sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2012

Orçamento de Estado para 2012.
 O IVA da salsicha e da marmelada passa de 13% para 23%.
No que à salsicha diz respeito só é martelada a enlatada. O Orçamento não faz qualquer referência às enfrascadas, isto é, às mais robustas e alongadas, que se apresentam embaladas numa transparência.
Quanto à marmelada a pancada é geral. Pode o comestível atavio ser elaborado a partir de marmelos aveludados, já raros de encontrar, ou de outros, quaisquer outros, de aparência lisa e redonda qual silicone fazendo-se passar por frutos.
Até agora, com os 13% de IVA, a marmelada andava como que vestida de saia até ao joelho. Com o salto para os 23% passará a trajar de vestido até aos pés. Oh, marmelada! Quem te viu e quem te verá!
Depois da desfeita à marmelada, só não percebo, não percebo, francamente, porque é que os iluminados que pariram o Orçamento de Estado para 2012 deixaram triste e abandonada a salsicha enfrascada…Enfim!
Posto isto, há que sorrir. Temos ainda algumas horas para tal. Aproveitemo-las. Em 2012 será difícil, senão impossível, fazê-lo. 2012 é um ano bissexto, mais um dia para o sofrimento, rodeado de crenças populares. No Horóscopo Chinês é, como o ano em que nasci, um Ano do Dragão. É nele que nos voltaremos a encontrar. Até lá deixo-vos com o que penso ser uma boa companhia.
Um grande abraço a todas as Amigas e Amigos da minha cubata.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

in memoriam





Alves Redol
(1911-1969)
Nome grande da literatura portuguesa do século XX.





Chegam-se-me Gaibéus, Avieiros e Vindima de Sangue. E, também, Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos, um pequeno livro, uma obra pura e apaixonada. “Obra de pura devoção”, assim lhe chamou o próprio Alves Redol. De devoção pelos humildes, acrescento.
Constantino Cara-Linda é um jovem da região saloia do Freixial. Frequenta a escola, é inteligente, gosta de contar ninhos e anda pelo campo guardando vacas como quem guarda sonhos, transportando-os numa alma que ri.
“…Os animais precisam de verde, resmunga-lhe a avó. Constantino percebe o que ela quer dizer, mas entrega-se à fantasia de admitir que as vacas e as burras necessitam de comer cores, agora um bocado de verde e depois outro de amarelo ou de vermelho. E enquanto as desamarra da manjedoura, dá-se ao gosto de pensar como seria divertido levá-las a pastar no arco-íris, podendo cada uma delas escolher a cor que mais lhe apetecesse, ou misturá-las e fazer cores diferentes. Ele próprio deitar-se também sobre a faixa azul ou violeta, e depois rolar pelas outras, ficando pintado com as sete cores às manchas. E só quando o Outono chegasse, se elas fossem vivas como a folhas, vê-las mudar para amarelo e depois para castanho, até caírem de cima do seu corpo, que só então voltaria a ser igual ao de agora. O pior é que as burras poderiam dar cabo de tudo, se chegassem ao arco-da-velha e se espojassem a zurrar, como sempre fazem, mal encontram poeira no caminho para o monte, baralhando as sete cores…” (Pág. 87. Edição Europa-América, 1977)


[Nas fileiras da Oposição Democrática, do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e do PCP, Alves Redol bateu-se intensamente contra a ditadura do Estado Novo. Um dia disse ele: “Não é difícil entender-se o que escrevo e porque escrevo. E também para quem escrevo. Daí o apontarem-me como um escritor comprometido. Nunca o neguei; é verdade.”]
 

sábado, 24 de dezembro de 2011

Consoada

Sei, como Pessoa, que “não basta abrir a janela para ver os campos e o rio”, e que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores”. Eu sei. Mas, apesar de tal saber, gostava hoje de sair, caminhando pelo mundo fora, à procura dos que não têm consoada. E, a cada um que encontrasse dizer-lhe: Anda, vem comigo.

Vou Levar-Te Comigo

Menina bonita
Com tranças de trigo
Sorrindo à janela
Vem cantar comigo

Os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a fome
Acabar com a guerra, viver em amor

Vou levar-te comigo
Vou levar-te comigo
Vou levar-te comigo meu irmão
Vou levar-te comigo

Olá companheiro
Do fato rasgado
Não estendas a mão
Foge do passado
Que os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a miséria
Acabar com a guerra, viver em amor

Olá avozinha
Poetas, pastores
Estudantes, ministros
Rameiras, doutores
Os homens fizeram
Um acordo final
Acabar com a fome
Acabar com a guerra, viver em amor
(Duo Ouro Negro)
 (Quando éramos putos, um deles e eu fomos vizinhos. Casa ao lado uma da outra, na Vila Alice da minha velha e querida Luanda)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Do Mwata (Ajuste por fazer)


(Abri a porta. Lá estava ele, o Mwata. Cumprimentou-me naquele jeito muito seu, todo kaluanda: Então, tudo bem? Estamos juntos? Juntos estamos, disse-lhe eu, mas tudo bem...Deixa, interrompeu ele, só vim para desejar um BOM NATAL a todas as amigas e amigos da tua cubata. Foi-se deixando isto:)

