertação dos trabalhadores presos, incluindo os condenados a prisão perpétua.
  
Em Portugal só a partir da Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, é que se voltou a comemorar o Primeiro de Maio, livremente, e este passou a ser feriado nacional. Hoje, as duas centrais sindicais, CGTP (Central Geral dos Trabalhadores Portugueses) e UGT (União Geral de Trabalhadores), assinalam-no, em liberdade, com manifestações e comícios por todo o país. Durante a ditadura salazarista do Estado Novo as comemorações eram reprimidas pela polícia.
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Os Estados Unidos, onde tudo começou, não reconhecem, apesar disso, ainda hoje, o Primeiro de Maio como Dia do Trabalhador. Naquele país também se celebra um Dia do Trabalhador (Labor Day), mas isso acontece na primeira segunda-feira de Setembro. É feriado federal (nacional), estando relacionado com o período das colheitas e com o fim do Verão. A decisão de assim ser foi tomada pelo presidente Stephen Grover Cleveland (Partido Democrata), por recear que a celebração em Maio reforçasse o movimento socialista nos Estados Unidos.
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 Viajar pela História deixa-nos uma certeza: lutando por melhor, é sempre possível mudar.
Nunca desistir é lema que sigo desde sempre.
Recordo, com emoção, o 1º de Maio de 1974 em Lisboa. Nunca vira manifestação como aquela. Vivi-a com o sentimento de ter recuperado esse bem precioso que é a Liberdade. Chorei enquanto desfilava e ouvia os líderes políticos regressados do exílio. Hoje, não fora a ainda impossibilidade de caminhar como quero, voltaria à Manifestação.
Deixo-vos com palavras de Manuel Alegre:

É possível falar sem um nó na garganta é possível amar sem que venham proibir é possível correr sem que seja a fugir. Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta. É possível andar sem olhar para o chão é possível viver sem que seja de rastos. Os teus olhos nasceram para olhar os astros. Se te apetece dizer não grita comigo: não. É possível viver de outro modo. É possível transformares em arma a tua mão. É possível o amor é possível o pão. É possível viver de pé! Não te deixes murchar. Não deixes que te domem. É possível viver sem fingir que se vive. É possível ser homem. É possível ser livre.
( Em Portugal estamos a regressar aos primórdios da Produção Capitalista. Na cena política portuguesa ressurgiram os vendedores de ilusões, que nos pretendem acorrentar de novo)
Volta a ser necessário ouvir e agir:


quarta-feira, 25 de abril de 2012

Abril não desarma



Conhecidas as razões, aplaudo.
Entretanto, a PSP anunciou tolerância zero às manifestações populares.
Cobarde, o governo usa a polícia para atemorizar.
Os portugueses saberão responder.
O tempo é de rotura e não de resignação.
[Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo]
- Sophia de Mello Breyner Andresen -
(Inspirado na leitura do Conversa Avinagrada)

terça-feira, 24 de abril de 2012

Aniversário


Esta cubata faz hoje três anos.
Deixei-a pronta a 24 de Abril de 2009.
Véspera de um dos dias mais felizes da minha vida, o que nasceu da ALVORADA LIBERTADORA DO 25 DE ABRIL DE 1974.
No mundo da blogosfera tem sido uma descoberta de amizades, companheirismo e muito carinho. Senti bem tudo isso, nos momentos difíceis porque já passei, nalguns dos quais mordi os ossos da alma e tive que partir as vidraças das janelas do espírito.
A todos muito obrigado por me acompanharem e se darem ao trabalho de me lerem.
No solo da minha, e vossa, cubata os cravos continuarão a florescer.

[…Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la. Porém, se a não corrigires, não a alcançarás. Entretanto, não te resignes…]
(José Saramago

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Do Mwata (Cocos e Cálculos)

