A noite passada quase me deixava adormecer e se me fechavam os olhos à chave. Um repente sacudiu-me, despertou-me, e vi-a chegar. Não me pareceu uma estrela entre estrelas. Provavelmente, nem estrela seria. Mas que se despegou do manto tricotado a luzes, lá em cima, e veio rodopiando cá para baixo, é verdade!
Tive-a, sentada, a meu lado. Perguntei-lhe ao que vinha. Cumprir uma ordem, disse. Uma ordem? Que ordem? Uma ordem, e basta, replicou, seca, denotando ser senhora de personalidade conflituosa.
Não são muito de fiar, as estrelas que falam. Desconfio que aquela, pois que fosse estrela e não um qualquer objecto desassossegado e perdido, sem nome, seria a do anúncio do nascimento de um Menino, a querer dizer-me que amanhã seria Natal. És tu, não és? Carregou-se-lhe o olhar, crispou-se-lhe a face. Disse não dispor de tempo para conversas, a noite poderia esgotar-se rapidamente. Não desfez a minha desconfiança.
Falei-lhe que não, que não queria que nascesse outro Menino, o fizessem crescer e depois o pregassem vivo a uns paus cruzados, ali o deixando até a morte o desamarrar da dor e do sofrimento. Não, insisti, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que todos os dias morrem de fome, pregados aos braços de mães moribundas. Não, teimei, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que, todos os dias, as guerras mutilam, aniquilam. De outros milhares, que todos os dias são atirados para as ruas apodrecidas da prostituição, ou devorados pela pedofilia predadora. De outros milhares diariamente acorrentados a trabalho escravo. De outros milhares a quem todos os dias põem armas na mão, maquinando-os para o mal, dizendo-lhes vão, vão matar.
Não, não quero que faças nascer outro Menino! Não quero que ergas mais cruzes.
Quero que ensines os botões de flor a sorrir, o mar a cantar e o vento a embalar sonos livres. Quero que mates a fome, cures a doença, pares a guerra e apagues a violência. Quero que não roubes almas, mas lhes dês forma e beleza, as enchas de valores e as forres de Natal. Quero que cuides de todos aqueles meninos e meninas, e não faças nascer outro Menino. Quero que corras, com o chicote que já usaste, as mentiras dos homens.
Sem me olhar e nada dizer, cabisbaixa, envergonhada me pareceu, a estrela regressou. Foi, por ali acima, esconder-se por detrás das nuvens, deixando-me só, a olhar para a negritude do céu.
(Participação em Fábrica de Letras)
Tive-a, sentada, a meu lado. Perguntei-lhe ao que vinha. Cumprir uma ordem, disse. Uma ordem? Que ordem? Uma ordem, e basta, replicou, seca, denotando ser senhora de personalidade conflituosa.
Não são muito de fiar, as estrelas que falam. Desconfio que aquela, pois que fosse estrela e não um qualquer objecto desassossegado e perdido, sem nome, seria a do anúncio do nascimento de um Menino, a querer dizer-me que amanhã seria Natal. És tu, não és? Carregou-se-lhe o olhar, crispou-se-lhe a face. Disse não dispor de tempo para conversas, a noite poderia esgotar-se rapidamente. Não desfez a minha desconfiança.
Falei-lhe que não, que não queria que nascesse outro Menino, o fizessem crescer e depois o pregassem vivo a uns paus cruzados, ali o deixando até a morte o desamarrar da dor e do sofrimento. Não, insisti, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que todos os dias morrem de fome, pregados aos braços de mães moribundas. Não, teimei, já bastam os milhares de outros meninos e meninas que, todos os dias, as guerras mutilam, aniquilam. De outros milhares, que todos os dias são atirados para as ruas apodrecidas da prostituição, ou devorados pela pedofilia predadora. De outros milhares diariamente acorrentados a trabalho escravo. De outros milhares a quem todos os dias põem armas na mão, maquinando-os para o mal, dizendo-lhes vão, vão matar.
Não, não quero que faças nascer outro Menino! Não quero que ergas mais cruzes.
Quero que ensines os botões de flor a sorrir, o mar a cantar e o vento a embalar sonos livres. Quero que mates a fome, cures a doença, pares a guerra e apagues a violência. Quero que não roubes almas, mas lhes dês forma e beleza, as enchas de valores e as forres de Natal. Quero que cuides de todos aqueles meninos e meninas, e não faças nascer outro Menino. Quero que corras, com o chicote que já usaste, as mentiras dos homens.
Sem me olhar e nada dizer, cabisbaixa, envergonhada me pareceu, a estrela regressou. Foi, por ali acima, esconder-se por detrás das nuvens, deixando-me só, a olhar para a negritude do céu.
(Participação em Fábrica de Letras)
19 comentários:
Linda e comovente narrativa, amigo.