Lembra-se.
Recorda-se de deitadas distantes, tão assim, que longínquas eram.
Por cama o chão de terra molhada pela chuva deixada por trovoada zangada, dela exalando um odor único, que o embriagava. Por cima, esmaecidas as forças cegas e loucas dos relâmpagos, a noite mostrava-se com uma calma que parecia eterna, desenhada por estrelas, tantas, que não se deixavam contar. Mal umas alinhava, logo outros surgiam, num preencher contínuo dos seus olhos incapazes de saberem se de estrelas se tratava ou doutro relampejar – o das armas – dando volta à escuridão, tornando-a inquieta e predadora.
A noite vinha, vinha sempre, quer houvesse tormenta ou não, ou, sequer, vontade de que ela chegasse. Por vezes num silêncio que se fazia ouvir com o eco de gritos, trazendo, também, o cheiro a corpos queimados.
Ao seu peito encostada pernoitava a arma, tal como lhe disseram ela chamar-se – metralhadora.
Hoje, ao acordar, soergue-se apoiado nos cotovelos roçados de tanto rastejar. Olha em redor e parece-lhe diferente o que avista. Esta, que agora se estende à sua frente, é uma terra estranha, onde as árvores crescem ao contrário, de raízes viradas ao céu.
Não, diz olhando para a arma, não vou metralhar!
Coloca-a a tiracolo e volta para trás.
Parte à procura de uma outra terra por onde, lhe disseram, talvez ande Deus.
É que ele tem umas contas para ajustar.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Amigas e Amigos - Desejo-vos um BOM Natal

Natal



Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
cantam chuva.

Não há estrela-guia
sol-caju brilhando
pelos caminhos antigos
pés gretados batidos
vêm todos




…vovo Bartolomé enlanguescido
em carcomida cadeira acordado…
…sô Santo subindo a calçada
a mesma calçada que outrora descia…
…Zito e Dimingas
no maximbombo da linha 4…
…Mussunda amigo
com a firme vitória da sua alegria.

E vêm
vêm também
cheirando a suor
as buganvílias a den den
pedro monangamba
olhos abertos de amor
na mão o cetro
a pá de trabalhador
Pascoal
(Ué ainda é vivo velho Pascoal?!)
a vassoura de mateba
a farda caqui da Câmara Municipal.

De Calumbo
o sol do Cuanza
nos seios cajus
docinha manga
trouxe Jana

Vieram também
também vieram
algas verdes na garganta
os três magos da Ilha
- ngoma, reco-reco e violão!

Branca roupa ao sol
Pirrulas na mulemba
não havia luar
porque a noite já não era
estrela-guia
e do ventre da mãe negra
O menino nascia.

( Luandino Vieira – poeta angolano radicado em Portugal. Em 2006 recusou o Prémio Camões, com que fora galardoado, invocando “motivos íntimos e pessoais)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Carta ao Pai Natal

Pelos vistos falta-me o jeito para te escrever.

No ano passado, mais ou menos por esta altura, enviei-te uma carta. Sei que foi recebida porque a mandei registada e com aviso de recepção. Desconheço é se te foi parar às mãos. Para o caso de não a teres lido digo-te, agora, que nela te pedia como presente um País sem gentes fingidas.
Olha o que aconteceu:
Em Junho passado um rapaz com ar de obstipado permanente apresentou-se às eleições, fingindo ser o que não é. Elegeram-no, eu não! É agora pm, assim, em caixa baixa.
Chegado ao galho mais alto porta-se como elefante em loja de cristal. Faz disparate atrás de disparate. Entrevistas dá ele, a torto e a direito, a uma comunicação social acrítica, domada, solícita e veneradora. O que diz ele?
O país está mal? Ainda vai piorar. A crise? Ainda vai aumentar. Tempos difíceis? Esperem pelo próximo ano. Austeridade? Não há que saber, cura-se com mais austeridade. Os jovens sem trabalho? Esses que vão lá para fora, chatear outros, que aqui não há bucha para eles, e o governo tem mais que fazer.
E muitos, muitos mais disparates, o último dos quais sobre os milhares de professores desempregados. Milhares de professores desempregados!? Emigrem, emigrem, vão para Angola ou para o Brasil, lá precisam de mão-de-obra qualificada.
E mais te poderia dizer, Pai Natal. Deixa-me só acrescentar:
Há quem não a veja, mas sobre o meu país cai, permanente, uma chuva sabendo a dor. A neblina é densa, cinzenta, fria. A luz não passa por ela. Não nos deixa extrair a beleza da vida. Até os sonhos já nascem mortos.
Achas, Pai Natal, que isto tem algum jeito?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Velhice

Tu e eu vamos dar uma de conversa.

