segunda-feira, 15 de março de 2010
Interregno
sexta-feira, 12 de março de 2010
Somos o que não somos?

Com tanta pressa o quis ser, que me distraí ou, porventura, dei saltos que não devia. O Destino (esse monstro!) trocou-me as voltas. Deixei as ciências, meti-me pelas letras. Licenciei-me na vida. Depois, na Faculdade, outros andares: os estudos sociais e políticos, a antropologia, as ciências sociais. Assim tenho caminhado, com o desejo morto de ter querido ser o que não sou.
Hoje, acordei a bordo da máquina do tempo. Fui ao passado, planeta distante, à minha procura, desejoso de saber o que falhara. Debalde! Não me encontrei. No lugar que, provavelmente, fora o meu estava um sumiço, tão só! Apenas vi outros meninos a quererem ser. O quê? A máquina não me deu tempo para lhes ouvir as respostas, trouxe-me de regresso ao presente.
Tendo assim sido, só me resta fazer-vos, amigos e leitores, a pergunta:
(Do Viajante, que vos deseja bom fim-de-semana)

quinta-feira, 11 de março de 2010
Desafios

Agarrado ao selo ali de cima, veio o desafio da Rosa Carioca. Quer ela saber dez coisas que me fazem feliz. Curiosa!!! Bom, aqui vai:
1) - Viver com o ser com quem, desde sempre, partilho a minha vida;
2) - Os meus filhos e netos;
3) - O riso das crianças;
4) - Ler e escrever;
5) - Os meus livros;
6) - A música, sobretudo quando acompanhada pela poesia de Vinicius de Moraes e Chico Buarque;
7) - Falar com as estrelas;
8) - Viajar pelos sonhos;
9) - Fumar um cigarro, beber um café e, à noite, tomar uma Genebra. Pois, então!
10) - Os amigos, virtuais embora, que fiz na blogosfera. São muitos e bons!

A Fernanda (Na Casa do Rau), que acompanhou o desafio com o selo que ali está, quer saber: a) uma coisa de que gosto e mim; b) o que penso do blog de onde recebi o desafio, o dela, portanto. Pois bem:
a) - estar vivo e ainda poder continuar a tentar perceber o mundo em que vivo;
b) o blog da Fernanda é um jardim de afectos, mar de fraternidade, rio de sorrisos, um sítio de bem estar. Uma porta aberta a causas nobres. Páro. Se continuasse não saía daqui.

Repararam naquele prémio!? Deu-mo o Carlos Soares, poeta que vive no Brasil. Faz várias perguntas, mas todas elas, ou quase, constam dos desafios anteriores. Responderei apenas a uma: qual foi uma das coisas mais lindas que ouvi? Resposta:
"És um ser solidário, único, e és o meu avô".
Escreveu uma das minhas netas, numa carta que me enviou.
(Estes desafios são de porta aberta. Ficam à disposição de quem neles quiser pegar. Se o fizerem digam-no, por favor, e refiram esta cubata de onde os levam. Obrigado a todos)
Os meus selos


Do Carlos Soares, também do Brasil.A todos, muito obrigado

quarta-feira, 10 de março de 2010
A Menina do Shopping
Passou por mim um homem, aí nos quarenta, com uma menina pela mão, seis, sete anitos, não mais. Sentaram-se numa mesa, três quatro metros distante da minha. Olhei-os melhor. Ele pareceu-me pai divorciado, em dia com a filha à sua guarda. A menina sentou-se, com gestos suaves puxou os cabelos deixando-os cair pelos ombros, pousou as mãos sobre os joelhos, e mandou os seus olhinhos brilhantes percorrer as mesas na busca de algo. Assim ficou.
Com a largura da mesa a separá-los, o pai tomou a cadeira defronte dela. Acendeu um cigarro, levantou a cabeça e expeliu o fumo, ficando a ver as espirais trepando pelo ar. Espreguiçou-se. Depois, tirou do bolso o telemóvel, encostou-lhe o ouvido. Ficou tempos à conversa com alguém, presumi. De seguida, pousou o telemóvel, atirou o cigarro para o chão, esmagou-o com o pé. Provavelmente, imaginei, ter-lhe-iam falado de guerras, de terra queimada onde não florescem flores.
Rompendo o ruído da esplanada, ouvi o silêncio profundo que me chegou daquela mesa.
A menina fixou, então, os olhinhos no pai, num ver de quem continuava à procura. Ele reparou, passou-lhe o telemóvel, sem qualquer palavra, apenas com o gesto da mão estendida com o aparelho. A filha nele pegou, pondo-se a dedilhar, por certo abrindo um daqueles jogos que vivem nos telemóveis. Por um momento fugaz sorriu, como se os jogos lhe estivessem a fazer cócegas, ou parecendo estar a jogar às cinco pedrinhas. De pronto, recuperou o olhar triste.
Passaram minutos. O pai acendeu outro cigarro, desdobrou o jornal que levara debaixo do braço. Pôs-se à cata das letras gordas, assim me pareceu, dada a velocidade com virava as páginas. A menina continuava às voltas com o jogo, percorrendo, de quando em vez, com o olhar perdido, as mesas em volta.
Voltou a chegar-se-me, mais forte, o silêncio daquela mesa.
Correram outros minutos.
O pai dobrou o jornal, estendeu a mão a recolher o telemóvel. Levantou-se. Nos olhinhos dela vi pontos de interrogação. Seguiu, agarrada à mão do silêncio do pai, em direcção à porta, por aquele caminho por onde não saltava nem ria. Antes de deixar a esplanada olhou para trás. Vi, no seu olhar, agora ansioso, uma mão aberta, estendida, à procura….
Eu sei que nunca é demasiado longe, mas como eu gostaria de não ver e ouvir, nunca mais, silêncio como o daquela mesa.
Sorvi a última gota do café, já frio. Soube-me a amargo.