Ainda que haja tristeza, continua *firme, constante, inteiro*. Com perseverança e muito humanismo. Valores que me tocam demais.
Obrigada, Carlos,
Sempre.
Votos de Bom Dia de Natal*
Beijos a si e aos seus.
Renata
Um dos textos mais lindos que já vi. Parabéns meu amigo, pela solidariedade em seu coração e otimismo. Esperança é teu nome. Bjão e Feliz Natal!
Lindíssimo texto.
Felizmente que a anestesia não lhe retirou as qualidades.
Comovente, um pouco triste mas muito verdadeiro.
Beijinhos
Que a estrel que talvez não fosse estrela, tenha escutado os seus pedidos, pedidos quase súplicas, a revelarem um ser humano muito sensível às realidades do mundo em que vivemos...
Abracinho
Carlos
Que contente me sinto de voltar a ler os seus textos, cheios de criatividade e sensibilidade. Só espero que a estrela tenha atendido aos seus pedidos!
Bjs
Tão lindo, falar de estrelas e de Jesus...
O Natal devia ser para sempre em nossa vidas, nao acha? Nessa época há mais amor espalhado no ar, e os homens e mulheres estão mais predispostos ao perdão.
Boa noite e que seu Natal tenha sido mágico!
Belíssima história, Carlos.
Que bom tê-lo de volta à blogosfera.
Beijos.
Carlos
Pois parece mesmo de uma maldade sem fim a vinda de tantas milhares de crianças ao mundo para cumprirem tais destinos... Fica incompreensível aos olhos de quem se permita pensar sobre isso. É imensamente triste!
Por isso não resta mesmo a essa estrela recolher-se, pois enquanto os homens permanecerem insensíveis, egoistas, insanos, nascerão crianças predestinadas ao sofrimento e a dor... Para nossa imensa tristeza...
Espero que esteja bem, meu amigo, e que seu Natal tenha sido de paz.
Continua em minhas orações.
Olá Carlos.
Obrigado pela visita ao meu blog e pelo comentário.
Desejo a você que a luz do Natal se reflita por todos os dias do Ano Novo.
Abração
Meu amigo, gostei muito deste
texto.Um abraço.
Carlos,
Um texto, narrado com os sentidos à flor da pele.
Talvez a estrela fosse um Anjo... e levasse o seu pedido para o Céu!
É tempo de UM MUNDO MELHOR!
PS: Continuação de boas melhoras... e a recuperação seja rápida!
Beijo no seu coração.
Olá,
Espero que tenhas tido um Natal muito feliz. Aproveito para desejar que o Novo Ano te traga tudo o que mais desejas.
Bjs.
Sem comentários, pois o texto em si, basta!
Que bom que estás de volta e, como sempre, com palavras fortes e delicadas.
Deixo aqui meus votos de um GRANDE ANO NOVO para ti, meu querido amigo.
Tudo de muito bom neste ano que se aproxima.
Beijinhos
Carlos
Primeiro, deixa-me dizer-te que estou feliz com o teu regresso, sinal de que tudo correu bem!
Depois, agradecer-te as tuas visitas e comentários que tanto enriquecem o meu humilde espaço. Gosto da maneira como escreves e adorei esta conversa com a estrela natalícia...ou não(seria ela mesmo?) e o modo como lanças aos quatro ventos, o alerta sobre os meninos crucificados de tantas maneiras...
Que o Menino, tome conta deles porque os homens...esses, já se esqueceram a razão do Natal!!
Que o 2010 seja um Ano bom para todos e, particularmente ,para ti e que eu possa contar sempre com a tua Amizade!
Feliz Ano!
Um beijo
Graça
Carlos
Também eu já dei comigo, muitas vezes a questionar as estrelas, e sabes o que fizeram? Ficaram lá no alto e intocáveis continuam a brilhar...
Cá dentro sei, porque sei, que estão zangadas connosco.
Querem à viva força que sejamos nós a encontrar a resposta. O brilho que oferecem deveria ser o bastante, mas não é...
A humanidade anda às escuras e não se enxerga!
Um beijinho e... fico a "torcer" por si!
Maravilhoooooooso texto...
Um beijo grande.
"Se chovesse felicidade, eu lhe desejaria uma tempestade. Feliz Ano Novo!"
Bom aproveitamento de uma história bíblica para evidenciar a realidade.
Meu caro amigo Carlos,
Ainda ninguém, que eu tivesse lido até hoje, me tocou tão fundo.
Lindo demais, triste demais.
A verdade pura e crua, vista e escrita por alguém simplesmente fabuloso.
Bem-haja.
Beijinhos
Ná
CARLOS: estou triste por não teres dito que já cá estiveste...Não faz mal, o que importa é que estejas de saúde . O resto vem com o tempo! Bom ano, amigo.
LUsibero
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