sábado, 22 de maio de 2010

Flores murchando



Escrito a dois

(A Maria João e eu)

Foi no regresso de férias.

Noventa quilómetros antes de chegar a casa, mais metro menos centímetro, saímos da auto-estrada. Decidíramos passar pela cidade à beira Sado, que não víamos há muitos anos. Numa das esplanadas da avenida dando para o rio pedimos dois cafés e uma água fresca. Ali estávamos, descansando, quando na borda da esplanada apareceu um grupo de adolescentes, entre os 14 e os 16 anos, pareceu-nos, em caminhada ruidosa.
Surgiram vestidas de mini-saia, cintura caída e blusas de grande decote. Cabelos tombados pelos ombros, sobrancelhas engrossadas, lábios e olhos pintados, maçãs do rosto avermelhadas, garrafa de cerveja na mão, algumas de cigarro na boca, outras com ele em boquilhas. Bamboleavam-se, em jeitos insinuantes, como prostitutas da noite em qualquer beco esconso. Uma delas, mais velha, talvez na casa dos 30, fotografava o grupo e quem estava sentado na esplanada. E lá foram, roçando-se por um e por outro, provocantes. Estranho… aquele triste desfilar!
Numa mesa ao lado sentava-se um casal. Ouvimos a voz masculina: “é assim que elas começam!”. De outras chegaram-nos gargalhadas alarves. De que se ria aquela gente?!
De repente uma das minhas canadianas, encostada à cadeira, foi pelos ares. Um rapaz, aparentando a mesma idade das raparigas dera-lhe um pontapé. Sem nada dizer seguiu trôpego, também de garrafa de cerveja na mão, visivelmente etilizado, juntando-se à algazarra do grupo.
Que espécie de humanidade é esta?!
De novo a voz da mesa ao lado: “se fosse comigo dava-lhe umas bofetadas!”.
Claro que não dei. Para violência chegara-me o espectáculo a que assistira. Os risos, esses, continuaram…
Deixámos a mesa e fomos para a beira-rio, à barraquinha dos doces regionais e dos pinhões, as sementes de pinheiro manso em que a região é fértil. Para além da pergunta quanto custa, manifestámos à senhora vendedora das iguarias a nossa perplexidade (e não só!) pelo que viramos.
Não tem mal, são do teatro da escola, disse ela.
Do teatro da escola…?!
Regressámos pensando haver muitos jardins onde botões ficarão por florescer. Murcharão antes de tempo.
Depois de ter escrito este post encontrei no blog Pequenos Detalhes, da Maria João, amiga virtual desde a primeira hora, já lá vai mais de um ano, que um dia (quem sabe?!) conhecerei pessoalmente, um texto que me seduziu. Pensei: como eu gostaria de o ter escrito! Como este poema tem tanto a ver com o que senti! Pedi-lho emprestado para rematar, com chave de ouro, o meu post. Sensível, solidária e fraterna como é, ela autorizou-me a publicá-lo. Aqui o deixo, fazendo do meu post uma escrita a dois, uma partilha de sentimentos que muito me honra. Obrigado, Maria João.


De que te ris, humanidade?!

Sorves o brilho com que julgas cobrir-te
E despes-te da humildade, despudoradamente
Ousando violentar todas as tuas primaveras
Rezas, porque o coração não é feito de ouro e prata
E a dor é nó que não desata
O desespero a que te condenas
De que te ris, humanidade?!
Se na deserta alma que te habita
Chovem lágrimas apenas

(Maria João, Maio de 2010)





23 comentários:

RENATA CORDEIRO disse...

Flores do Amor pra ti, amigo******
Lindo e comovente post.


Sai de cena o frio, entra a primavera.
O sol num riso límpido não tardou
a dar vida e colorido à esfera.
A terra é tatuada de luz e cor.

Na planície azul dos corações
uma nuvem branca se derrama
sobre os rubros botões das emoções,
cingindo de brilhos a densa rama.

Pássaros com asas de serenidade
galgam o mais alto da imensidade
e os desejos de amor vão se elevando.

