Dum e doutro trocados os sonhos, falados os pensamentos, repetidas as juras, sossegado o amor, Ipundi entra pelas águas azuis, nelas nadando como as pétalas dos nenúfares do lago da sua sanzala. Adiante mergulha entre os rochedos, regressando do fundo com os bivalves que oferece a Aisha. Esta abre-os, deles retirando as pequenas pérolas que guarda numa rede pendurada em galho seco de mandioqueira, espetado a um canto da palhota. São o olhar do seu amor para o futuro dos dois, diz ela, correndo os dedos pelo colar de missangas feito pelo seu homem, que lho pôs ao pescoço, naquela noite quente em que os corpos de ambos, fumegantes, se entregaram pela primeira vez, rebolando pelos montes e vales da areia, e em que ela disse ninguém vai te levar de mim.
Um dia as águas borbulharam, Ipundi ficou lá no fundo, sem vir. Aisha esperou sentada, encaracolando a areia com as duas mãos num coração. O dia foi. A noite trouxe Lua cheia, praia-mar e vento frio, mas não Ipundi. O bater do mar emudeceu. Triste, chorando a saudade, Aisha esperou, voltou a esperar. Dias correram. Então, sem que o pranto lhe parasse, decidiu regressar à sanzala. Sentou-se sob a mafumeira. As flores não choveram no colo vazio. Só tinha os seus lábios. Voltou para trás, era de noite, outra vez.
Na palhota despiu-se. Soltou a alma. Retirou as pérolas da rede, enfeitando o corpo com elas. Duas pô-las entre as missangas. Deitou-se com o Oceano a beijar-lhe os pés, olhos quentes fitando as estrelas, braços abertos sobre a areia da praia, que se foi alagando com as suas lágrimas. Disse ninguém vai te levar de mim. Cerrou o olhar.
Ao amanhecer, o Sol afastou nuvens a meterem-se no dia, espevitou os espreita-mares por entre as folhas húmidas dos mangais, chamou os flamingos cor-de-rosa, que logo vieram com o seu ballet encantado pousar ao redor da palhota. A cruz do morro alçou os braços. Os dois rochedos fundiram-se. O mar devolveu, de jeito mansinho, numa jangada de ondas suaves, o corpo de Ipundi, deixando-o, num abraço, sobre o de Aisha, como se de um só se tratasse, ficando os dois ali, repousando para sempre.
No caminho da sanzala a mafumeira chorou uma única flor de onde rolaram duas pérolas brilhantes.
Um dia as águas borbulharam, Ipundi ficou lá no fundo, sem vir. Aisha esperou sentada, encaracolando a areia com as duas mãos num coração. O dia foi. A noite trouxe Lua cheia, praia-mar e vento frio, mas não Ipundi. O bater do mar emudeceu. Triste, chorando a saudade, Aisha esperou, voltou a esperar. Dias correram. Então, sem que o pranto lhe parasse, decidiu regressar à sanzala. Sentou-se sob a mafumeira. As flores não choveram no colo vazio. Só tinha os seus lábios. Voltou para trás, era de noite, outra vez.
Na palhota despiu-se. Soltou a alma. Retirou as pérolas da rede, enfeitando o corpo com elas. Duas pô-las entre as missangas. Deitou-se com o Oceano a beijar-lhe os pés, olhos quentes fitando as estrelas, braços abertos sobre a areia da praia, que se foi alagando com as suas lágrimas. Disse ninguém vai te levar de mim. Cerrou o olhar.
Ao amanhecer, o Sol afastou nuvens a meterem-se no dia, espevitou os espreita-mares por entre as folhas húmidas dos mangais, chamou os flamingos cor-de-rosa, que logo vieram com o seu ballet encantado pousar ao redor da palhota. A cruz do morro alçou os braços. Os dois rochedos fundiram-se. O mar devolveu, de jeito mansinho, numa jangada de ondas suaves, o corpo de Ipundi, deixando-o, num abraço, sobre o de Aisha, como se de um só se tratasse, ficando os dois ali, repousando para sempre.
No caminho da sanzala a mafumeira chorou uma única flor de onde rolaram duas pérolas brilhantes.
(Participação em "Beleza" - Fábrica de Letras)
31 comentários:
Deixa-me falar desse Morro
da cruz
de quanta vezes o percorri
de quedes branquinhos
que reluziam ao luar
e cujas conchas guardei
para mais tarde recordar!
Deixa-me dizer-te que um dia
fiquei lá na maré cheia
e de manhã de praia vazia
assisti ao mais belo panorama
que me foi dado ver...
