Com a música voltou, ngalado de mais.
Olhou ela de frente e lhe disse: Dança comigo.
Ela lhe mirou. Ficou demorada nos olhos que lhe encontrou, e lhe falou: Só se foras tenente.
Cacimbo lhe deu, ele pensou. Tenente é gente para andar na dança!? Não é só de fazer a guerra!? E então o gesto que ela fez com as mãos, a dizer assim vai-te embora, me dando de enxotar. Gesto feio. Aquilo é mesmo modo de pretexto.
Saracoteando ela foi, deixando o trejeito na cara dele. Foi naquele caminho por onde vinha chegando o som das puitas, dos tambores e dos apitos.
Aquilo não é música dos astros, não, falou ele para ele. É barulho de Carnaval kujikulando grande.
Pode ser com a ngala o tenente chega também. Lhe conheço, se chama João com Deus no atrás do nome. Cada vez ele vai vir, de óculos escuros, lhe atirando os braços. Se ela for na pista com ele, com o seu vestido de chita, eu me juro, na dança vou-me meter.
No Carnaval o Deus dá tolerância na gente. Não quer mais nos ver kudikular.
( Perdoem este devaneio pelo meu linguajar kalu.Uma boa semana para todos)
11 comentários:
Caro Carlos Albuquerque
Uma excelente "estória" que contem uma crítica demolidora no seu final.
Pena o Africano de Massamá não passar por cá.
Grande abraço
Rodrigo
um texto engraçado numa linguagem diferente.
A dança das palavras e das gentes .
O ondular dos pensamentos nas danças se saracoteando do jeito que eles sabem.
Perdoar pelo linguajar?
Mas é esse linguajar que dá um maravilhoso "sabor" ao texto!
Carlos
"Deus dá tolerância na gente", digo eu depois de ler este teu texto.
"Deus dá 'paciência' na gente" quando sentimos tanta saudade daquela terra e do modo risonho do linguajar.
Soube-me tão bem! E não fui "nos astros pedir".
Beijo
Meu amigo
É esse linguarejar que dá o sentido à história e ao lugar.
Um beijo
Sonhadora
Esse palavrear cantante é... cativante. Fora ele, e na situação, te digo amigo, que o aconteceu foi "tampa":
"Olhou ela de frente e lhe disse: Dança comigo.
Ela lhe mirou. Ficou demorada nos olhos que lhe encontrou, e lhe falou: Só se foras tenente."
Se foras nada. Para mim, nem havia justificação era "tampa", que a regra de negar uma dança, num salão, não precisa dela, não.
A última que aceitou dançar, quis comigo casar...
(agora explica aí o que é "kudikular"?)
Folha Seca (Rodrigo)
Não quero ofender os Africanos.
O tal de Massamá não passa de um anhuca que anda a ver se acaba com os Portugueses.
Abraço forte, Rodrigo
Luís Coelho
"A dança das palavras e das gentes", e "O ondular dos pensamentos".
Que gosto me deu ler o que aqui deixou.
Um dia, se mo permitir, pegarei nas suas palavras e tentarei, a partir delas, escrever um post.
Muito obrigado pela sua visita a esta humilde cubata
Laura (Acácia rubra)
É tanta, mas tanta, a saudade daquela terra e das suas gentes...
Saudade que nos sabe bem.
Beijo e um kandandu grande.
Sonhadora
O linguajar, nosso ou dos outros, que nosso fazemos, é o que dá sentido a tudo, à vida. Tem razão.
Gostei de a ver por cá.
Um beijo
Rogério Pereira
"Tampa"!
Ué! Cada vez tu não sabe "tampa" é aqueres coiso de pôr na boca das panela.
Espera, malembe, malembe. Ela quis te casar!? Lhe fizeste cazumbi...
Kudikular é quando os olhos da gente enchem e deitam água - chorar.
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