Vejo-te todos os dias, quando me olho. A cada hora que passa, melhor te vou conhecendo. A cada segundo que o tempo leva, queres que eu dê feitio aos meus pensamentos e jeito ao meu corpo. Não dou! Uns e outro são meus, não teus!
Ouve: És tudo o que eu não sou.
Já te falei de todos os lugares onde estive. De tudo o que vi e senti, viajando no meu dongo pelas cacimbas, rios e mares – as tranças da vida – mesmo quando aquela era a dos sonhos.
Sim, repito, de tudo o que senti e vi, que foi muito mais do que o que ficou guardado nos meus olhos. Vi o Sol abrir e desenhar céus. Olhei o mundo por muitas janelas. Pela tua, pela tua janela, só se vê terra à espreita.
Tu és, na verdade, tudo o que eu não sou, insisto. Chegas-te-me assim, desse modo, querendo atirar-me vida zangada. Não, não quero.
A vida sempre me doeu, e dói, porque ora me sabia, e sabe, a muito, como a pouco. Mas a vida assim, é a minha.
E dizes-me tu: Tudo isso, que é tanto, não é nada! Eu sou mais!
Tu? Não passas de querer ser uma domadora hipnótica de quanto me agita por dentro e me inquieta por fora.
Fim de conversa.
A fera com o freio nos dentes! Não regateio esforços, a ver se ela e eu nos entendemos. Passo-lhe a mão pelo dorso. Ela, porém, é, como o poeta, fingidora e indiferente. Vem de mansinho, pé ante pé, beijar-me a fronte, acariciar-me as têmporas e sussurrar-me: hei-de levar-te comigo sobre os mares até à terra dos deuses.
Como se eu lho tivesse pedido!
PS
Sabes, Velhice, só agora te digo, enquanto conversávamos vi-te ruborizar qual menina envergonhada de cara bonita, olhos malandros cheios de ânsia, e, neste momento, ouço-te baixinho: Não tenho, como tu, um passado para contar…
Deixa, isso pouco importa, não admira, és mais jovem do que eu. Passado tenho eu, teu é o futuro. Não ligues ao meu dizer. Foram, apenas, palavras cativas. Amanhã sairemos ambos, porta fora, galgando os montes longínquos. Não te preocupes com a terra dos deuses.
Deixa-me pousar um beijo na tuas mãos. És bela, minha Velhice.
(Este escrevinhar foi inspirado por um post da Acácia.
Sorvi-lhe a ideia, roubei-lhe o título.Espero estar perdoado)
 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

É tempo!


RTP1
Programa “Mudar de Vida”.
Trabalho da jornalista Rosário Salgueiro.
Setúbal.
Reportagem na Caritas e no Centro Social S. Francisco Xavier.

Uma e outra das instituições fornecem refeições a quem delas necessita para mal continuar a viver.
Na Caritas uma senhora, com o rosto talhado por rugas, aproxima-se do balcão de atendimento onde deposita uma embalagem de plástico. Olha para a câmara e diz: Nunca pensei que aos 53 anos (53, leram bem!) precisasse de mendigar.”
Para a reportagem fala, também, uma das responsáveis da Caritas: “Dizem que quem aqui vem é gente que não quer trabalhar. Não é verdade. Isso é uma máscara com que se pretende tapar a realidade. Atendemos pessoas com o 12º ano e até com licenciaturas e mestrados. Não têm trabalho...
Em S. Francisco Xavier a jornalista fala com o Senhor José, homem de 56 anos. Pergunta-lhe: “O que o traz aqui, Senhor José?”. Resposta: “A fome”.
Enquanto a RTP não for privatizada continuaremos a poder ver a realidade em que estão a transformar o nosso país. Quando a privatizarem a realidade será tapada pela máscara que tudo cobrirá.
Entretanto, eis a notícia que fará da mesa dos banqueiros, os senhores do capital, uma mesa ainda mais farta: O governo de Miguel Relvas, Vitor Gaspar, Álvaro, Passos Coelho, e, também, de Paulo Portas, decidiu que durante os próximos vinte anos (vinte, sim, vinte!) os bancos pagarão menos impostos, isto para "cobrir" o negócio da transferência do Fundo de Pensões dos Bancários.
Desculpem, não me ocorrem outras palavras – É tempo de acabar com esta merda!
 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Do Mwata (deuses)

Nasceu, pulou pela infância, e entrou na adolescência numa balbúrdia.
A mãe falava-lhe de Deus. As mães negras dos seus amigos pé-descalço e carranhosos dos musseques, sempre que o apanhavam à distância de uma conversa, e muitas eram as vezes, tantas quanto lhe fugiam os ânimos para a brincadeira com eles, o que acontecia amiúde, contavam-lhe histórias sem deuses dentro, em que tudo girava apenas, e já não era pouco para a sua compreensão, em torno dos espíritos das coisas vivas ou mortas.
Outra está a ser, esta noite, a opinião do espelho a que se olha antes de se deitar. Diz-lhe o espelho existirem muitos deuses que, indiferentes aos humanos, acasalam entre eles, incesto de que resultou a estirpe dos independentes. Não são bem deuses, mas uma espécie de cabeças manetas e coxas. Olhando-os vê-se não serem nem de boa qualidade nem portadores de bons instintos. De entre os deuses, correlativos e afins, são os piores.
Constituem uma casta à parte a que é preciso estar atento pois só tratam deles próprios, ajeitam-se, e, quando apanham alguém que se põe a acreditar neles, roubam-lhe a alma.
Boa noite, espelho.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Purificadores

Na sua crónica, no último número da Visão (395), escreve, a dada altura, José Pacheco Pereira: “…o que transpira no actual discurso governamental é não só indiferença face ao empobrecimento generalizado dos portugueses, como a ideia implícita de que esse empobrecimento é moralmente bom, “purifica”, regenera. Salazar pensava assim, que a pobreza era uma virtude e muitos dos nossos governantes, como acham que tudo o que a mão do Estado toca é por natureza impuro, aconselham dieta aos magros, como se a mortificação a que eles presidem fosse um castigo divino executado pela troika e seus mandantes…”
E, mais adiante:
“…Passos Coelho retirou 25% do poder de compra a centenas de milhares de portugueses, que estão longe de ser mais do que remediados, na melhor das hipóteses, e não teve para com eles uma palavra sequer. Bem pelo contrário, apontou-os no dia seguinte como privilegiados, e como alvo para todos os trabalhadores do sector privado…”
JPP não descobriu a pólvora! Todos sabemos disto! Sabemos…!?
Não há muito tempo tive conhecimento de um “estudo de opinião” sobre as medidas de austeridade que foram e nos serão impostas. A maioria dos habitantes da sanzala ouvidos não discorda e até considera que elas contêm “alguma razoabilidade”! Talvez os satisfaça saber que o pão dos ricos paga um IVA igual ao do pão dos pobres. E continuam cantando e rindo, ululantes, incendiando estádios de futebol, e correndo a ouvir o fado, agora, orgulhosamente, Património Cultural Imaterial da Humanidade. Lá para Junho do próximo ano estarão agarrados aos televisores, gritando, possessos, aplaudindo ou vaiando os artistas do pé na bola do ajeitado Paulo Bento. Pobretes e alegretes, estes portugueses lá vão navegando por mares das alegrias dos tristes.
Li algures, a propósito da mexedela nos feriados, que “para bem do negócio e da Fé”, se deveria instituir o dia 13 de Maio como próximo feriado nacional!
Passos Coelho e os seus purificadores estão nas suas sete quintas.