domingo, 7 de março de 2010
Dia da Mulher
A ti, que de impulso em impulso, de ousadia em ousadia, venceste sonhos e pesadelos, viveste amores alucinados, desvarios, paixões desfeitas, sentires sossegados e dores de mágoa, ultrapassaste fúrias, não te perdeste em abismos, e te fizeste árvore frondosa, guardiã de jardins de cores e sons.
A ti, guerreira teimosa.
A ti, virgem, mulher, amante, menina velha, prostituta.
A ti, que rezas e maldizes.
A ti, que dás vida, trazes a aurora em voo livre. A ti, seiva.
A ti, que de sorriso florido, ou de beleza escondida em olhos tristes, qualquer que seja a cor da tua pele, o traço do teu rosto, e desenhem o que desenharem as linhas da tua mão, é vermelho o sangue que te banha as veias e te alaga o coração.
A ti, virgula, pausa retemperadora, têmpera do aço em que a vida escreve o seu livro, fêmea prenhe, mãe do Universo, ponteiro das horas do Mundo.
A ti, que iluminas becos escuros, rasgas avenidas e alamedas, e percorres caminhos levando a vida pela mão.
A ti, que danças em salão, no coreto, na rua, ou apenas no teu sonho.
A ti, sedução, amor, traição, ciúme, revolta, tempestade, saudade gritada, bonança.
A ti, flor e espinho, sabor dum instante, momento de fulgor, carícia dum presente, choro dum desencanto, esperança dum futuro.
A ti, companheira, mãe e avó, colo e seio de aconchego, ombro de repouso, porto de abrigo, sal de destemperos, ninho de amor. Presença sempre.
A ti, Mulher, ofereço a flor que ali está.
quinta-feira, 4 de março de 2010
Do Viajante

Assim vai o teu País, marulhoso.
Em águas engrossadas por gordura encardida de sebosas mentes vertida, banham-se políticos e jornalistas numa dança orgíaca. Delas se ouvem vozes, vociferando sem nada dizerem, gritando por virgindades ofendidas, senão desfeitas. E braços erguendo-se. Vestindo camisitas de acinte obsceno, pregando tábuas, levantando degraus, lançando cordas, rufando tambores, tan, tan, tan, a chamar a multidão, tan, tan, tan.
- Vinde, povo!
Apresta-se a execução. E o povo vai, parte aplaudindo os mensageiros das más notícias, parte sem saber o que fazer, mas vai, engrossando o rebanho. Não há fogueiras. Agora, é tempo de morte sem cheiro, com direito a lugar sentado.
Não são povo (eles são o povo, não nós!), mas assistem à distância de um gesto de controlo e mando, quais predadores aprontados.
Doutros mares, por onde navega o jornalismo da clarividência e a política do bom-senso, chegam palavras, poucas de cansadas que vão estando, roucas de tanto esforço. Querem denunciar o jogo, em vão! Os poderosos, ainda deuses, opõem-se, dispostos que estão a não perderem o comando, o comando escondido, que de tudo dispõe. O outro, o comando visível, esse não comanda, é só um poder vazio, e só.
O baralho das cartas viciadas permanece nas mãos dos mesmos de sempre. Eles tudo compram, incluindo talibans na santa cruzada pela liberdade de expressão. Espadanam, espessando o ar com um biombo, para além do qual aprisionam um mundo de sombras para que se não veja o desemprego, a miséria, a fome, e os olhares tristes. Ordenam que se toque tan,tan,tan...Dirigem todos, começando pelos que enfeitam o “poder”.
Hermafroditas, irmãs, que são, a verdade e a mentira, persistem na dança incestuosa do esconde-esconde, dando à luz, de quando em vez, criatura excêntrica, a inverdade.
Por momentos fugazes ainda se consegue ouvir um eco de longe: “não é o grito dos maus que me assusta…e sim o silêncio dos bons”.
O teu País está mergulhado num profundo silêncio!

