domingo, 1 de maio de 2011

Dia da Mãe

A última vez que te vi estavas deitada, serena, dada ao sono de que não se desperta. Olhei-te. Invadiu-me uma raiva maior que a dor. Foi dela que eu nasci, disse para mim, em silêncio, agarrado à solidão que se me chegou. Não chorei. Tocaram-me no ombro. Vi taparem-te. Fizeram-me um sinal.

Acompanhei a tua viagem até ao local em que te desceram e te cobriram com uma terra diferente da que te vira nascer. Segurei as lágrimas que teimavam em soltar-se. Aquela mágoa não a quis partilhar. Era só minha! Sofri-a na alma e no meu coração que sangrou.

No suco dos meus olhos vi, então, partes da nossa vida. A tua foi longa, chegaste perto dos 100. Lembrei-me que tempos antes te fôramos visitar, já tu vivias num mundo longe do nosso. Oferecemos-te uma caixa de bombons. Deliciaste-te, eu vi, mas as palavras que então disseste já nada tinham a ver connosco. Estavas noutro local, provavelmente num paraíso para que te transportaras, onde contigo vivias, e nós não habitávamos.

Recordei-me, também, do muito que me ensinaste. Um dia, era eu ainda um catraio que jogava descalço com bola de trapos, fui fazer-te queixa de uma “malandrice” que o meu irmão me fizera – zangado, rasgara-me a camisa. Soubeste da atitude dele, vi nos teus olhos que não gostaste, e logo pensei agora é que ele vai ver! Atiraste-lhe umas palavras, de que já não me lembro, e ele voltou para o quintal. A mim deste-me um ralhete, apontaste-me o dedo e disseste: não se denuncia um irmão!

Aprendi para todo o sempre! Como para sempre em mim ficaram os carinhos das tuas mãos fagueiras, nos tempos em que caminhava pela minha meninice.

No momento em que a última pá de terra sobre ti caiu, subiu um eco trazendo-me à memória silêncios. Silêncios meus, hoje cheios de palavras que gostaria de te ter dito.

Não sei por onde andas agora. Pouco importa. Mas se te voltar a encontrar, dir-te-ei: Mãe, gosto muito de ti.

Beijo a tua memória.

(Porque a memória permanece viva, reponho o post do mesmo dia de 2010. A todas as mães desejo um bom dia.)

17 comentários:

Neve disse...

Você não sabe por onde ela anda? Ela anda dentro de você, guardada em seu coração e em sua mente, e isso reflete-se no respeito e carinho que vc demonstra aqui, quando fala das mulheres.(das que merecem, claro!).

Manuela Freitas disse...

Que texto tão bonito e comovente!...
Há factos da nossa vida muito marcantes, vivem em nós com toda a tranparência!...
Um abraço,
Manuela

Fê blue bird disse...

Meu amigo:
Fiquei muito comovida com esta sua linda homenagem à sua querida mãe.
Hoje estou muito sensível, e apesar de ter a grande felicidade de ainda ter a minha mãe comigo, penso sempre, dada a sua avançada idade, no momento em que as minhas palavras serão também de recordação.
Beijinhos

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Um texto emocionante, lindo, terno, como devem ser todas as lembranças das mães que já partiram...

Beijos e obrigada.

Laços e Rendas de Nós disse...

Carlos

Hoje só um beijo muito especial.

Filoxera disse...

Leio com o coração. Aliás, eu dou folga à razão constantemente. Vivo com o coração.
E li com sentidas lágrimas este texto. Porque me arrepiou essa dor contida no momento e "despejada" na escrita...
Recordo-me de já ter lido aqui este post. Recordo-me bem da frase "não se denuncia um irmão"- porque eu repito-a aos meus filhos.
Recordo as saudades.
Escolhi viver esta distância da saudade eterna da forma menos racional; imagino uma presença constante, que não se vê mas se sente.
Porque sei que a vida não é para se pensar, mas para se sentir.
Um abraço sentido.

São disse...

O texto tocou-me.Muito.
O meu grato abraço.

Teresa Santos disse...

Mwata,

Saudades, ensinamentos, amores que vivem enquanto vivermos.

Abraço, meu Mwata.

Mª João C.Martins disse...

Carlos

Meu amigo

Reli este seu testemunho com a mesma emoção que outrora me havia invadido. Poderia eu, também, ter escrito a maior parte destas palavras. Sei da dor na despedida, do eco da terra, da saudade, das palavras a queimarem a garganta, dos dialogos mantidos com a memória. Sei dos afagos das mãos, do carinho das repreensões e do amor que é e será sempre, raiz e fruto da árvore que me gerou.

Jamais saberia dizê-lo, como o Carlos o fez.
Obrigada!

Luis disse...

Caro Amigo Carlos Albuquerque,
Lindo este seu post de homenagem a sua Mãe. Nele revelou todo o seu Amor por Ela e a Admiração que Lhe sempre devotou! Lembrei-me de minha Mãe também Ela sempre cuidando de mim até final de sua Vida. E como segunda Mãe dos meus filhos os seus cuidados permaneciam extensivos a eles. As Mães dão-nos a Vida, o Carinho e o Amor de que tanto necessitamos sem nada pedir em troca! Por isso se as evocarmos mais não fazemos do que retribuir esse Carinho e Amor Delas recebido!
Um grande e muito amigo abraço solidário nesta Homenagem à MÃE.

Marilu disse...

Querido amigo, quanta saudade elas nos deixaram. Mas com toda a certeza tornaram-se estrelinhas a brilhar no céu, guiando nossos passos. Beijocas

Raquel Abrantes disse...

Oi, Carlos! Quanto tempo!

Que belo texto, parabéns!

Abraços deste lado do mar,
Raquel.

Brown Eyes disse...

Carlos não é em vão que sinto saudades das visitas que aqui fazia, tantas que tive que aqui vir hoje ler-te e deparei-me com esta bela homenagem à tua Mãe. Uma homenagem muito pessoal, sentida, que faz chorar quem a lê. Aqui sentimos amor, saudade, agradecimento e tristeza pela perca sentida. Maravilhosa homenagem, a mais sentida que já alguma vez li. Obrigada por este bocadinho.
Beijinhos

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Sempre belo e actual.
O amor pela nossa mãe, nunca muda.

Beijinho

ematejoca disse...

Esta terna homenagem à sua mãe, Carlos, não me canso de a ler, sem ter a coragem de deixar as minhas palavras banais.

Os meus filhos querem sempre festejar comigo ambos os dias: o de Portugal e da Alemanha, que é hoje.

Porém, para mim, o Dia da Mãe, é o dia da minha mãe, que me deixou há 5 anos.

Carlos, desejo-lhe um domingo muito feliz na companhia da sua família.

rosa dourada/ondina azul disse...

Amigo Carlos,
Bela e sentida homenagem !

Para todas as Mães, um beijo:)

Agulheta disse...

Amigo Carlos.Ausente de casa mas não esquecida dos amigos! Grandes palavras ao ser que fez de nós pessoas,sempre estarão num lugar especial para um filho,eu como mãe e filha.
Beijinho fique bem