“…Diz-se que o mal não atura, embora, pela fadiga que traz consigo, pareça às vezes que sim, mas o que nenhuma dúvida se tem, é não durar o bem sempre. Está um homem em suavíssimo torpor, ouvindo as cigarras, não foi a comida fartura, mas um estômago avisado sabe encontrar muito no pouco, e além disso temos o sol, que também alimenta, eis senão quando ressoa a corneta. Se estivéssemos no vale de Josafá mandávamos acordar os mortos, assim não há outro remédio que levantarem-se os vivos…”
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“…Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltasar, e Belimunda respondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue.
Quando, de manhã, Baltasar acordou, viu Blimunda deitada a seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro…”
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“…Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu…”
(Extractos de Memorial do Convento)
8 comentários:
"o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu…”
Uma grande obra para ler e reler.
Beijo
Confesso, que nunca li o Memorial do Convento, embora todo o mundo me diga que é uma obra prima.
3 dos livros do Saramago foram-me oferecidos por familiares.
1 comprei-o eu na Feira do Livro do Porto há 4 anos.
2 li-os em alemão, e pertenciam à Biblioteca Municipal de Düsseldorf.
Na próxima segunda-feira, dois dos meus blogues vão também recordar Saramago.
A minha antipatia por ele, claro que não é como escritor. A razão é de tal maneira ridícula, que se a confessasse, enterrava um espeto na minha própria carne.
Meu querido amigo, mais um texto muito interessante...tenha um lindo final de semana...Beijocas
acácia rubra
Sem dúvida!
Marilu
Obrigado!
Bom fim-de-semana, também para você.
ematejoca
Não entenda as minhas palavras com conselho (quem sou eu para os dar?!), mas apenas como sugestão - leia o Memorial. Julgo que dará o tempo por não desperdiçado.
Na próxima semana irei espreitar os seus blogues...
Quanto à razão de que fala, porque há-de ela ser ridícula? A razão, quando é nossa, é apenas isso, a nossa razão, sem que a envolvamos com adjectivos.
Amigo Carlos!Sei que estou em falta com os amigos em visitas,mas sei também que estão comigo no meu coração e nas horas piores...obrigado pelas palavras.Quando o tempo dá gosto bastante de ler,o memorial do convento nunca li,mas neste pequeno texto(passagens) do mesmo e como gosto de Saramago,irei ler...muito trabalho!.
Beijinho bfs Lisa
Meu Querido Apóstolo,
Cheguei tarde aqui, retardado pela enternecida imagem do primeiro aniversário do meu neto. Mas julgo vir a tempo de comentar que estas suas transcrições cumprirão o seu designio:
Não deixar cair no esquecimento as palavras necessárias, num tempo em que o preço do pão aumenta...
(este seu pão, pão da alma, custa apenas o esforço de um gesto seu, na esperança da multiplicação dos pães)...
Lá irá ser citado, na minha "Homilia Dominical"
Abraço Amigo
Lembro-me...
:-)
Beijinhos.
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