quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

São já quatro os dias que doem!

Deu-lhe no corpo uma vontade de sono. O bocejo chegou e foi-se. Desde então tem andado de cabeça curvada sobre as mãos enlaçadas. 

Hoje, não por qualquer razão especial, mas apenas por ser hoje, afasta as mãos e ergue o tronco. Deixa o torpor. Arruma as bicuatas, apenas uma mochila, que foi buscar ao passado, retirando-a da prateleira onde está arrumado o tempo perdido. Uma voz daquelas que vagueiam e se ouvem, sabe-se lá por onde e porquê, pergunta: Porque foi ele ao passado? Apanhado assim, de surpresa, o narrador não tem resposta pronta. Serve-se do que ouviu quando aquele ele se libertou da inacção do espírito: O meu passado não está esquecido.
Vê-se agora que ele, de bicuatas às costas, deixa para trás a porta. Mete-se ao caminho. Parte em viagem para a terra das ideias, sabendo à partida que nem todas são felizes. Mas, segue. Lá vivem fazedores de esperança.
O caminhar não está a ser fácil. Os rios estão a secar, o mar pouco mareja, o vento não canta. É áspero o chão. Apesar disso vê dele brotar uma ou outra flor de cor viva, vermelha.
Chega, finalmente, ao portão da terra das ideias. Está em semi-posição. Nele pendurada uma folha com uns escritos. Lê:
“A todo o viver corresponde um sofrer”
“É o coração que faz o carácter”
Lê, e torna a ler, sem perceber o que aquelas palavras querem dizer. Quem tal escreveu? E porquê? Chegara ali com a vontade de encontrar uma ideia feliz, de sorriso robusto, que pudesse oferecer ao seu país, tão necessitado este anda delas. Não esperava nada daquilo. Olha para o portão e hesita. Não entra. Tem como certo que portas em semi-posição são perigo a espreitar. Tanto podem estar para abrir, como para fechar.
Deita-se. Ouve-se-lhe:
Como posso verificar se estou a dormir?

7 comentários:

M. disse...

Porra! Fica sem palavras...

Gostei muito!!! Não sei é se estou a dormir:)

folha seca disse...

Caro Carlos Albuquerque
Pegando no título do post. Voltei a ele lembrando que a maior dor não é a que se sente, é aquela que se sabe ir sentir. Não aparece um médico, curandeiro ou mesmo um bruxo que nos dê alguma esperança.
A das portas (que chamo de vai/vem) é dum realismo impressionante, “nunca se sabe se estão para abrir ou fechar”.
Abraço
Rodrgo

Janita disse...

Caro Amigo Carlos Albuquerque.

A mim doeu-me o coração ao terminar a leitura do seu texto.

Os tempos estão difíceis e vão ser cada vez mais penosos, mas temos que sacudir a letargia e o desânimo. Caso contrário seremos engolidos por essa espiral de dor.
Ânimo! Não se deixe abater, Carlos.

O meu abraço com amizade.

Janita

Rogério G.V. Pereira disse...

É sempre difícil comentar um texto comovente. Quase sempre se incorre no risco de lhe ferir a beleza ou o sentido. Apenas lhe respondo à pergunta final. Assim:
Quem escreve o que deixou escrito está bem acordado, e nem sei até se consegue dormir...

(gosto de o ver ai ao lado, olhando-me de frente...)

Filoxera disse...

Haverá sempre dias doridos.
Eu conto mais de quatro; muito mais...
Reaprender (sempre) a lidar com essa dor é o segredo.
Beijinhos. com esperança de dias melhores.

Teresa Santos disse...

Meu Mwata,

Não, não quero que os dias doam!
Não, não quero ter medo de ultrapassar a porta!
Não, não quero perder a esperança!
Não, NÃO POSSO perder a esperança!

Sim, quero acreditar na flor que brota!
Sim, quero acreditar na mensagem escrita na folha.

"Como posso verificar que estou a dormir?" questiona-se o nosso herói.

Como posso verificar se:

"O coração CONTINUA a fazer o carácter?"

Abraço do tamanho do teu saber.
Do teu saber sonhar.

OBRIGADA!

Laços e Rendas de Nós disse...

Como sabes, falta no meu PC a tecla M.

Com dificuldade a consigo escrever no que escrevo. Estarás a pensar na causa deste início de comentário.

É que, e desculpa, o coração foi uma -erda de invenção que se nos apega e nos molda o carácter, que nos faz sofrer por sermos/termos carácter. E viver assim serve-me de alguma coisa? Nem para "verificar se estou a dormir".

Obrigada, Carlos, pelo teu comentário.Não mereço o que me deixaste escrito.

Beijo