sábado, 1 de maio de 2010

Revisitar a História (O 1º de Maio)




O 1º de Maio





A 20 de Junho de 1889, a Segunda Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar anualmente os trabalhadores para uma manifestação pela conquista das 8 horas de trabalho diário. Em homenagem aos trabalhadores “ Mártires de Chicago” (a cidade que era o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época), o dia escolhido foi o Primeiro de Maio. Em 23 de Abril de 1919, o Senado francês aprovou a jornada diária de 8 horas e proclamou feriado o dia 1 de Maio desse ano. No ano seguinte a Rússia adoptou o Primeiro de Maio como feriado nacional, exemplo que foi seguido por muitos outros países. Instituíra-se o Dia Mundial do Trabalho.

Como se chegou aqui:

Há que retroceder aos primórdios da Produção Capitalista, quando ainda eram comuns práticas selvagens. Não apenas se procurava, desenfreadamente, a mais-valia, através de baixos salários, como até mesmo a saúde física e mental dos trabalhadores era comprometida por jornadas que se estendiam até 17 horas de trabalho diário, prática comum nas indústrias da Europa e dos Estados Unidos no final do século XVIII e durante o século XIX. Férias, descanso semanal, cuidados de saúde, apoio à maternidade e reformas não existiam. Para se protegerem, os trabalhadores criaram vários tipos de organização como as caixas de auxílio mútuo, precursoras dos primeiros sindicatos.Com as primeiras organizações, surgiram também as campanhas e mobilizações reivindicando maiores salários e redução das horas de trabalho diário. Greves, nem sempre pacíficas, explodiam por todo o mundo industrializado. Chicago, um dos principais pólos industriais norte-americanos, era, também, um dos grandes centros sindicais. Duas centrais lideravam os trabalhadores em todo o país: a AFL (Federação Americana de Trabalho) e a Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho). As organizações (centrais), sindicatos e associações, que surgiam, eram formadas principalmente por trabalhadores de tendência socialista, anarquista e social-democrata. Em 1886, Chicago foi palco de uma intensa greve operária. Os trabalhadores reivindicavam melhores salários e a passagem da jornada de trabalho de treze para oito horas diárias. À época, Chicago não era apenas o centro da máfia e do crime organizado, era, também, o centro do anarquismo na América do Norte, com importantes jornais operários como o Arbeiter Zeitung e o Verboten, dirigidos respectivamente por August Spies e Michel Schwab.As entidades patronais controlavam igualmente jornais, onde os líderes operários eram descritos como “preguiçosos e canalhas” que só procuravam a desordem. O Chicago Tribune foi mais longe e publicou em editorial: "Para estes vagabundos esfarrapados, a melhor comida é uma carga de chumbo no estômago". No decorrer da greve, uma passeata pacífica, pela Avenida Michigan, de trabalhadores no activo, desempregados e familiares, vestindo roupas de Domingo, e empunhando cartazes onde se lia "8 horas para trabalhar, 8 horas para descansar e 8 horas para fazermos o que for de nossa vontade", silenciou momentaneamente tais críticas, embora com resultados trágicos no curto prazo. Do alto dos edifícios e nas esquinas a polícia vigiava, fortemente armada. A passeata terminou com um comício.No dia 3, a greve continuava em muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a policia disparou contra piquetes de greve e outros operários, matando seis, deixando 50 feridos e deteve centenas. August Spies convocou os trabalhadores para uma concentração na tarde do dia 4. O ambiente era de revolta apesar dos líderes pedirem calma. Os oradores revezavam-se; Spies, Parsons e Sam Filiem, pediram a união e a continuidade do movimento. No final da manifestação um grupo de 180 policiais atacou os manifestantes, espancando-os. Uma bomba explodiu no meio dos guardas. Sessenta foram feridos e vários morreram. Chegaram reforços policiais que começaram a atirar em todas as direcções. Morreram centenas de pessoas: mulheres, homens e crianças.Os acontecimentos ficaram conhecidos como A Revolta de Haymarket. A repressão foi aumentando num crescendo sem fim: o Governo decretou o “Estado de Sítio”, e o recolher obrigatório, com a consequente proibição de circulação pelas ruas. Milhares de trabalhadores foram presos, muitas sedes de sindicatos incendiadas, criminosos e gangsters, pagos pelos patrões, invadiram casas de trabalhadores, espancando-os e destruindo-lhes bens. A justiça levou a julgamento os líderes do movimento, August Spies, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Shwab, Louis Lingg e Georg Engel. O julgamento começou a 21 de Junho de 1886 e desenrolou-se rapidamente. Provas e testemunhas foram inventadas.
A sentença foi lida a 9 de Outubro. Parsons, Engel, Fischer, Lingg, Spies foram condenados à morte por enforcamento; Fieldem e Schwab, à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de prisão.
Linng, ao centro na foto, não foi enforcado por ter sido encontrado morto na sua cela.