Porque julgo ser o texto que o Carlos me enviou a vós dirigido, aqui vo-lo deixo: 
estafilococos aureus
“Sabe não ser eterna a veste que usa, a carcaça com que se cobre. Dura quanto tiver que durar. Mas há, sob ela, um corpo real que sente. Anda, alheio, na missão que se impôs, quiçá inútil, de desenhar a geografia da realidade, sendo tal, porventura, a razão de um destino. Por isso se pergunta: Onde é que o Universo é ele, a Terra ela é, e ele, ele próprio tem que ser? Não sabe se o destino foi, ou é, fruto de arquitectura trabalhada na forja de deuses ensandecidos ou resultado de uma imbecil incúria médica. Sabe, sim, que a terrível e predadora bactéria que dá pelo nome de estafilococos aureus voltou a implantar-se, enfraquecendo-a, na estrutura óssea que lhe suporta a prótese total da anca esquerda. Na arrecadação do espírito, no sótão da alma, para onde migra de quando em vez, encontrou artes para o combate e foi vencendo, batalha a batalha, incluindo as com o médico que não passa de capataz duma companhia de seguros. Não é uma guerra ganha. Este cocos é recidivante e oportunista. Ataca à mínima debilidade do hospedeiro, como já o fez, por várias vezes, forçando a remoção e substituição de próteses. De há uns tempos para cá tem aparecido enfraquecido (assim parece…), fruto, talvez, das 60 sessões de oxigenoterapia na câmara hiperbárica do Hospital da Marinha. É que, diz quem julga saber destas coisas, o aureus foge do oxigénio como o diabo da cruz. Sustido o cocos, logo irrompeu a litíase renal bilateral. 
cálculo renal
Cerca de três semanas com uma cólica renal violenta. Duas idas às urgências hospitalares. Tudo tentado, nada resultando, cirurgia marcada com utilização de cateter para condução de um lazer com o objectivo de “ir à procura” dos cálculos, no dizer do médico especialista. Dois dias antes as “pedras” forçadas pela pressão do liquido drenado pelo rim, e aproveitando a boleia da força da gravidade, resolveram vir por ali abaixo, rasgando ao som da dor. Três! Uma pequenota, outra com seis milímetros, a terceira com um centímetro de largura – o dobro do diâmetro do uretere! A dor foi passando, o rim desinflamando. Grande rim, verdadeiro resistente! Desmarcada a cirurgia. Não será desta vez que a equipa de urologistas (quatro) irá “à procura” dos calhaus. Vencidos os furacões, tudo está de regresso à normalidade. Muito lentamente, ainda.”
Pediu-me ele para vos dar a explicação da ausência, e, também, a todos um grande abraço. 

sábado, 17 de março de 2012

Do Mwata


Consciência
No céu mortiço de azul baço, nuvens e as suas sombras caminhantes escondendo o horizonte, vê uma borboleta, saída da alma, trazendo a manhã pelas asas.
Não soubesse ele ser ela quem é, diria estar com cara de tempestade vinda para amassar.
Mas, não. O que ela está é masé atarefada, esta sua manhã.
Como mulembeira sarmentosa, de pau novo, plantando os ramos com folhas de um verde recém-nascido, de cujas axilas brotam frutos monandengues ainda, que as pintadas recolherão quando de mucefos caírem.
Dela faria um poema, soubesse ele escrevê-lo!
Na sua cubata, porém, o poeta não mora! Apenas uma flor de embondeiro por ali se vê andar, e dizer numa voz de perfeita imperfeição ser a flor da vida.
 Paleta e espátula na mão, a manhã chegada mistura cores, trabalhando, com afã, no retrato do dia.
Olha-a.
Move-se, para cima e para baixo, como que a querer dizer que lhe segue o pensamento.
Sabe lá ela!
Ainda assim, pergunta-lhe ele:
- Que cores tens tu?
A manhã, que sabe não ser o sentido oculto de coisa nenhuma, responde-lhe, de pronto:
- Que te importam as cores? Só vês o visível!? Ter consciência é mais que ter cor!
Ouvido isto, ele fica a pensar no mistério do que se quer dizer. Ela aquieta-se. Volta à tábua das tintas. Um traço mais. Obra completa. Pronto, está feito o Domingo para ele usar amanhã, que hoje ainda Sábado é. Domingo um pouco muxoxo. As nuvens ronronarão, por elas ximbicará o vento acinzentando-as.
Outros afazeres a chamam. A manhã parte. Não sem antes lhe dizer:
- Não te esqueças, ter consciência é mais que ter cor.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Os Kalús e o Milagre