domingo, 27 de novembro de 2011

O Fado


Confesso que passei muitos anos da minha vida olhando para o fado como um vendedor de coisas inúteis, como a melancolia, o ciúme e o encontro, desencontrado, de almas desatinadas. Assim como uma espécie de alegria dos tristes…
Talvez, não sei, por ter nascido em África e nela me ter tornado adolescente ao sabor e ao som das rebitas de Sábado à noite nos musseques empoeirados da minha Luanda, e adormecido embalado pelos cantares da Kyanda que as casuarinas da Ilha me traziam. Não sei, talvez!
Um dia ouvi Carlos Ramos cantar "Não Venhas Tarde" e disse para comigo: Há algo neste cantar que preciso entender. O mesmo me aconteceu quando me chegaram as vozes de Celeste Rodrigues (irmã de Amália), de Amália Rodrigues e Carlos do Carmo (a Voz!).
Hoje continuo a tentar entender o fado em toda a sua plenitude. O excelente vídeo que o Rodrigo (folha seca) colocou no seu blogue (desconhecia-o) deu-me uma ajuda. Já lhe agradeci a partilha.
A UNESCO acaba de considerar o fado Património Imaterial da Humanidade. Sinto-me bem. É que a seiva da Mãe África, que por mim corre, vive em harmoniosa coabitação com o sangue orgulhoso de ser Português!

Bom Domingo

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Reganhar a esperança


Não há descontentamento e indignação, se não os mostrarmos. A voz não será ouvida se ficar calada. O gesto não será entendido se não surgir. Nada se obtém sem reivindicação e ela terá que ser pública para ser visível. Como foi!
Os alucinados que nos governam (mercados, troika e governo, assim por esta ordem) teimam em não querer inverter o rumo do caminho para o abismo porque nos querem levar. Insistem em não ver que o povo português não se vai entregar, nem vender as suas ruas e praças. Tapam os olhos, escondem-se atrás da mentira. Denegrir para melhor reinar é o seu lema.
Ontem, dia da greve geral, a maior de que há memória na história do Nosso País, duas agências de rating consideraram Portugal lixo financeiro, e os juros da dívida dispararam. Persistem em amordaçar-nos, em roubar-nos a dignidade. O governo embatocou!
Mas o que os alucinados, porém, ainda não entenderam é que o Povo Português está a libertar-se da perpetuidade do alheamento…
A adesão à greve geral de ontem fez-me reganhar a esperança.
 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Greve Geral


Depara-se-nos, de novo, o cabo das tormentas. Tormentas já vencidas por mais de uma vez. Com todos os golias que os rodeavam, os adamastores acabaram sempre por vergar-se, perante os nossos davides. É tempo de voltarmos a pegar nas nossas fundas, apagarmos o sorriso falso e afastarmos a astúcia das carícias fingidas com que nos fustigam o corpo nos fazem doer a alma e nos humilham o espírito.
As medidas de austeridade que querem impor à parte já, e desde sempre, sofredora do povo português são despidas de solidariedade e humanismo. São bárbaras e desumanas.
Enquanto português sinto-me ofendido. Tais medidas repugnam-me, como porcaria que são. E mais me repugna o sorriso alarve e grotesco com que os membros do Governo (o ministro das Finanças e PM gargalharam) se apresentaram na Assembleia da República, aquando da discussão do Orçamento do Estado!
Durante a minha vida, não muito curta que já sou pensionista, jamais deixei de aderir e participar numa greve. A não submissão está-me no sangue como, creio, corre, igualmente, pelas veias dos meus compatriotas.
Aos meus compatriotas, mesmo àqueles que pensam que as medidas de que acima falo os não beliscarão em demasia (um erro, porque depois dos outros seremos nós), não peço, mas digo: Adiram à greve, apoiem-na. E, depois dela, façam de ruas e praças o seu sítio de estar. Nunca um machado cortou a raiz ao pensamento nem tolheu o gesto de recuperação da dignidade de um povo, que a sente perdida.
Gostava de ver amanhã uma bandeira portuguesa em cada janela, como sinal de apoio à greve.


sábado, 19 de novembro de 2011

Não basta estarmos indignados!

