quinta-feira, 6 de maio de 2010

Porquê?


Naquela noite, nascida de um dia de alma cansada, olhos fixos no branco do tecto, tardava-se-lhe o sono.
Fechou os olhos.
Fê-los aparecer
.

Enfileirou-os a um canto da planura branca, e afanou-se a passá-los para o lado de lá, sem o lograr. Ao chegar mais ou menos a meio, por alturas de um inchaço no acrílico da pintura, iam os bichos para aí já depois de muitos, desalinhavam-se sempre umas ovelhas, seduzidas por verdura ali grelada, atirando-se à iguaria, e tresmalhando-se depois, obrigando-o a vir atrás recomeçar. Experimentou pô-los a par, macho e fêmea, e alinhá-los ao contrário.
Gastou as horas até que a manhã foi buscar a noite. Debalde.
Outro era o alimento que as bichas queriam. Uma insistência mais, não se tivesse o Sol metido para dentro da janela a sacudir-lhe os olhos e a deitar-se-lhe entre as pernas, e teria perdido a tramontana. Conclui-se, assim, com a ligeireza de um supor. Derribado, enfadou-se. Desistiu.
Mudou de afazeres.
De inadaptável a pastor com ajustes por descobrir, não tendo sequer perro com quem se apurar no ofício, e o termo não é aqui trazido, nem pouco mais ou menos, não haja espúrias leituras apressadas, como tendo alguma coisa a ver com a infâmia porque já se designaram os Mouros, mas apenas querendo dizer o que se quer, passou a observador do ondulado da cortina de cambraia, às voltas com um amor-perfeito estampado em relevo, a ver se descobria de onde colhera a flor tantas cores e o brilho aveludado. Então, uma voz vinda de mansinho de dentro de si, sem se fazer anunciar, perguntou-lhe o que andava ele por ali a fazer. Gosto de pensar, ora essa!
Apesar da resposta lhe ter surgido de imediato clara, não confundindo as palavras, estas, feitas em avaros, nada mais lhe disseram. Acudiu-lhe à ideia que a frase fora interrompida ao arrepio da sua vontade, por algo de indefinível a intrometer-se. Não fora ela abafada, bem o percebeu, remataria assim: vai bater a outra porta! E, se os tivesse, encolheria os ombros.
Haverá de continuar, sim haverá, escuta-se-lhe depois, à procura de um temor para espantar os receios que o visitam. Há-de descobrir porque está encruzilhado o mar dos seus sonhos. Juntar a recordação e o esquecimento. Continuar a dizer que a vida, ou o que quer que seja que se meta a fazer dela, não tem sempre que ser o que ela quer!
Por onde se entretém, afinal, a vida, que o deixa, assim, por ali e aqui?
E porque haverá de andar a correr atrás do tempo?

14 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu amigo
Adorei o seu texto.
A vida realmente nos troca por vezes as voltas.

Beijinhos
Sonhadora

rosa-branca disse...

Olá amigo, realmente a vida dá-nos que pensar... ninguém corre atrás do tempo e o tempo não passa, ele fica. Nós é que partimos. Lindo texto meu amigo. Beijos com carinho

rosa dourada/ondina azul disse...

E assim corre a vida...
e o pensamento...



Beijo,

Anónimo disse...

Por vezes temos de contrariar a magana. É que afinal ela só existe para nos conduzir até ao mesmo ponto. Então, pelo menos que sejamos nós a escolher o melhor caminho para a viagem.

Teresa Santos disse...

Mas esse é o grande jogo da vida. Encaminhar-nos (supostamente!), obrigar-nos a recuos, avanços, fazer-nos "tegatés" de troça, e diverte-se, a malandra! Mas é aí que está o gozo de viver. É o desafio, é a luta, é o mistério, é a VIDA!...
Abraço, querido Mwata.

Agulheta disse...

Amigo Carlos.Um texto para pensar o que a vida tem,avanços e recuos,mas sempre devemos tentar mais e melhor.Tudo faz parte dela...a vida.
Beijinho
Lisa

Marcia M. disse...

este testo belissimo me fez muito bem.

vc esta melhor ,bom te-lo de volta,assim que puder volto mais ,bjs!

Joaquim do Carmo disse...

A vida, com seus altos e baixos, avanços e recuos mas sempre, inevitavelmente, fluindo... que o tempo não pára! É deixá-la fluir, no tempo, com o tempo, a tempo!
Um abraço, amigo, já totalmente restabelecido, espero e desejo!

FOTOS-SUSY disse...

OLA CARLOS, MARAVILHOSO TEXTO...GOSTEI MUITO...VOTOS DE UM BOM FIM DE SEMANA!!!
BEIJOS DE AMIZADE,



SUSY

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Querido amigo Carlos,

Adorei!
Sabes...e correndo de me estar sempre a repetir que sou fã incondicional do que escreves, a tua forma de o fazer é única e linda.

Pois é meu amigo, a contar carneiros quando o sono não chega, ou a sonhar com a vida que continua a passar dia após dia quase sem darmos conta.

Sabes como diz a Mafalda Veiga?

"A vida é tão rara"

Beijinhos

Na Casa do Rau

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Perguntas importantes, caro xará. Correr atrás do tempo pra quê? Devemos correr junto com ele. Um abraço

Penélope disse...

A vida - este mistério que todos tentamos, dia-a-dia definir.

Beijinhos, meu lindo

maria teresa disse...

Uma noite de insónia? Valeu a pena! Foi produtiva, pensamentos lindos que levam o "a contar carneirinhos" a uma prosa linda, cheia de poesia e de sensibilidade, a um observar do espaço que o rodeia com olhos de poeta...E pensou...Os caminhos da vida são escolhidos por nós, mas há obstáculos inesperados, que têm que ser ultrapassados com "engenho e arte". Nem sempre é fácil!
Abracinho

Anónimo disse...

A vida que mudança repentina!
Por vezes age tragicamente, outras lentamente,e das que não desejam mudar!