Nos negros olhos da amplidão, subindo,
raios de luz que a terra vai vestindo,
e a flor do amor no peito fecundando.
Flores Do Amor
by Renata Cordeiro*

Bom Fim de Semana, Carlos*****
Abraço*****
Renata

ANTONIO SARAMAGO disse...

Infelizmente é assim, amigo, a nossa juventude tão estragada e tão desavergonhada está.
Pior ainda é se intervir-mos estamos sugeitos a ser-mos mal tratados.
Achei graça ao facto da tal senhora ter dito que não fazia mal pois era um grupo da escola, talvez por lá estivesse um filho ou filha da senhora.
É ESTA A NOSSA RAPAZIADA
SÃO ESTES OS HOMENS E MULHERES DO AMANHÃ...

Luis disse...

Caro Amigo Carlos e Boa Amiga Maria João,
O post ficou muito equilibrado com o texto e o poema. Realmente as flores agora murcham muito cedo, parece que antes de desabrocharem já ficam murchas... É do tempo!!!
Continuação de uma boa convalescença e um bom fds.

Elaine Barnes disse...

É amigo,os adolescentes estão perdidos em suas tribos. Graças a Deus que não são todos.
Bonita sua amizade com a Maria João. O poema é um primor e desejo do fundo do coração que nunca murche essa flor. Montão de bjs e abraços e gostaria que fosse conhecer as bloggirls
http://asmeninasdoblog5.blogspot.com/ Sua presença será muito especial para nós.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Boa tarde, amigo Carlos.
O triste, é que parece que muitos pais se perderam na responsabilidade de educar seus filhos. A cada dia, isso parece aumentar ainda mais.
Acho que ninguém pode se conformar com a injustiça.

Seu poema fechou com chave de ouro, quando fala da flor. Hoje as meninas pulam a etapa infantil, e logo logo, murcham.
Parabéns pra vocês dois!

Um grande abraço. Fiquem com Deus.

tulipa disse...

OLÁ CARLOS

Bela combinação de escrita.
Parabéns aos dois.

Eu convido para ver o "amor entre pombos"...!!!

Um deles mais altivo que o outro.
E assim com um toque de ternura, pode partilhar 3 cenas de flirt entre pombos.
Bom fim de semana.
Beijos da Tulipa.

Clecilene Carvalho disse...

Tantas flores que nunca mostrarão sua beleza... é uma pena esta confusa definição que os adolescentes tem feito do que é ter liberdade. Como disse a Elaine, ainda bem que não são todos. Parabéns pelo lindo complemento de idéias.
Beijos.

Rosa Carioca disse...

Preocupa-me. Se hoje, censuramos nossos "representantes"... o que nos reserva o futuro?

Laura disse...

Meu Deus, ao que chegamos, ao que tornamos, e se há filhos de pais sem culpa, há-os filhos d epais culpados, pois a educação deve coesistir a par com Teatradas ou seja lá o que for...
Realmente dói, dói ver no que muitos dos nossos jovens se tornaram, mas...de nada valeriam os estalos, ma suma chamada de atenção, isso sim, só que..calhar ainda faziam pior..o rais que os parta, aos meninos mal educados... pena não estar um agente da autoridade á mão!...
Graças a deus, os meus pelo que sei que são e os conheço há 30 e 26 anos, não dariam uma forma de espectáculo dessas...
mas que evrgonha para todos assistir a uma cena assim..Lamento carlos, lamento pelo desconforto que passaste com os 'nossos'
rapazes
Abraço apertadinho..

Linda poesia na verdade..laura

Neve disse...