De quando eu era um Kalú reguila

 Éramos seis putos, andando pelos sete e os oito anos, companheiros na Escola 8 de Luanda.
Sempre que apanhávamos um intervalo maior, uma «borla» por falta de professor, a escola encerrada por força de uma daquelas chuvadas fortes, que caíam sem aviso prévio desventrando a terra, ou ainda porque nos apetecia gazetear, lá voltávamos costas às aulas, correndo para a Lagoa do Kynaxixe, na altura o limite da cidade. Depois dela, era o mato. Para lá íamos em algazarra ululante de miúdos kalús.
Com as sandálias, de pano e sola de pneu velho, ensacadas nas mochilas, seguíamos descalços tocando de mansinho a terra com as palmilhas dos pés, todas brancas. Até mesmo as dos negros e mulatos o eram, o que então muita confusão me fazia porque cor igual em todos também, só nas palmas das mãos e no sangue que via, assustado, quando algum de nós se arranhava numa das piteiras que estendiam os braços de picos eriçados por entre o capim. Aquilo deixou de me afectar, quando um dia aprendi que nos reproduzíamos todos pela mesma cor – a vermelha do sangue –, e nos amávamos e matávamos igualmente com a mesma – a branca da palma das mãos.
Da Escola 8 à Lagoa eram para aí novecentos metros, mil, contas ajeitadas, sempre a correr pelo capim, galgando um ou outro arbusto. Fazíamo-lo não se nos ouvindo um único resfolgo. O cansaço só mais tarde nos colhia. De súbito, estávamos ali, junto da água barrenta, alguma da chuva, outra, talvez a maior parte, vinha de baixo, das veias da terra, ou fosse lá de onde fosse, trespassando pedras e areia fina.

No Cacimbo, aquela água chegava a ser transparente e conseguíamos ver um ou outro bagre pequeno, esse estranho peixe que consegue sobreviver na lama, indo buscar oxigénio a reservas que ele próprio constrói dentro de si, por alquimias secretas. No Calor, como era o tempo em que ali estávamos, ela ficava turva, do tom da terra vermelha da zona, e, também, mais alta. A Lagoa enchia, prenhe das chuvas grandes do nosso fascínio.

Sempre que aquelas águas caíam e andávamos por ali à solta, os calções e as camisas juntavam-se às sandálias nas sacolas escolares. Todos nus corríamos de um lado para o outro, caras viradas para cima. Bocas abertas, bebíamos o céu deixando a água fresca tanger-nos as gargantas e voltar a sair, correndo-nos pelo peito, excitando-nos o coração de meninos mais valentes do que os heróis das histórias do Mosquito.
Éramos capitães de um só medo: pisar a água da Lagoa sem antes ouvirmos o Velho. Só ele sabia se a surucucu andava por ali naquele dia, ou não.

E, outras coisas!
O Velho, – o Mwata de nome Milagre –, homem de servir em casa dos meus pais, no Largo da Tendinha. Também ele se evadia para a Lagoa, sempre que podia, para falas com os «mininos da Escola». Magro e seco como um abacateiro, igual aos que nas roças crescem esguios até ao Sol, lá abrindo a copa maior que um capacete colonial parecido com o que o meu avô usava, protegendo com a sua sombra os cafeeiros de muitos braços carregados de ouro negro, que faziam a riqueza de uns quantos e, aprofundavam a escravidão e miséria de muitos outros. O Milagre era alto como as mangueiras da Funda, e velho como um embondeiro. Tal como este, já nem sabendo a idade ou mesmo se menos velho alguma vez tinha sido. O meu Mwata nascera já assim, por certo: com idade crescida, e sábio.
Com o Milagre, ficávamos até o Sol avisar serem horas do regresso a casa. As suas mãos secas de dedos finos e compridos como os dos artistas, esculpiam no ar histórias de encantamentos, que escutávamos seduzidos. De quando em quando interrompia-se, quedando-se em silêncio a fumar um cigarro enrolado com a parte acesa virada para dentro da boca, como fazia a lavadeira da minha casa enquanto esfregava a roupa com o filho dormitando agarrado às costas por um pano envolvendo-lhe o peito.
Às vezes, o Milagre alçava os braços.
Não entendia porque o fazia.
Pareciam-me impulsos do coração do Velho, em busca de mistérios perdidos ou de acontecimentos para anunciar, lá por cima, nas terras dos deuses. Olhava-o, a ver se sim, mas permanecia inescrutável. – Não resisti. Um dia, perguntei-lhe:
- Porque te chamas Milagre?
Virou-se para mim. Ameigou-me o queixo e o cabelo com as mãos. Levantou-me suavemente a cabeça. Deixou repousar os seus olhos nos meus, e respondeu:
- Porque Deus me fez, e a minha mãe me disse assim!