sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Saudade da saudade

No andar das minhas saudades abre-se uma clareira, um espaço sem caminho, uma terra a que faltam chão e céu, em que ar não há, para onde uma se escapa e se perde. É a saudade do que nunca verei, das palavras que ficarão por dizer, do sono que não terei, do sonho que não virá. Da tristeza, sempre saudosa dos instantes felizes.
É a saudade das flores que nascerão, sem que as veja, dos rebentos brotados, da dor que me não magoará. Do olhar reluzente em que deixarei de mergulhar. Das carícias de mãos de veludo. Dos murmúrios e sussurros, que ficarão por escutar. Da vidraça da janela do meu olhar. Do colo do meu descanso e aconchego. Da Lua e das estrelas, espreitando noites de amor sob as casuarinas sopradas pela brisa nascente nas águas da Kyanda.
É a saudade de outras saudades, inquietas e agitadas, mas também de meiga e profunda ternura. É a saudade do mar e rios porque nadei na minha infância, do mundo que mudará sem que o veja. Duma véspera que chegará sem amanhã. Da embriaguês com os odores da terra vermelha beijada pelo choro das nuvens. Das tempestades vencidas.
É a saudade da escola, da fisga de caçador furtivo, das correrias por aventuras loucas, do gesto destemido, na guerra, a segurar a paz, do assobio reunindo amigos, da ximbica aprendida. Da rebeldia. Do grito da Liberdade. Do encontro com a consciência. Das fogueiras crepitantes, dos merengues nas rebitas mussequeiras. Das denguices requebradas das meninas do baile, do calor enleante das esteiras. Das sementes encantadas de tamarindo, do beijo da pitanga. Da ardência dos caluquetas.
É a saudade de ausências e presenças, do meu outro eu, companheiro de muitas andanças. Do relinchar dos cavalos à solta do meu espírito. Do choro da solidão.
É a saudade do barro que um dia amassei, moldando o amor com que vivo, no arco-íris da minha tribo.
É a saudade desta saudade fugitiva, que, num dongo sem leme, me leva para anoiteceres e alvoreceres desconhecidos.

27 comentários:

continuando assim... disse...

a saudade , que pode ser tão sofrida e ao mesmo tempo tão terna

gostei Carlos

:) bj
teresa

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Sabe, meu amigo, às vezes eu me pego assim, sentindo saudades do que nunca tive, porque sei que foi (ou é) sonho impossivel, apenas quimera. Minha alma portuguesa é um poço de saudades, doces, serenas, aflitas, sufocantes, depende muito do momento em que ela resolva se abrir...
Seu texto é muito lindo, foi me levando através de tantas saudades que acabou por despertar as minhas.
Beijos

Penélope disse...

Olá, meu querido amigo!
Nunca me identifiquei tanto com um texto como este.
Há quem diga que é triteza... que é sofrer...
Eu digo que toda esta saudade é a que nos mantém vivos e cheios de sentimentos.
Beijinhos neste teu coração lindo

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

"Saudade da saudade". Um termo novo, muito criativo. o texto é ótimo ocmo todos os anteriores. Um abração,xará

José disse...

Olá amigo Carlos,
Que bonito texto, Você lida com as palavras de maneira,que me dá um
prazer imenso ler aquilo que escreve.
talvez seja a sua sensibilidade que
está sempre ai à flor da pele.

Saudade de outras saudades
também eu tenho meu amigo
no tempo de outras idades
que eu esquecer não consigo

Mas a vida é mesmo assim
e tudo isto é normal
é para si é para mim
para todos é igual

Um bom fim de semana
E um grande abraço, José

Carlos Albuquerque disse...

continuando assim

É como eu a sinto!
Obrigado.
Bj, Teresa

Dulce

Desculpe ter despertado as suas saudades...
Beijos

Carlos Albuquerque disse...

Malu

Navegar pelas saudades é, também, encontrar a vida!
Beijinhos, Amiga

Carlos Soares

Grato pelo comentário amigo.
Abração, xará

Fragmentos de Elliana Alves disse...

lindo blog,bjssssssssss e bom final de semana!!!

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

heli disse...

Carlos.
Ao passar pelo seu blog, li seu texto e também senti saudade da minha saudade.Essa saudade gostosa que faz a gente sentir uma forte emoção ao lembrar de tantas coisas que moram em nosso coração.
bfs
beijos.
heli

Carlos Albuquerque disse...

José

Bem-vindo, vencedor!
Obrigado pelo versejar que aqui deixou.
Grande abraço

Fragmentos de Eliana Alves.

Foi um prazer recebê-la.
Vou visitá-la.
Abraço

Teresa Diniz disse...

Olá Carlos
Será que é sinal de que já passaram por nós muitos anos e vivemos muito e fomos felizes sem saber que o éramos? E agora queríamos voltar a sentir o mesmo, sabendo que o sentíamos. Mas já estamos para lá desse ponto. E ainda há muito para fazer.
Bjs

♥ ♥ Eu disse...

A pior saudade é daquilo de se deixou de fazer, do sonho q não aconteceu e da vida q não se viveu.

mil beijinhos e ótimo fds prá vc!

Mª João C.Martins disse...

Carlos

Sei que cor tem esta saudade, que de saudades se veste e se despe, todos os dias, em tantos momentos.
Gosto de pensar que um dia quando for bem velhinha, talvez junto à paz de uma lareira acesa, irei gostar de desfolhar o livro da minha vida e encher-me de lágrimas e sorrisos pelas páginas que quero sentir completamente escritas. Mas há medida que o tempo passa,( e ainda tenho tanto para escrever nesse livro..), sinto que já leio e releio cada frase, inscrita em tantos momentos, e é essa saudade da saudade que sinto, e que simultaneamente me enternece e me angustia.