Olá, Carlos Albuquerque. Tenho um péssimo costume: leio todos os blogs da minha lista, mas quase nao deixo comentários. Quando vejo blogs como o seu, com muitos leitores, eu penso: "ele (ou ela) tem tantos leitores, não vai ligar para um coment a mais ou a menos".
Para mim, que quase nao tenho platéia, um comentário é importante, pois fico sabendo que o meu blog nao morreu, ainda.
As suas palavras, lá no ignoto Jardim, foram de grande valia para mim: vi que ainda sou lida! Desta vez, foi um poema de Quintana, mas o importante é que vc tb gostou das palavras do nosso grande poeta.
Fiquei muito honrada com a sua visita, todos que me leem são queridos, para mim, mas ver que vc, com tantos leitores, tb lê meu bloguinho me deixou feliz. Significa que alguma coisa do que posto ainda faz sentido.
Obrigada.
A respeito do seu post, aqui: vivemos uma inversão total de valores: tudo aquilo por que lutamos, tudo aquilo que nossos pais nos ensinaram, e que ensinamos aos nossos filhos passou a ser antigo e demodé, e o novo comportamento dos jovens é esse que vc nos contou. Dentro de dez anos, veremos o reflexo dessa nova ética social. Tenh0 pena dos que ainda estão por nascer. o que os espera?
Abração e apareça sempre que puder.

Mª João C.Martins disse...

Carlos

O episódio que relatou neste texto, poderia ser o acto III ou IV , de uma peça de teatro que é a educação dos filhos na actualidade. Este é o resultado de um percurso vivido com insegurança, desnorte de valores, escassas referências e falta de exemplos. Nada acontece por acaso. As novas gerações são o reflexo da forma como tantos pais , perderam a noção do seu papel, da sua função na educação dos filhos. Querem ser os melhores amigos deles, esquecendo-se que para o serem, não podem colocar-se ao seu nível, excluindo a regra e a autoridade que os caracteriza e que tem entre outras funções, a construção de personalidades consistentes e seguras, a contenção de comportamentos desajustados e a preparação para o futuro.
A Humanidade, não tem motivos para rir, na verdade. Está contaminada, e orienta-se por prioridades que irão comprometer o seu próprio futuro.

Se é para mim uma honra, ter um escrito meu publicado no seu espaço, vê-lo assim partilhado numa “escrita a dois” com um texto seu, é algo maior que não consigo descrever.
Partilhar, é das melhores coisas do mundo!
Obrigado meu amigo
Um abraço

Joaquim do Carmo disse...

Olá, amigo! Espero que a "canadiana" deixe de fazer falta, se isso significar total recuperação!
Essa história é triste: primeiro, porque nos fala de adolescentes embriagados, se bem entendi e isso, hoje, é um flagelo a juntar a outros, infelizmente; segundo, porque, sendo pai de quatro filhos, imagino o que sentiriam os respectivos pais se conhecessem esses acontecimentos; terceiro porque, se é verdade, espero, que muitos pais serão desatentos o suficiente para desconhecer, o que pode explicar que tal aconteça, outros haverá que não só sabem como, quantas vezes, estão na origem desses comportamentos; finalmente, porque ainda há quem consiga achar graça a esses comportamentos, por muito que o estado de embriaguês os pudesse desculpar..., a esse "violentar (de)todas (ess)as ... primaveras (aproveitando as palavras do belo texto citado)!
Um abraço

Anónimo disse...

Boa tarde meu amigo.
Peço perdão pela ausência mas eu ando trabalhando muito e ñ estou dando conta de visitar a todos.
Só quando me sobra um tempinho q posso vem ler-te.
Um belo domingo meu querido.
beijos

Manuela Freitas disse...

Olá Carlos, a juventude sempre foi de excessos, de subversão,de provocação...quanto eu me consumi com os meus filhos, contra esses excessos, mas nada me garante que não tenha havido uns copos a mais, umas tropelias...
O que é preciso é que cresçam mentalmente e os pais têm de facto uma grande tarefa nisso.
Um grande abraço e desejo que se encontre melhor,
Manuela

Teresa Lobato disse...

Carlos, começo por agradecer as suas palavras no meu espaço.