Não, não era de manhã
eram apenas 14,10
no meu relógio
e um a um até se tornarem milhares
os caranguejos emergiram das areias
puseram-se sobre as patas dianteiras
inclinaram as outras duas
todos virados para o mesmo lado
em reverência ao Deus
o nosso Deus amado!
e eu ali ao lado, a um metro se tanto, os meus amigos sornavam
e não fui capaz de os chamar
tamanha a magia daquele momento de encantar, eu estava ali, estava destinado que merecia ver aquele agradecer!no entardecer.e dali a pouco, estiveram assim mais de cinco minutos, mais um pedaço, voltaram a enfiar-se nos seus buraquinhos, não, não eram assim tão pequeninos, não!... Tantas vezes que para lá fui, ao Morro da Pedra, da cruz, depois da Corimba, ai amigo meu, que felicidade ler o Morro da cruz!
Um beijinho vizinho amigo, laura
Conto lindo, a sumaúma enchia as almofadinhas da gente... há nomes que lembro, outros que não.
A história verdadeira que escrevi no coment acima, fui contá-la à Neide, minha filha, na sala a escrever a Tese dela, ficou maravilhada, porque eu sei o que vi e quando vi, poucos me acreditam, mas, eu estava lá, acordada e o casal meu amigo ao lado na barraca, a dormir e eu semi deitada debaixo de um arbusto aqueles arbustos largos que abundavam por lá e davam sombra!
Um abraço da, laura
Estou encantada... simplesmente deslumbrada.
Abracinho
Caro amigo Carlos;
Gostaria de ter conhecido esse Morro da Cruz, mas pela maravilhosa crónica que me foi dado ler, certamente que será um lugar de encantamento e esta história aqui contada é de uma ternura de derreter corações de pedra.
Também gostei de ler toda a emoção que a Laura pos na sua mensagem.
Um grande abraço, amigo Carlos e Bom Ano.
Osvaldo
Que maravilha, Carlos!
*Há uma flor neste mundo. Creio que ela me cativou* (Saint-Exupéry).
Aqui, só aprendo sempre.
Muito obrigada, amigo.
Beijos,
Renata
Nem sempre é fácil comentar o que aqui leio. Não porque nada sinta ou pense, claro! Bem pelo contrário!
Há sentires que tornam as palavras pequenas. Quando tal acontece, apenas a alma fica a saber o segredo, e por muito que eu queira.. ela não me permite dizer nada mais que:
Gostei tanto do que escreveu, Carlos.
Beijinhos
Carlos Albuquerque
COM UM BEIJO e FELIZ ANO NOVO
TOC-TOC-TOC...
Os camelos caminham ...
Pelo deserto ...
Com rumo certo ...
São apenas três
Transportam os Reis Magos ...
Gaspar ...
Belchior ...
Baltazar ...
Levam os presentes
Ouro Incenso e Mirra ...
Em nome do mundo ...
Em nome dos Homens ...
Presentes que simbolizam ...
Paz ...
Harmonia ...
Bondade ...
Verdade ...
Justiça ...
E tantos valores ...
E Jesus pequenino ...
Com os bracinhos estendidos ...
Agradecee e guarda-os no coração
Com a certeza...
Que os Homens...
O vão adorar ...
Mas muitas vezes ...
Estarão prontos...
Para o maltratar!...
LILI LARANJO
Ai amigo, que história linda! De uma delicadeza e tão bem escrita. Nossa! Uma flor pra você e parabéns pela beleza que sempre retrata aqui. Montão de abraços e beijos
Muito bonito este conto. Gostei mesmo muito. Abraço
As suas palavras levaram-me, emocionado, até ao Morro da Cruz- que não conheço...
É preciso dizer mais?
Carlos
A beleza do texto cruzou-se com a beleza do amor dos dois amantes e com a beleza, que só adivinho, do Morro da Cruz.
Muito bonito.
Bjs
Você tem uma dissertação perfeita. E mais, fala do racional sem nos privar da emoção. Bacana isso. Um abraço,xará. Parabéns.
Ah, passe em gvpoetapresentes.blogspot.com. Tem um selo lá. Será um prazer.
Estou arrepiada e emocionada. Que lindo tudo.Pude estar contigo acompanhando cada passo dos dois amantes, imaginando a cena e a tristeza dela ao não vê-lo mais. LÇindo final também. Parabéns! abraços,brasileiros, de Porto Alegre-Rio Grande do Sul!chica
Olá, o Osvaldo é meu amigo, um amigo querido, gostei de ler que ele também leu a minha prosa!
Gosto que respondas ao que dizemos, ou seja, falar sobre o Morro da cruz...lembranças deves tê-las, tantas quanto eu,ou mais, já que nasceste lá. Vou nos 58 deixei Luanda em Junho de 74...
Grande abraço, laura
Agradeço a todos os que por aqui têm passado e deixado os seus comentários. É hábito meu responder, individualmente, a cada um. Não o tenho feito, ultimamente, porque em recuperação duma cirurgia, preparando-me para outra, as forças ainda não estão completamente recuperadas. Lá virão! Desculpem, portanto, este meu, por agora, agradecimento colectivo.
Permitam, contudo, responder ao repto da Laura.
Sim são muitas as recordações da Corimba, do Morro dos Veados, do Morro da Cruz, das Palmeirinhas, da Barra do Cuanza...dos camarões do Cacuaco, da Foz do Bengo, enfim, e do muito, mas muito que conheço da nossa Angola querida, de onde vim a 1 de Janeiro de 1970.
