Pousou sobre a terra do chão o prato vazio de natureza.
Passou em redor os olhos, quais dois lagos revoltos a transbordar, em busca do sentido intimo e avaro da sua vida. Depois, pelo tecto sem tecto, olhou para o brilho da Lua, trazendo dela a luz para o ver.
Ele lá estava, como sempre nos últimos dias, deitado de tronco nu, tremendo, testa alagada pelo suor que ela sabia de sabor amargo, por tê-lo dado a provar aos seus beijos.
Olhou-o e disse com palavras amadurecidas no último arco-íris: A esteira é tua, já volto.
Esperou pelo amanhecer.
Cruzou a porta da cubata e partiu segura, bela, mas triste no seu caminhar descalço com os pés sentindo a terra dura e já quente do carreiro a caminho do mercado, quinda à cabeça, e um medo agarrado ao peito. Na quinda levava o vestido de flores com que se aperaltara no dia em que ele a fora buscar ao seu quimbo distante.
Chegada pediu, a quem antes ali se postara, um pedaço de sombra. Sob ela se sentou cruzando as pernas. Ao colo pôs a quinda, o medo deixou-o estar.
Feita a venda foi à drogaria comprar comprimidos, de medo ao peito. Voltou a casa pelo trilho da noitinha. A Lua escondera-se atrás duma nuvem. Acendeu um coto. Ele lá continuava, deitado, de tronco nu. Mas, já não tremia nem o suor lhe banhava a testa. Só o corpo estava. O resto dele partira.
Os lagos dos olhos rasgaram-se em águas de vida perdida, sem brilho, enchendo-lhe o prato, alagando-lhe a quinda.
Hoje, ela vive, vazia de si, apenas habitada pela memória.
Passou em redor os olhos, quais dois lagos revoltos a transbordar, em busca do sentido intimo e avaro da sua vida. Depois, pelo tecto sem tecto, olhou para o brilho da Lua, trazendo dela a luz para o ver.
Ele lá estava, como sempre nos últimos dias, deitado de tronco nu, tremendo, testa alagada pelo suor que ela sabia de sabor amargo, por tê-lo dado a provar aos seus beijos.
Olhou-o e disse com palavras amadurecidas no último arco-íris: A esteira é tua, já volto.
Esperou pelo amanhecer.
Cruzou a porta da cubata e partiu segura, bela, mas triste no seu caminhar descalço com os pés sentindo a terra dura e já quente do carreiro a caminho do mercado, quinda à cabeça, e um medo agarrado ao peito. Na quinda levava o vestido de flores com que se aperaltara no dia em que ele a fora buscar ao seu quimbo distante.
Chegada pediu, a quem antes ali se postara, um pedaço de sombra. Sob ela se sentou cruzando as pernas. Ao colo pôs a quinda, o medo deixou-o estar.
Feita a venda foi à drogaria comprar comprimidos, de medo ao peito. Voltou a casa pelo trilho da noitinha. A Lua escondera-se atrás duma nuvem. Acendeu um coto. Ele lá continuava, deitado, de tronco nu. Mas, já não tremia nem o suor lhe banhava a testa. Só o corpo estava. O resto dele partira.
Os lagos dos olhos rasgaram-se em águas de vida perdida, sem brilho, enchendo-lhe o prato, alagando-lhe a quinda.
Hoje, ela vive, vazia de si, apenas habitada pela memória.
9 comentários:
Lindo, como sempre.
Há pessoas que não precisam de partir para nos deixarem vazios de nós.
Beijinhos
Lindo. Excelente. Parabéns por este belo conto escrito de forma superior.
Kandandos
Belíssimo texto, uma autêntica prosa repleta de poesia.
Carlos
Mais um texto que vou reter na memória...Excelente!
Sinto insignificantes quaisquer palavras perante a beleza deste post.
Tem uma escrita apaixonante, e este conto traz-nos a emoção da morte com uma sensibilidade única e imagens mágicas, tipicamente angolanas.
Obrigada por nos proporcionar esta leitura.
Beijinhos.
Carlos.
Como sempre, tu nos invade a alma...
Que belo texto!!!
beijos
heli
Um texto delicado e ao mesmo tempo intenso, memorável.
"Hoje, ela vive, vazia de si, apenas habitada pela memória"
Quando ficamos vazias, só a memória nos mantêm vivas.
Parabéns por este lindo momento!
Beijinhos
Já tudo foi dito.
Emocionei-me ao ler. Foi, sem dúvida, um dos mais belos textos que tenho lido.
Obrigada, Carlos.
Beijo
Carlos
Com a qualidade que lhe é habitual, este texto é não só uma viagem por terras onde a terra é nua mas quente, mas também pelo interior daqueles que rasgando os dias, os vivem arduamente, carregando no silêncio dos passos, também a angústia, o medo e a perda. Esta é uma história de amor e dor que em qualquer parte do mundo se perpetua na memória.
Vinda de onde vem e contada aqui por si, tem a linguagem própria daqueles que sabem descrever a alma.
É um privilégio ler o que escreve!
Um enorme abraço de amizade
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