Vivi dois anos em Setúbal, entre 2000 e 2002. Tinha saído de Braga, cidade onde saía à noite e podia continuar a sentir o fervilhar da cidade. Em Setúbal isso não acontecia. A cidade ficava deserta, mas ainda podíamos passear pelas ruas e sorver aqueles aromas únicos que só ali existem e que pairam no ar como únicos desse microclima. Hoje, nem à noite se pode sair. Em certos locais, mesmo de dia é preciso estar atento.
A cena que retratas não me admira. Trabalho numa escola onde as mini-saias descaídas nas raparigas, bem como as calças nos rapazes, são o traje comum. Muitos desses jovens saem de casa com uma roupa e fazem a troca no caminho, ou na escola. Outros saem mesmo assim. No intervalo do almoço, os que podem sair da escola, compram garrafas de cerveja e de vinho e sentam-se até nos passeios, a almoçar aquelas bebidas com pacotes de batatas fritas.
Eles não têm culpa. São vítimas da desresponsabilização dos pais, ou da impossibilidade que alguns têm de os acompanhar, porque trabalham de sol a sol.
O problema não são os jovens. O problema reside numa sociedade que não está a conseguir educar e criar como devia esses mesmos jovens. Causas económicas e sociais e a desresponsabilização do estado para com áreas que devia ter apenas como suas... e que não funcionam.

Lamento que tenha tido essa experiência nessa cidade que é tão bela, essa cidade que tem um rio tão azul e golfinhos e uma serra com paisagens como não há...

Abraço
Teresa

Penélope disse...

Olá,amigo.
Quanta tristeza nesta cena que aqui descrevestes.
Vou ater-me a comentários, pois cena igual vi ainda ontem a noite na saída de uma pizzaria, no final da noite e que resultou em uma surra que o policial deu na jovenzinha e uma enorme discussão por conta das pessoas que estavam comigo porque quis meter-me ao meio...

Um enorme abraço

José disse...

Olá Carlos,é lamentável o que se passa com esta juventude, que eles bebam, fumam,mas o pior de tudo é eles não respeitarem ninguém,os pais não fazem a parte que lhes compete educar os filhos, e os professores já não os conseguem amansar.
Ainda ontem vi num blogo, escrito assim os pais preocupam-se em deixar o planeta limpo para os filhos, e não se preocupam, em deixar filhos capazes de tratar do planeta.
Um abraço,
José.

Sofá Amarelo disse...

A Maria João dá mais sentido à blogosfera... todos os bloggers fossem como ela e a net seria um paraíso. Estendo estas palavras também a ti, Carlos!

Nem de propósito os vossos dois textos, tão diferentes na escrita mas tão iguais no sentir! Obrigado aos dois por mais resta dádiva!

Elvira Carvalho disse...

Excelente texto a retratar a infeliz realidade que se vê por esse caminho. Pergunto-me: De quem é a culpa? Deles? Nossa que falhamos como pais e educadores? Ou desta sociedade, que nos transforma em seres, sempre preocupados com tudo, menos com os nossos filhos que mal vemos, porque temos que trabalhar, (enquanto há trabalho) horas e mais horas, para pagar a prestação da casa, do carro, do LCD, do portatil, etc...etc... E saimos de casa com eles a dormir, e chegamos a casa tão cansados, que nem nos apercebemos se eles estão já a dormir, ou se nem estão em casa.
Que estamos a fazer da humanidade futura?
Um abraço e uma boa semana

ematejoca disse...

Como menina do mês de Maio, não posso deixar de mandar os parabéns à sua filha no dia de hoje - salvé, o dia 24 de Maio.

Abraço pa si, Carlos, e para toda a sua família.

PS: Vou voltar aqui para comentar, pois tenho uma outra opinião sobre a juventude de hoje!!!

Anónimo disse...

Ainda hoje, quando regressava a Lisboa, li uma notícia no Público que me deixou igualmente surpreendido. O comportamento violento dos jovens preocupa-me tanto como essas manifestações pouco ortodoxas de que o Carlos fala. Mas é preciso acreditar nos outros job«vens, naqueles que lutam para construir um país melhor.
Abraço

Teresa Diniz disse...

Que belo trabalho a duas mãos!
E tão triste. o estado a que chegámos.
A Escola assume-se com um reflexo da sociedade e não como um agente da sua mudança. Infelizmente.
Bjs

Teresa Santos disse...

São situações dessas que me entristecem.
Temos jovens sem sonhos, sem respeito por si próprios, vazios!
Culpa de quem, diz lá! Esta Sociedade, esta Escola, leva-os onde?...
Abraço.