 
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor nos ramos
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo de uma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo de uma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos p'la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca, brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca.
(José Afonso)
A todos um bom Domingo

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Escultura (II)

 


Querem 
que se desligue das ideias.
Que se livre de si próprio, para deixar de compreender-se.
Ele diz que não.
Em cada ideia, acrescenta, há uma forma humana, e são muitas as que com ele convivem.
Empurra o dia. Sobe pela madrugada e nela fica olhando a terra cheia de fronteiras.
Não hão-de os muros detê-lo.
A fala deixará de ser mansa e o gesto curto.
Há-de chegar a campo livre.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Escultura







Tenho tentado entrar à conversa com os meus sonhos.
Em vão!
Chegam. Falam-me…
…e partem sem me ouvir.
Deixam-me, numa mão, chávena cheia de tédio saído de mim, porque em mim o fastio já não tem onde estar.
Noutra, a opressão que me estrangula.

sábado, 12 de novembro de 2011

Zangar-se-á, a calma?


 E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão

Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito dos rios fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar
(Chico Buarque)
Bom fim-de-semana 

domingo, 6 de novembro de 2011

Não me inclino...

Domingo

Chegou-se ao português vindo do latim “dies Dominicus”. Adoptado, passou a ser o “dia do Senhor”. O mesmo fizeram os castelhanos, italianos e franceses tratando-o por Domingo, Domenica e Dimamche.
Os pagãos da Antiguidade, servos de vários senhores, também o tiveram, mas como “dia do Sol”, o astro a que chamavam rei, título que igualmente nós lhe reconhecemos, até ver. Aos gentios foram outros povos, como o inglês e o alemão, buscar os seus Sunday e Sonntag, sempre como “dia do Sol”, neles pondo o Sun e o Sonn para que assim continuem a ser.

Não tenho Senhor nem astro de estimação desde que mataram Plutão ao fim de 76 anos de vida como planeta (╬1930-2006). Por isso, ao dia chamo apenas Domingo. Sempre me pareceu um dia que não gosta de contacto com os outros, deles vivendo, permanentemente, desirmanado. Talvez, não sei, por ele acreditar ser o tal “dia do Senhor”.
Chegou hoje sem o choro das nuvens, meio frio, sol embrulhado em farrapos de nuvens, e com vento do lado da lezíria, fustigando os jacarandás e as acácias plantados nos passeios, que parecem vergar mas logo recuperam a verticalidade, não se ajoelhando ao vento, cientes que estão do justo e merecido que é o seu crescimento.
Ajoelhar ajoelhou, sabe-se neste Domingo cinzento, de notícias negras, o líder do PS perante o sacrossanto império da empedernida, trauliteira, conservadora e neo-liberal direita que nos governa. De joelhos, orou: O PS não votará contra o Orçamento de Estado para 2012, não senhor, abster-se-á, tanto na generalidade como na especialidade. Saia desta última discussão o que sair, a abstenção está garantida! Pouco lhe importam os cortes de salários e de pensões, aumentos de impostos, cortes na saúde e na educação, redução dos meses de indemnização por despedimento, aumento gratuito do horário de trabalho conduzindo os trabalhadores à escravatura, retirada de disciplinas importantes do currículo escolar, e mais um sem número de medidas de austeridade asfixiantes, a par da manutenção dos privilégios ao capital como a recapitalização da banca com o dinheiro dos contribuintes, a começar já pelo BCP. Pouco lhe importam! 
Não se lhe escuta, com voz que se ouça, uma única palavra de combate às medidas bárbaras e desumanas que a direita quer impor ao povo português. Não se lhe escuta uma única palavra em defesa da nossa dignidade a soberania. Não se lhe ouve dizer basta! Não votando contra o Orçamento de Estado, o líder do PS trai o povo que faz Portugal.
Não tarda, vê-lo-emos nas televisões a clamar ter encontrado, algures, uma nova Cova da Iria e nesta lhe ter surgido uma senhora vinda dos céus, coberta com uma túnica cor de laranja, pedindo-lhe para rezar pela submissão dos portugueses. Para que sobre o meu país volte a cair uma noite só noite, sem luar, sem estrelas.
Pensando em tudo isto, concluo como Pessoa: “Pensar, ainda assim, é agir.”

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A ver se me pasa a neura (II)


