Finalmente, ao cabo de duas semanas de árduo trabalho, o rio profundo e caudaloso, fora vencido. Concluíra-se a ponte de toscos troncos de árvores a suportarem as longarinas metálicas levadas do aquartelamento. À frente a anhara de capim alto ondulante e arbustos pouco mais que rasteiros, uns ao dependuro doutros, serpenteava, qual jibóia gigantesca, a caminho do horizonte. Dum e doutro lado, mata cerrada. A ordem era para avançar, deixando a picada.
Metros andados sob o capim alto silvaram as balas. Atiraram-se para o chão na fuga ao projéctil que pudesse trazer destino agarrado a um nome. Ergueu os olhos, buscando os homens. Viu vultos colados ao solo, confundindo-se com o chão lamacento. A seu lado estendido o furriel enfermeiro sussurrou-lhe não saber da arma. Olhou-lhe para as mãos, entre elas estava apenas, fortemente segura, a caixa dos primeiros socorros.
Cessaram os tiros, a emboscada fora levantada. Possivelmente seria montada mais tarde, noutro local onde a tocaia pudesse resultar melhor. Regresso à picada. Não havia baixas, mas um soldado estava em falta. Uma procura rápida resultou em nada. Passou-se para o inimigo, pensou. Era tempo de voltar para o aquartelamento.
À chegada grande alvoroço.
Um soldado negro, um cuanhama com ar aterrorizado, estava rodeado por outros que, vociferando, o ameaçavam por ter fugido. Era o soldado que lhe faltava no pelotão. Afinal não se passou para o inimigo, disse para si. Aproximou-se e perguntou-lhe: Porque fugiste? A resposta surgiu com palavras não hesitantes: Não gosto da guerra, meu alferes!
Ouviu a voz do capitão, a seu lado: Mande amarrar este homem e prenda-o na masmorra, irá a tribunal militar. Não, capitão, jamais prenderei um homem que não gosta da guerra! O capitão, jovem miliciano recém-chegado ao teatro de operações, olhou-o, olhos nos olhos, e retirou-se em silêncio.
A guerra continuou. Em cada saída o soldado cuanhama colocava-se ao lado do alferes, sem que voltasse a fugir. A comissão terminou. O pelotão não teve uma única baixa. No seu registo de operações não ficaram a constar mortes infligidas ao inimigo.
Metros andados sob o capim alto silvaram as balas. Atiraram-se para o chão na fuga ao projéctil que pudesse trazer destino agarrado a um nome. Ergueu os olhos, buscando os homens. Viu vultos colados ao solo, confundindo-se com o chão lamacento. A seu lado estendido o furriel enfermeiro sussurrou-lhe não saber da arma. Olhou-lhe para as mãos, entre elas estava apenas, fortemente segura, a caixa dos primeiros socorros.
Cessaram os tiros, a emboscada fora levantada. Possivelmente seria montada mais tarde, noutro local onde a tocaia pudesse resultar melhor. Regresso à picada. Não havia baixas, mas um soldado estava em falta. Uma procura rápida resultou em nada. Passou-se para o inimigo, pensou. Era tempo de voltar para o aquartelamento.
À chegada grande alvoroço.
Um soldado negro, um cuanhama com ar aterrorizado, estava rodeado por outros que, vociferando, o ameaçavam por ter fugido. Era o soldado que lhe faltava no pelotão. Afinal não se passou para o inimigo, disse para si. Aproximou-se e perguntou-lhe: Porque fugiste? A resposta surgiu com palavras não hesitantes: Não gosto da guerra, meu alferes!
Ouviu a voz do capitão, a seu lado: Mande amarrar este homem e prenda-o na masmorra, irá a tribunal militar. Não, capitão, jamais prenderei um homem que não gosta da guerra! O capitão, jovem miliciano recém-chegado ao teatro de operações, olhou-o, olhos nos olhos, e retirou-se em silêncio.
A guerra continuou. Em cada saída o soldado cuanhama colocava-se ao lado do alferes, sem que voltasse a fugir. A comissão terminou. O pelotão não teve uma única baixa. No seu registo de operações não ficaram a constar mortes infligidas ao inimigo.
8 comentários:
Eu muito gosto Carlos do que escreve sobre África. Às vezes passo por aqui e não deixo comentário, mas sempre leio, porque considero que escreve muito bem e de uma forma muito íntima de África.
Beijos,
Manú
Um texto intrigante,amigo. Torci muito que o soldado com seu gesto, conseguisse parar a guerra. Parabéns. Um abraço
Querido Mwata, que saudade tinha dos teus textos.
Mas diz-me, achas que continua a haver homens, que tal como o cuanhama, não gostam de guerra? Tenho a certeza que sim, mas são obrigados, sempre, e sempre, a essa tarefa contra natura.
Abraço, meu Mwata.
Como sempre, fiquei enredada no texto.
Bem podia ser uma parte de um livro.
A "moral da história" está excelente. Beijinhos.
Pronto
E agora? Que faço eu depois de ler isto, ainda por cima tão perto de mim? É que é tudo quase igual, com excepção das baixas e ... bom, vamos ver.
(acho que é importante ir escrevendo sobre isto, né?)
Embora eu goste de o ler não gosto de relatos de guerra, pois penso sempre nos que lá ficaram. Mas também existem os que vieram e não se libertam da maldita guerra. Beijos com carinho
A guerra de que ninguém gosta mas que continua a existir. Houvesse uma vacina que a conseguisse irradicar da Terra!
Um testemunho perfeito revelador de uma sensibilidade difícil de descrever.
Abracinho meu.
Aqui recordo as palavras da minha terra, uma terra com tanta luz e esperança. Também não gosto da guerra mas aprendi a viver com ela. Afinal aqui há guerra por qualquer motivo, não se gosta faz-se guerra, guerra que, como não tem um objectivo, nunca é vencida. Beijinhos
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