Lá voltei em 1991 e por lá fiquei mais uns anos, mas isso fica para outra altura. Entendo o teu repto, talvez venha a elaborar um ou dois posts, logo se verá.
Grande abraço
Carlos, cheguei via "Fábrica de Letras" e deparei-me com este teu lindo conto. Gostei imenso da descrição, quase pude ver e sentir o que descrevias.
PS: as melhoras.
Carlos aqui há duas belezas: o amor e a beleza da natureza africana. A tua beleza é singela mas profunda, tão profunda que me fez lembrar o país africano que foi o meu berço.
Olá, Carlos
Um belíssimo conto, onde o amor morou, e deixou seu perfume, naquele Morro da Cruz.
Um abraço!
Mário
Olá meu amigo, passei para saber como estavas e li um texto maravilhoso. Pois é... das recordações tambem se vive e com essa imaginação é bom demais para ler. Vá lá... toca a recuperar para escreveres mais coisas lindas para nós lermos. Beijos
Tão triste... tão lindo...
A beleza e a força do amor que nada consegue apagar, separar...
Beijos
Olá Carlos,
Que belissimo texto,com uma história
muito bonita, e muita bem escrita
por alguém a quem eu chamo de escritor, que transmite para que o lê
toda a beleza desto conto.
Um grando abraço,
José
Há muito tempo que um conto não me deslumbrava assim.
Está maravilhoso, belissimo.
Obrigado.
Caro amigo Carlos,
Conto lindo de um amor verdadeiro. Não me envergonho de dizer que chorei ao lê-lo.
Doce deve ser a morte para quem morre assim e fica com seu amado para sempre.
É muito bom saber que está de volta, como vai a saúde, se me permite perguntar???
Beijinhos
Ná
Olá Carlos,
Depois de um interregno voltei.
Como está o meu amigo?
Mais um maravilhoso texto, muito bem escrito e cheio de sensibilidade.
Essa «pluma» tem arte! Ah agora não é «pluma» é teclado!?...
Um grande abraço,
Manuela
Digno de uma lenda de encantar...
Através das palavras consegue-se entrar em lugares que desconhecemos. Quase mergulhei, quase toquei a suavidade da sumaúma.
Fica o registo de que pelas pérolas se morre...
Meu lindo amigo.
Um lindo conto, me emocionei.
Parabéns...
Desejo que esse ano de 2010 possa lhe trazer muita paz, luz, saúde e amor.
Que vc. se recupere logo.
Beijinhos doces da amiga.
Regina Coeli.
Ai moço, moço, tão não andamos pla mesma terra, por fora andei por Serpa Pinto, e arredores, tão distantes como o Calai, Rundu, Sudoeste, Namibia, depois África do Sul, isso aos 17, 18 anos, mais tarde depois do 25 de Abril, aí fui viver definitivamente para Pretória, regressei á 20 anos... mas a saudade, ela não morre, viverá sempre cá dentro deste coração que bate Angolano!...
Nem fales do cacuaco aos Domingos, camarõezinhos que vinham a cair pla travessa, a musica tocada no momento, conjunto, já não me lembro do nome do restaurante, á direita sentido de quem vai de Luanda, cacuaco pla António Enes... minha nossa, os bitoques e tudo, tudo,
As Barragens, Cambambe, o pai levava-nos a passear, era bom. Lá ficou tudo, já nada resta. Em mim, sim, pois recordar depende de cada um! Beijinho, boa sorte na cirurgia, e, tudo voltará ao normal..laura
Cheguei via Fábrica de Letras e encontrei por aqui alguns vizinhos lá do blogobairro.
África seduz-me com a atracção que um continente desconhecido mas muito imaginado tem para mim. Neste conto, encontro-a.
Por curiosidade, deixo-lhe o link de uma pequena história que resultou dessa vontade de sentir o coração africano. Se o quiser ler, encontra-o em http://de-si-para-si.blogspot.com/2009/05/embalancos.html
Voltarei.
Muito bom tê-lo novamente por aqui com saúde e com suas histórias fantásticas! Grande abraço!
Carlos... Lá me caiu uma lagrimita... Fiquei estarrecida, deslumbrada e encantada com a beleza desta estória... ou história! sim porque enquanto lia ia vivendo. Viajei, sonhei e ali me vi, naquela palhota e coberta de pérolas. Eu acredito que o amor é eterno... se for verdadeiro. A separação com a morte é apenas um contratempo.
Obrigada pelo que escreve, que tanto me encanta e enriquece!
1 beijinho*
[as suas melhoras, espero que tudo tenha corrido pelo melhor]
Nunca estive lá, no entanto, ao ler estes teus textos, sinto um apelo enorme como se tivesse passado nesses locais, não sei em que tempo... mas o tempo nesses locais são o que menos importa. Importam, sim, as almas, as flores e as pérolas brilhantes que rolam pelas faces...
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