Porque a memória permanece
viva:
A última vez que te vi
estavas deitada, serena, dada ao sono de que não se desperta. Olhei-te.
Invadiu-me uma raiva maior que a dor. Foi
dela que eu nasci, disse para mim, em
silêncio, agarrado à solidão que se me chegou. Não chorei. Tocaram-me no ombro.
Vi taparem-te. Fizeram-me um sinal.
Acompanhei a tua viagem até
ao local em que te desceram e te cobriram com uma terra diferente da que te
vira nascer. Segurei as lágrimas que teimavam em soltar-se. Aquela mágoa não a
quis partilhar. Era só minha! Sofri-a na alma e no meu coração que sangrou.
No suco dos meus olhos vi, então, partes da nossa vida. A
tua foi longa, chegaste perto dos 100. Lembrei-me que tempos antes te fôramos
visitar, já tu vivias num mundo longe do nosso. Oferecemos-te uma caixa de
bombons. Deliciaste-te, eu vi, mas as palavras que então disseste já nada
tinham a ver connosco. Estavas noutro local, provavelmente num paraíso para que
te transportaras, onde contigo vivias, e nós não habitávamos.
Recordei-me, também, do muito que me ensinaste. Um dia, era
eu ainda um catraio que jogava descalço com bola de trapos, fui fazer-te queixa
de uma “malandrice” que o meu irmão me fizera – zangado, rasgara-me a camisa.
Soubeste da atitude dele, vi nos teus olhos que não gostaste, e logo pensei
agora é que ele vai ver! Atiraste-lhe umas palavras, de que já não me lembro, e
ele voltou para o quintal. A mim deste-me um ralhete, apontaste-me o dedo e
disseste: não se denuncia um irmão!
Aprendi para todo o sempre! Como para sempre em mim ficaram
os carinhos das tuas mãos fagueiras, nos tempos em que caminhava pela minha
meninice.
No momento em que a última pá de terra sobre ti caiu, subiu
um eco trazendo-me à memória silêncios. Silêncios meus, hoje cheios de palavras
que gostaria de te ter dito.
Não sei por onde andas agora. Pouco importa. Mas se te
voltar a encontrar, dir-te-ei: Mãe gosto muito de ti.
Beijo a tua memória.
( A todas as mães desejo
um bom dia.)
19 comentários:
Caro Carlo Albuquerque
Um texto que "gostava" de ter escrito. Tentei, mas não saiu nada. Usei como faço muita vez e não encontro o certo, as palavras do Zeca, ditas como só ele sabia fazer.
Abraço
Rodrigo
Querido Carlos, em silêncio porque não lhe consigo traduzir em palavras o quanto me tocou este seu belissimo texto, lhe deixo o meu grato beijo.
Este texto, meu amigo, comoveu-me muitíssimo. Para mim, hoje é também um dia muito triste: perdi a minha Mãe há seis anos no dia 25 de Abril.
Aqui, na Alemanha, o Dia da Mãe é sempre um domingo mais tarde do que em Portugal. Enquanto a minha mãe viveu e, eu ainda eu não andava pela blogosfera, esquecia-me quase sempre de lhe telefonar nesse dia.
Também eu estava convencida que não sabia por onde a minha Mãe andava, mas agora até sei: ficou eternamente dentro do meu coração.
Um abraço da amiga de longe.
Pusete-me a chorar, o que também é quase, agora, o meu estado habitual.
Um beijo com carinho
Laura
Comungo dos teus sentimentos, se comungo!
Abraço grande, meu Mwata.
Olá meu amigo, não tenho vergonha de dizer que o seu post despertou em mim algo que de há uns anos para cá deixou de existir. Também já passei por tudo isso e além do meu pai foi o meu irmão com 45 anos. Os rios por vezes secam, não fosse um pouco de maresia que se apanha aqui e acolá, acho que entrava na aridez. Deixo-lhe o meu abraço e um beijo com muito carinho.
Emocionei-me com o seu texto. À minha querida mãe, felizmente, pude dizer-lhe, de viva voz, o quanto gosto dela.
O Dia da Mãe passou a ser, para mim, o pior dia do ano. Também presenciei quando deitaram terra sobre a minha mãe e meus filhos...
Resta-me o consolo de ter vivido, intensamente, a minha mãe (enquanto me foi permitido).
Muito obrigada, foi um dia bem passado, podia ter sido melhor se tivesse os dois filhos perto de mim.
Um abraço
"Não se denuncia um irmão"
Já vim aqui muitas vezes, mas sem saber o que lhe dizer...
Carlos
Definitivamente, a acácia morreu. De pé como as árvores. Dela fica a recordação.
agora estou aqui à tua espera.
Um beijo cheio de carinho e muita gratidão.
Beijo
Laura
Sou mãe e sou filha de dois seres maravilhosos que felizmente ainda partilham os meus dias, portanto meu amigo que lhe posso dizer a não ser que lhe agradeço este emotivo post.
Um beijo comovido
Fê
Como andas?
Beijo
Laura
Já li muitas vezes este seu texto, Carlos. Não sei que lhe dizer... não tenho sabido. Hoje, escrevo-lhe apenas para que saiba que o releio quando preciso de um abraço de ternura e o conforto pela saudade.
Um beijinho.
Espero que esteja bem melhor!
Olá,
Fez de quem tem algo a se recordar de uma boa mãe...
Abraços fraternos de paz
Tudo bem , meu amigo?
Um abraço com saudades.
Então, Carlos? Como estás?
Ai estes silêncios que me fazem ouvir mais alto a voz do pensamento. Não gosto deles.
Beijo como carinho
Laura
Querido Mwata,
Que se passa contigo?
Mais alguma coisa para te aborrecer?
Que tudo corra bem, meu Mwata.
Abraço grande.
- Quem és?
- A Laura.
- Que fazes aqui?
- Procuro saber de ti, Carlos.
Beijo com carinho
Laura
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