Excelente texto, Carlos. A arte de fazer as palavras tocarem no mais intimo de cada um.

Um beijinho muito grande

Mário Margaride disse...

Olá, Carlos,

A saudade, deixa-nos num balançar de emoções, ora para a tristeza, ora para a alegria. É assim a saudade.

Um bom fim de semana!

Abraço

Mário

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amigo Carlos,

O seu texto cheirou-me intensamente a África, onde nunca estive, mas dizem-me os amigos que lá viveram e vivem, (tenho uma sobrinha economista a trabalhar em Angola e um cunhado da minha irmã a trabalhar, há muitos anos em Moçambique)que nunca mais se esquecem sobretudo das cores e dos cheiros.

Entendo que se possa ter saudades até do que nunca se teve, a nossa imaginação viaja através dos relatos e é quase uma viagem da qual sentiremos saudades.
Será assim o seu caso???

Eu tenho saudades de muitos países onde nunca estive e certamente nunca estarei, ou será que já estive???

Beijinhos

Agulheta disse...

Amigo Carlos.
Tantas vezes nos encontramos a sentir saudades,e as mesmas nos levem alto os pensamentos e sentimentos,só nossos e ocultos.
Beijinhos e bfs
Lisa

Maria Ribeiro disse...

CARLOS, meu amigo: de certo modo, vais de encontro ao meu poema...QUE SAUDADES EU TENHO DAS SAUDADES QUE NÃO PODEREI TER...
TEXTO RICO, POÉTICO, porque cheio de MENSAGEM!O QUE MAIS AMO NOS TEUS TEXTOS É o impressionismo que ressalta das IMAGENS, DAS ALEGORIAS, DAS PERSONIFICAÇÕES... E ESTA MARAVILHOSA METÁFORA:"DO CHORO DA SOLIDÃO"!!!!!!!!
BEIJITOS DE LUSIBERO

Carlos Albuquerque disse...

Heli
e
Teresa
agradeço a vossa vinda e as gentis palavras aqui deixadas.
BJS

Carlos Albuquerque disse...

Maria João
Quando escrevo não sei se as minhas palavras irão tocar no intimo de cada um. Sei, sim, que elas se soltam do meu intimo.
Um beijinho

Eu
Completamente de acordo!
Bjs

Carlos Albuquerque disse...

Fernanda
Cheiro a África? Penso que sim, ela corre-me pelo sangue.
Beijinhos

Mário Margaride
É como dizes, e mais, a saudade também nos balança para o futuro.
bfs para ti, também.
Abraço

tulipa disse...

Olá Carlos

Obrigado por me teres "levado" nos meus pensamentos para as saudades de outros tempos, outros lugares e outras pessoas!

Por vezes dá-me vontade de desabafar e "partir tudo", foi o que ontem fiz num post com o título "Através de".

No próximo sábado - dia 5 de Dezembro vou receber o meu primeiro prémio na área da escrita – uma menção honrosa por um poema que participei num livro colectivo.

Descubra-me através das respostas que dei a um desafio que me foi proposto: qual a minha mania, o meu pecado capital, o melhor cheiro do Mundo para mim, uma história de infância, enfim, um sem número de situações que aconteceram na minha vida.

Até uma melhor oportunidade, deambulei por PARIS e já estou de volta, mostrando um pouco do que por lá vi e passeei.
As fotos não são as melhores porque a cor do céu não ajudou muito, quase sempre nublado, mas o mais importante é que não apanhei chuva.

Beijinhos.

Lisboa disse...

Saudade... diz uma antiga canção:
"saudade, sete letras que choram..."
Saudade...palavra tão difícil de ser traduzida. Em línguas. Em palavras.
Grande abraço

Manuela Freitas disse...

Olá Carlos,
Essa persistente saudade é como se fosse uma segunda pele, saudade do que fomos e do que imaginamos ser...sempre a SAUDADE, que é tão nossa!...Também eu ando assim grudada numa saudade constante. Belíssimo texto.
Beijos,
Manuela

Anónimo disse...

Boa noite...
Linda postagem,ah!!!saudade companheira q nos faz viajar a lugares longiquos trazendo as lembranças q maracaram as nossas vidas.
Um beijo grande

Elaine Barnes disse...

Que texto lindo! Fico admirada como você transporta os sentimentos e faz a gente sentir cada realidade que escreve.Parabéns, até sua saudade é maravilhosa! bjão

Laura disse...

Olá. Há quem me critique por ter saudade da minha terra amada, mas, não ligo, é preciso que tenham vivido lá, amado, para sentir a imensidão da saudade que existe em cada um dos que por lá deixaram parte da alma...

Porque não a amarei ?...


Porque não a amarei
àquela terra de longe
se foi nela
que meu espírito moldei
que minha alma
transformei
na flor do imbomdeiro…

Se nela dancei
e requebrei meu corpo
se foi lá que amei
e senti
o doce sabor do amor
porque não amarei
a terra que me deu o seu amor!...

Escrito aqui e e agora...
beijinho da laura.

Teresa Santos disse...

Carlos,
Felizes os que sentem essa saudade! E aqueles que não tem de que ter saudade? Aqueles para quem essa palavra não tem significado? Aqueles que não querem, sequer, pensar nessa palavra?
Quem sente dessa forma a saudade da saudade só pode ter sido (é) feliz.
E eu partilho dessa tua felicidade, caro Mwata.
Abraço grande.