A Força e o Sonho
A noite espreita pelas portas abertas da janela.
Olhando-se-lhe vê-se ser ela lenta, já velha, trazendo pela mão ventos que agitam o pensamento. Ventos de força. De que força?
Não sabe se está desperto. Como certeza tem apenas o não ter conseguido deixar-se no sono.
O para lá da janela diz-lhe que o luar quer, também, mostrar-se. A força, contudo, não o permite. Força? Que força?
Rompe. Lança as mãos pela janela. Segura a Lua, agarra-a e trá-la. Mas, ó desencanto! A Lua está vestida de paz podre, e é apagada a sua luz, envolvida por uma quietude triste. As estrelas dela se desligaram.
A força…Que força?
Que força é esta que o quer vergar? Onde está o seu rosto para que a possa ver?
Abre então os olhos. Deles se liberta o sonho cativo.
A força e o sonho bater-se-ão.
Ao que a força ao sonho fala, responde este:
- Não, sonhar não é desprezar-me.
[“Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar, deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender.”Bernardo Soares, Livro do Desassossego]
E porque o sonho e a força se bateram, o sonho diz para a força:
- És cobarde.
5 comentários:
Eu não sei que força o sonho acusa de cobrade, mas a sua não de certeza!
Bons sonhos, meu amigo.
Carlos
Se soubesses como este "Livro de Desassossego" me desassossega sempre que nele pego e o releio e ajuízo.
Se soubesses como o teu texto e o excerto do livro me desassossegam ainda mais... é que
"Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender."
Beijo de uma desassossegada
Um grande texto, amigo xará. Li duas vezes. Parabéns. Um abraço de bom domingo.
Carlos
Parabéns pela distinção lá no "Rochedo". Muito merecida!
Bjs
A todos.
Obrigado por aqui terem vindo
Enviar um comentário