...E se posso continuar a sonhar…
 Hoje, vamos numa de culinária! Porquê a admiração!?
A obra chama-se PERCA-DO-NILO AO DENDÉM. Não basta o poder de criar. São necessários pontos de apoio. Aqui estão eles, para quatro pessoas:
Perca-do-Nilo: Quatro postas;
Camarões: Três, por cada posta de peixe, descascados sem se lhes tirar as cabeças;
Cebolas: Cortadas às rodelas finas, que garantam a cobertura do fundo de um tacho, em duas camadas sobrepostas. (De preferência chalotas. Na falta destas qualquer outra como, por exemplo, a cebola pêra);
Alho: Dois dentes descascados e esmagados;
Tomate bem maduro: Quatro, cortados aos pedaços;
Gengibre: Uma colher de sopa de gengibre fresco ralado;
Óleo de Palma: Uma lata pequena, para se utilizar apenas metade;
Azeite: Um fio;
Vinho branco seco: Um copo;
Leite de coco: Três colheres de sopa;
Sal e Gindungo caluqueta, como se diz na terra onde nasci, ou piripiri, como é hábito chamar-se-lhe por cá: Ao gosto e ao paladar de cada um.
NOTAS: A perca-do-nilo é um peixe de água doce originário da região da Etiópia por onde passa o Nilo Azul. De alto valor nutritivo e comercial é hoje a principal fonte de divisas da Tanzânia que, depois de com ela ter povoado o Lago Vitória, a exporta para os países da UE, incluindo Portugal. Por cá a encontramos, fresca ou congelada (de excelente qualidade). O óleo de palma é um azeite que se obtém da prensagem e centrifugação do dendê (ou dendém), fruto do dendenzeiro, ou Palmeira-Dendém. O mosto que fica, a que se chama moamba, é também aproveitado em culinária, sobretudo em África e no Brasil. Do caroço do dendê, ou coconote, extrai-se um óleo, que é saponificado e utilizado no fabrico de cosméticos. A perca-do-nilo, o gengibre fresco, o leite de coco e o óleo de palma compram-se em qualquer super ou hipermercado. As chalotas são mais difíceis de encontrar. Posto isto, mãos à obra.
Dendém
Cebola para dentro do tacho, mais o alho, o fio de azeite e um pouco de vinho a cobrir. Deixar ferver até que a cebola fique transparente, mas não aloure. Juntar o tomate e o gengibre, mexendo e deixando ferver mais um pouco. Adicionar o óleo de palma, refugando tudo, mexendo com colher de pau para que o tomate fique em pasta, engrosse e apure o caldo. Acrescentar o resto do vinho mantendo a fervura. Temperar de sal e Gindungo (dois bagos secos, ou mais, depende do picante que cada um quiser). Juntar o peixe e o leite de coco. Abanar o tacho. Se o peixe não ficar coberto pelo caldo, acrescentar água até tapar as postas, dando mais uma sacudidela ao tacho. Deixar cozer o peixe. Acertar o tempero de sal e Gindungo. Aqui chegados juntar os camarões, mantendo o preparo ao fogo por mais cinco minutos.  Está pronto! Para acompanhar: arroz branco, banana de assar, cortada às rodelas e frita, e farofa, sendo esta feita com farinha de mandioca (também conhecida como farinha de pau) torrada e moída em grão grosso, à venda em pacotes de um quilo. Juntar a porção de farinha que se queira com um preparado de vinagre de vinho branco, uma colher de chá de vinagre balsâmico, cebola muito picada e pimenta-caiena, até se obter uma mistura areada.
Gindungo Caluqueta
Para beber, não sendo muito exigente: Um branco seco do Douro, Planalto é uma escolha acertada, ou um da região de Azeitão, o Pegões que, não sendo seco, também vai bem. Bom apetite!
 

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Tremura da alma



"Um dia a lágrima disse ao sorriso: invejo-te porque vives sempre feliz...


 ... O sorriso respondeu: enganas-te, pois muitas vezes sou apenas o disfarce da tua dor".
(Autor desconhecido)
 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Peço um título

(Esta foto, de autor desconhecido, está guardada na Biblioteca Pública de New South Wales - Austrália)
Desejo a todos um bom fim-de-semana.

A saudade não cabe cá dentro!


Éramos seis. Catraios desenfreados e reguilas, alunos do sábio e paciente professor Cardoso na Escola 8 em Luanda, onde frequentávamos a primária. Quatro negros, dois brancos.
Não éramos estudantes por aí além, mas também com aquele mestre bastava ouvi-lo atentamente e seguir o que ele escrevia e desenhava no quadro negro (o que fazíamos) que o saber ficava-nos. Diziam uns mais velhos que éramos “os putos que sabiam”. Não seria tanto assim, mas a verdade é que passámos sempre de classe com bom aproveitamento e abraços do Prof.! Que agradável era sentir aquele peito de homem bom encostado ao nosso! Também havia tabefes, reguadas e castigos, claro, mas aquilo era como o bater de mãe: não doía.
Não ficávamos pela escola. O nosso era um grupo de aventureiros. E a aventura não estava na sala de aula (só havia uma), onde, pensávamos, já tudo tínhamos descoberto (para nós escrita e contas eram um tu cá tu lá, até sabíamos onde pôr a cedilha e o h do verbo haver, para já não falar da tabuada que dizíamos enquanto o diabo esfregava um olho), mas fora dela.
Viesse uma borla, ou decidíssemos uma borla (sim, também o fazíamos!) e pronto! Lá íamos os seis atravessar a rua a correr, guinar para cima em direcção ao Miramar e, aqui chegados, flectir para as Barrocas do Bungo, à procura dos sulcos de terra vermelha que desciam para o Mar da Boavista, lá muito em baixo. Só nos metíamos nestas andanças quando a luz que vinha do céu chegava sem nuvens, apenas deixando ver o azul. Chuva nas Barrocas era um Deus me livre!
Lá íamos, descendo o monte, numa correria trôpega e ziguezagueante, saquetas da escola bem agarradas ao pescoço e sandálias nas mãos. Chegávamos lá abaixo cansados, mas ainda com forças para o encontro com o mar. Entrávamos pisando a borda baixinha do Atlântico que, embora por vezes envergonhado, parecia estar à nossa espera. Envergonhado, sim, porque havia dias em que nos acolhia com as águas barrentas tingidas pela lama vermelha arrastada das Barrocas por chuva violenta da véspera. E disso, estou certo, ele não gostava. Preferia banhar-nos com águas cristalinas.
Foi ali, esbracejando por espumas brancas e lamas, que me lancei na aventura do mergulho no oceano. Conheci-lhe a carícia. Aprendi a não lhe contrariar a força e a vê-lo por dentro. Tomei-lhe para sempre o gosto salgado como os das primeiras lágrimas que chorei. Demos e damo-nos bem. Mais tarde apresentou-me a Kyanda, na Ilha de Luanda.
Foi ali, à beira do Mar da Boavista que conheci amigos grandes: os pescadores, gente boa como pouca tenho encontrado.
Para além de sabedorias aprendidas no convívio, conversávamos, sem pressas, sentados na areia, em círculo. Ensinaram-me eles a arte de ximbicar as canoas: movê-las, não com remos, mas com bordões que fincavam no fundo do mar, impulsionando-as, o que exigia habilidade e perícia. Muitas vezes me aconteceu não subir o bordão a tempo, continuando a canoa a deslizar. Ficava, então, agarrado ao pau pendurado aos pinotes no ar, como um kamundongo preso pela cauda. Depois, está bom de ver, era a queda na água, o esbracejar e o vir à superfície com alguns pirolitos pelo meio e ranhoca a correr-me pelo nariz. Os pescadores riam e diziam: “munanga não lhe dá no jeito”. Mas, como mestres aplicados, insistiam. E eu aprendi!
A chegada a casa, sempre tardia, que o caminho demorava, era outra aventura: ralha, tareia da mãe e banho forçado com sabão macaco, pois então!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A ver se me passa a neura...