Gerou-se, então, um movimento de solidariedade internacional pressionando o governo dos Estados Unidos a realizar um novo julgamento, o que acabou por acontecer em 1888. O novo júri, entretanto constituído, reconheceu a inocência dos trabalhadores, admitiu, como provado, que fora um capitão da polícia a mandar rebentar a bomba em Haymarket, culpabilizou o Estado norte-americano e decidiu a libertação dos trabalhadores presos, incluindo os condenados a prisão perpétua.

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Em Portugal só a partir da Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, é que se voltou a comemorar o Primeiro de Maio, livremente, e este passou a ser feriado nacional. Hoje, as duas centrais sindicais, CGTP (Central Geral dos Trabalhadores Portugueses) e UGT (União Geral de Trabalhadores), assinalam-no, em liberdade, com manifestações e comícios por todo o país. Durante a ditadura salazarista do Estado Novo as comemorações eram reprimidas pela polícia.
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Os Estados Unidos, onde tudo começou, não reconhecem, apesar disso, ainda hoje, o Primeiro de Maio como Dia do Trabalhador. Naquele país também se celebra um Dia do Trabalhador (Labor Day), mas isso acontece na primeira segunda-feira de Setembro. É feriado federal (nacional), estando relacionado com o período das colheitas e com o fim do Verão. A decisão de assim ser foi tomada pelo presidente Stephen Grover Cleveland (Partido Democrata), por recear que a celebração em Maio reforçasse o movimento socialista nos Estados Unidos.

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Viajar pela História deixa-nos uma certeza: lutando por melhor, é sempre possível mudar.
Nunca desistir é lema que sigo desde sempre.
Recordo, com emoção, o 1º de Maio de 1974 em Lisboa. Nunca vira manifestação como aquela. Vivi-a com o sentimento de ter recuperado esse bem precioso que é a Liberdade. Chorei enquanto desfilava e ouvia os líderes políticos regressados do exílio. Hoje, não fora a ainda impossibilidade de caminhar como quero, voltaria à Manifestação.
Deixo-vos com palavras de Manuel Alegre:

É possível falar sem um nó na garganta é possível amar sem que venham proibir é possível correr sem que seja a fugir. Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta. É possível andar sem olhar para o chão é possível viver sem que seja de rastos. Os teus olhos nasceram para olhar os astros. Se te apetece dizer não grita comigo: não. É possível viver de outro modo. É possível transformares em arma a tua mão. É possível o amor é possível o pão. É possível viver de pé! Não te deixes murchar. Não deixes que te domem. É possível viver sem fingir que se vive. É possível ser homem. É possível ser livre.
( Infelizmente parece estarmos a regressar aos primórdios da Produção Capitalista. Na cena política portuguesa ressurgem os vendedores de ilusões, que nos pretendem acorrentar de novo)

13 comentários:

José disse...

Olá Carlos,
Obrigado por esta postagem eu que me julgava bem esclarecido sobre o primeiro de Maio.
Está aqui coisas que eu desconhecia completamente,e infelizmente parece que estamos a regressar ao passado.

um grande abraço,
José.

Teresa Diniz disse...

A História ajuda-nos sempre a compreender melhor o presente e a preparar com mais consciência o futuro.
Bela postagem, importante.
Bjs

Anónimo disse...

