Na casa da minha infância trabalhava um Mwata de nome Milagre. Criado de servir (como naqueles tempos se dizia), o velho era para todos, não um empregado, mas um membro da família. Conversava, dava conselhos, resmungava, arrumava uma cadeira fora do sítio, e lá ia fazendo uns trabalhos, poucos, na cozinha.
Nos entardeceres dos dias de escola, quando eu e amigos regressávamos a casa, juntávamo-nos com ele aos pés de uma mandioqueira no meu quintal.
Nos entardeceres dos dias de escola, quando eu e amigos regressávamos a casa, juntávamo-nos com ele aos pés de uma mandioqueira no meu quintal.
Magro e seco como um abacateiro, alto como as mangueiras da Funda, carapinha e barbicha esbranquiçadas, o negro Milagre era velho como um embondeiro. Se lhe perguntavam não sabia dizer a idade nem mesmo se menos velho alguma vez tinha sido. E eu pensava: o meu Mwata nasceu já assim com idade crescida e sábio.
Com o Milagre, ficávamos até as mães nos chamarem. As suas mãos secas de dedos finos e compridos, esculpiam no ar histórias de encantamentos, que escutávamos seduzidos. De quando em quando interrompia-se, quedando-se em silêncio a fumar um cigarro enrolado com a parte acesa virada para dentro da boca, como fazia a lavadeira enquanto esfregava a roupa com o filho dormitando agarrado às costas por um pano envolvendo-lhe o peito.
Às vezes, o Milagre alçava os braços.
Não entendia porque o fazia.
Pareciam-me impulsos do coração do Velho, em busca de mistérios perdidos ou de acontecimentos para anunciar, lá por cima, nas terras do céu. Olhava-o, a ver se sim, mas permanecia inescrutável. – Não resisti. Um dia, perguntei-lhe:
- Porque te chamas Milagre?
Virou-se para mim. Ameigou-me o queixo e o cabelo com as mãos. Levantou-me suavemente a cabeça. Deixou repousar os seus olhos nos meus, e respondeu:
- Porque Deus me fez, e a minha mãe me disse assim!
Com o Milagre, ficávamos até as mães nos chamarem. As suas mãos secas de dedos finos e compridos, esculpiam no ar histórias de encantamentos, que escutávamos seduzidos. De quando em quando interrompia-se, quedando-se em silêncio a fumar um cigarro enrolado com a parte acesa virada para dentro da boca, como fazia a lavadeira enquanto esfregava a roupa com o filho dormitando agarrado às costas por um pano envolvendo-lhe o peito.
Às vezes, o Milagre alçava os braços.
Não entendia porque o fazia.
Pareciam-me impulsos do coração do Velho, em busca de mistérios perdidos ou de acontecimentos para anunciar, lá por cima, nas terras do céu. Olhava-o, a ver se sim, mas permanecia inescrutável. – Não resisti. Um dia, perguntei-lhe:
- Porque te chamas Milagre?
Virou-se para mim. Ameigou-me o queixo e o cabelo com as mãos. Levantou-me suavemente a cabeça. Deixou repousar os seus olhos nos meus, e respondeu:
- Porque Deus me fez, e a minha mãe me disse assim!
(Esta saudade não passa!)
9 comentários:
Carlos. As memórias de criança,jamais esquecem,como prova aqui no texto que li.
Beijinho
Que ternura se respira ao ler este texto!
Belas recordações de infância,
onde a vida sorria e nos levava a brincar!
Beijo,
Carlos
Quando leio o que escreve sobre a sua infância, consigo quase tocar esses laços de ternura que ficaram, em fortes nós, presos à sua vida.
Coisas pequenas que constroem as almas grandes e generosas...
Um beijinho
Estas saudades estão tatuadas no coração.
E originam textos tocantes, como este. Adorei!
:-)
Um beijo.
Olha... simplesmente maravilhoso texto. Confesso que a frase final do velho me arrepiou.Que bacana! Um abraço e ótimo final de semana
Carlos
Tudo nos marca na vida, mas as lembranças de criânça ficam mais marcadas ainda.
parabéns pelo o bonito texto
abraço, Jose
Muito obrigada amigo,pelo bonito comentário,mas não me diga para eu não pôr coisas bonitas,depois da luta para as encontrar,o que diriam os meus seguidores,além de que procuro sempre agradar e me sentir realizada,colocando o que eu gosto e esperando que gostem também,embora eu tenha a noção,que nem sempre isso acontecerá.
Gostei da história do Milagre,é muito bonita e transporta-nos a outros mundos,onde nunca estive.
Um bom fim de semana e um beijinho...MIUÍKA
O encantamento das estórias que nos fazem felizes as memórias...
Um abraço
Carlos, venho me desculpar pela ausencia, mas não estou bem de saude.
Estamos muito traumatizados e tristes com tudo o que aconteceu, (viste la no meu blogue)
Vim agradecer teu carinho,
e dizer que é sempre uma delicia "viajar" com vc
nos teus textos tão convidativos.
Bom fim de semana.
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