No Reino vegetal

Aquele anafado, que ali vai, mora no rés-do-chão do prédio de gaveto da Rua Sul. Ao olhar-se-lhe fica a impressão de ter vencido a insónia. Parece fresco que nem uma alface. Atrás, caminha o vizinho do primeiro direito a quem, há tempos, chamou, na fervura de uma altercação, mariquinhas pé de salsa. Mais ao fundo, vê-se agora, vem a porteira do condomínio. Já lhes pôs o olho em cima. Lembra-se ela de ter assistido, por mero acaso, à discussão entre os dois. Na altura, nada disse que se ouvisse. É pessoa comedida, não um ser metediço na vida dos outros, já lhe bastam os enredos da sua, mas pensou lá com ela: pois, aquilo é só repolho podre, a culpa é de quem os criou que se esqueceu que é de pequenino que torce o pepino. Se qualquer deles tivesse escutado aqueles pensamentos teria, certamente, ficado vermelho que nem um pimento. A porteira acelera o passo, passa-lhes à frente e vai à sua vida, de bengala a dar a dar, que os joelhos já nem como aloé lá vão.
Mais rápido, não vá o que vem atrás chegar-se-lhe, o do rés-do-chão dirige-se para o café da praça ao fim da rua onde é hábito encontrar-se com um amigo, com este matabichar e dar um dedo de conversa, por vezes dois, antes de seguir cada um para o emprego. Chegou. O amigo aparece. Sentam-se, pedem o costume.
Diz o amigo:
- Então, trouxeste o livro que te pedi ontem?
- Não, não me lembrei.
- Irra! Já é a terceira vez. És bem um cabeça de alho chocho!
- Deixa-te disso, vai à fava, trago-to amanhã.
Os croissants e o pão de Deus recheado foram-se, as meias de leite esvaziaram-se.
- Vai uma bica?
Pergunta o do rés-do-chão, que logo continua:
- Lembras-te de te ter contado aquela cena com o meu vizinho do primeiro direito?
- Sim, e então?
- Pois não é que ontem à noite, estava ele à janela e eu a chegar, me chamou abóbora!
- E tu, o que fizeste?
- Nada, para discussão já basta a que houve.
- Que grande nabo me saíste, és bem um banana!
A conversa fica por aqui, porque da mesa ao lado se levanta uma colega do morador do rés-do-chão por quem este sofre de amores inconfessados.
- É boa como o milho!
Diz o amigo.
- Pois é.
Insiste o amigo:
- Só não percebo porque tremes que nem varas verdes sempre que a vês.
Já levantado, o do rés-do-chão, mãos nos bolsos e cigarro ao canto da boca, lá vai para o trabalho, a pensar com os seus botões: que coisa, nem hoje que é Sexta-feira, dia de Vénus e de Afrodite, ele me larga o tomateiro!
 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um cantar para o fim-de-semana

Trago-vos Atahualpa Yupanqui
Espero que gostem. 


Bom fim-de-semana.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

É hora!


Os momentos porque passamos são instantes em que nos pesam a angústia, a desilusão, o desespero e a indignação. A miopia que vemos, e para além de ver também ouvimos, fazem-nos sentir envoltos numa névoa, escrita a cinzento, que persiste em querer ser contínua.
Por mim, não quero mais ouvir as vozes, nem ver os rostos dos algozes do meu país, que querem exterminar-nos.  
Dá-me ganas de partir, talvez seja melhor dizer fugir, mas logo me sustenho na minha cubata à beira da encosta rugosa da minha ilusão onde a escravatura não é a lei da vida, e onde nunca quis, nem quero ter, um leito de morte lenta. 
A revolta é possível. Não temos que ter pela Liberdade um amor cobarde.