Carlos, que postagem maravilhosa essa. Meu Deus, como é difícil conquistar direitos tão elementares. Por que será hein? Que mentes mais obscuras concentram o poder! Lamentável. Aqui no Brasil também acontecem absurdos que tais. Mas tu fechastes o post com chave de ouro. Que palavras lindas, estou levando para o meu cantinho, sem problems? Beijo grande, bom findi.

Carlos Albuquerque disse...

José,
É bom saber que aqui encontrou coisas que desconhecia.
Grande abraço

Carlos Albuquerque disse...

Teresa,
Obrigado!
Estou de acordo, quando fala da História. Ela deveria ser uma disciplina a que o ME desse maior atenção. Na História encontramos as lições que nos podem ajudar a construir um futuro melhor.
Bjs

Carlos Albuquerque disse...

Marliborges,
Grande alegria encontrar-te aqui!
Leva, minha Amiga, tudo o que desejar. Esta casa também é sua.
Beijo grande
BFS

Manuela Freitas disse...

Olá Carlos,
Obrigada pela partilha de tanta informação importante.
Sabe o que eu penso? É que hoje, apesar das conquistas, o trabalhador voltou a não ser respeitado, se alguma vez o foi devidamente! Hoje as leis do trabalho são facilmente ultrapassadas, até pela situação do trabalhador tudo fazer para não perder o emprego, quando tanto desemprego grassa ao seu lado!
Um abraço,
Manuela

Mª João C.Martins disse...

Carlos

Olhar a História e respeitá-la é o meio para valorizar o presente, compreendê-lo e reformulá-lo, projectando no futuro a continuação do caminho.
Muito aprendi eu aqui, lendo o relato histórico que fez.
Tinha 10 anos quando assisti pela primeira vez à comemoração do 1º de Maio. Levaram-me a participar e mesmo sem entender muito bem tudo o que se estava a passar, era a primeira vez que via tanta gente feliz na rua, a cantar, a gritar e também a chorar.
Compreendi nessa altura, algo que desde então, nunca mais esqueci: O orgulho imenso que nasce da força do trabalho e que uma vez solto na rua, contagia a união e a alegria.

De coração livre, penso sempre em todos aqueles que de algum modo, sofreram ou mesmo pereceram, para alcançar o tanto que hoje, muitas vezes, vemos ser posto em causa.

Um beijinho

Joaquim do Carmo disse...

Caro Carlos, bela lição de história que hoje nos oferece, celebrando o Dia do Trabalhador! São sempre de grande riqueza os momentos que podemos desfrutar por aqui: qual cereja no topo do bolo, o texto de Manuel Alegre! Parabéns e continuação de melhoras!
Abraço solidário

Sandra disse...

É na verdade uma verdadeira aula de informação muito importante para todos nós.Fico agradecida por saber tudo isso através de você um amigo querido,se me permite.
Te vi no Montanha,fiquei feliz!
Voltarei!Forte abraço.Zen.

Agulheta disse...

Amigo Carlos.Hoje aprendi mais e soube igual,sobre o dia do trabalhador.O meu pai teve repesálias noutra tempos,e por alguns momentos era preso,se não fosse alertado para fujir,felizmente em Abril se abriram portas! Mas sempre devemos estar alerta e como diz no fim da sua escrita(Infelizmente parece estarmos a regressar aos primórdios da Produção Capitalista. Na cena política portuguesa ressurgem os vendedores de ilusões, que nos pretendem acorrentar de novo)
E não é que estou de acordo.
Beijinho bfs

Ava disse...

Amigo Carlos, obrigado por este pedaço de história que eu não conhecia. Falta minha eu sei, mas foi uma lição que irei guardar sempre comigo. Ainda tenho algumas lembranças do 1 de maio de 74, era muito pequena mas fui orgulhosamente de mão dada com a minha mãe e de cravo vermelho na mão. E lembro-me de me ficar abismada com tanta gente, com aquela canção que desconhecia por completo que era a internacional.
Por isso tudo, muito obrigado pelo seu post, amigo Carlos. A história nunca devia ser esquecida, para não se correr o risco de voltarmos a cometer os abusos e a injustiças do passado.

Um beijo cheio de esperança, Ava.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Foi um ótimo documentário. Muito obrigada!
Realmente, essa data merece ser lembrada.

Um grande abraço, amigo Carlos.