domingo, 16 de outubro de 2011

O assalto do desgoverno

 "Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara"
(José Saramago)
[“Não há alternativa? Há sempre uma alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça. E o que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse, de forma incondicional, ao lado do povo que o elegeu e não dos credores que nos querem extrair até à última gota de sangue.” Nicolau Santos, in Expresso de 15 de Outubro]
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[“Os seus propagandistas (do Governo) podiam poupar-nos a ilusões e a demagogia ideológica: daqui (das medidas do Orçamento) não resultará qualquer Estado mais virtuoso na sua magreza, nem nenhum país mais competitivo, nem um Portugal melhor. Sairá um país mais pobre, exausto, mais dependente, menos culto, menos qualificado, com maiores diferenças sociais, mais zangado e mais violento e, muito provavelmente, com menos liberdades.” Pacheco Pereira, in Público de 15 Outubro]
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[“Até há dias, a estratégia do Governo passava por diferenciar Portugal da Grécia. Paradoxalmente, para evitar sermos vistos como a Grécia, a solução agora proposta é a mesma que levou ao descalabro económico e social que se vive nas ruas de Atenas. O fim dos subsídios de férias e de Natal, a somar a todos os outros cortes salariais e aumentos de impostos, terá inevitavelmente duas consequências: o colapso da procura interna e uma recessão ainda mais profunda do que o previsto.” Pedro Adão e Silva, in Expresso de 15 de Outubro]
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[“Já basta e ofende a desculpa da herança do anterior governo. Primeiro, porque juraram que não o fariam; segundo, porque só mostra que nada sabiam do estado do país e não estavam preparados para governar, mas apenas para ocupar o poder; terceiro, porque, que se tenha percebido, o tal buraco inesperado de 3 mil milhões decorre, todo ele, da privatização do BPN, nas condições definidas por este governo, e das dívidas escondidas do querido Jardim, criatura emérita do PSD.” Miguel Sousa Tavares, in Expresso de 15 de Outubro]
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[“O homem não está bem...
Este argumento já não se explica apenas com o facto de o homem ser aldrabão. O problema é bem mais grave e terá de ser tratado no foro clínico próprio. O homem não é apenas incompetente, é absolutamente inconsciente e os seus actos transformam-no num criminoso. Talvez inimputável, mas CRIMINOSO!
Há coisas que ficam bem claras.
-Os funcionários públicos nunca mais vão receber subsídios de férias e Natal.
-Dentro de seis meses o governo anunciará novas medidas de austeridade.
- A economia portuguesa ficará arruinada por décadas.
-O desemprego subirá em flecha.
- A pobreza aumentará de forma desmesurada.
-Os bancos ficarão empanturrados com casas devolutas, que não poderão vender, porque não há dinheiro para as comprar.
-Os jovens apenas terão um futuro: emigrar!
Isto não é o Apocalipse... é o fruto da incompetência e inconsciência dos nossos governantes.” Carlos Barbosa de Oliveira, no seu blogue CRde 16 de Outubro]

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Do Mwata

O Tempo
Já lá vai o tempo em que o Tempo me dava tempo.
Agora, não. Já pouco me cede, e nem por empréstimo se alarga um coche que seja, antes se encolhe. Magoa-me, dói-me.
Para além dos padecimentos físicos, põe-se a arranjar-me outros. A ele não lhe falta o tempo para me mortificar, e passa o tempo a dissimular como um fingidor.
Ora me diz que sim, está tudo bem, abrindo-me alentos, ora me amanhece com penares e interrogações, ora me inquieta e desassossega o sono despertando-me com outros oras, roubando-me o tempo do retempero. Quer que eu caminhe sem andar, que ouça sem escutar, que veja sem enxergar, que chore sem lágrimas, que ria sem riso, que grite sem voz, que sonhe sem sonhos, que sofra com dor. Que me zangue sem ira. Que seja inútil e estéril.
Só não diz, nem disfarçando, a que tempo se irá o Tempo.
Mas, o que seria dele sem mim? Nada!
Tenho razão e coração. E ele? Falta-lhe uma coisa, desconhece a outra. Ouço e gosto de ouvir e ver. Olhar o dia, que me traz a luz, os sons e os odores lá de fora, a chegar-me de manhã pela janela semi-cerrada, às vezes de madrugada, e, quando é Primavera, a deixar-me acompanhar o esvoaçar das andorinhas à procura dos beirais, pelo ar aos arrebiques, pintando-me o carro com os seus dejectos ácidos, ou de ver o vizinho que calcorreia, rápido, a rua a caminho da nova pastelaria em busca do croissant acabadinho de sair do micro-ondas. E mesmo no Inverno, quando chove e graniza, ou a luz não é a do Sol mas a de um relâmpago. E ele? Que vê ele?
Quando choro de dor, do magoar que ele insiste em pegar-me, tenho uma mão amiga que me afaga a face, me olha nos olhos e me sustém as lágrimas. E ele?
Quem lhe dá um ombro suave para repousar a cabeça e lhe fala de coisas simples como pagar a conta da água ou do gás, cada vez mais caras, ou prenuncia a discussão que está para chegar e não atira as zangas para amanhã; das compras a fazer vinda a bonança, ou, ainda, das férias que se hão-de gozar, dando-lhe a consciência de que ainda vive?
Andou ele, alguma vez, por poças de água de caminhos molhados. Deitou-se ele, alguma vez, no capim encharcado depois da chuva? Quando bebeu ele água das lagoas ou rios, depois de neles ter mergulhado, levando-a à boca com as mãos? E o funge, o pirão e o jindungo? Sabe ele o que são? Jogou ele, alguma vez, de pé descalço, com bola de meia enchida de trapos e sumaúma na diloa dos musseques?
Amou ele, alguma vez, ao luar filtrado pelas casuarinas sobre a areia da praia, arfando de amor?
Ouviu ele, alguma vez, o riso ou o choro de uma criança do mesmo sangue, mais lindos do que os brilhos das estrelas, encostada ao peito, aonde se aconchega para um sono tranquilo e seguro?
Teve ele, alguma vez, tempo para tudo isto? Não, só para me tirar o tempo!
Entre mim e ele corre tudo o que nos separa.
Quem o inventou, quem o trouxe para o meio da gente?