segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sonho morto


No lugar dali vivia ela.
Ele morava no sítio daqui.

No espaço do meio, a língua de alcatrão, filha daqui, por onde corriam sons vadios, estava lá para dizer que além era terra vermelha, mussequeira, com fogueiras, tambores, cantares, danças gentias da noite e cazumbices.
Todos os dias, quando a Lua já vinha se destapando, ele saía, ximbicando o dongo do desejo, descia no principio da terra, entrando pelo quintal sem porta. Procurava-a, vi-a, tocava-lhe. Falavam-se com palavras de dizer sentimentos que lhes corriam por dentro, ainda filhotes. Alagavam sangues com calores. Ela dava-se com silêncios de sussurros e sorrisos de menina. As almas dos dois amigavam, aproveitavam, subiam às alturas, dançando em festa. O amor passou a ser de muitas noites.
Quando, daqui, ele chegava, no escurecer sem Lua, as nuvens entravam em frenesi, desenhando-lhe estrada murmurante, que o levava aos sorrisos de menina. Regressava, roendo a noite, envolto em carícias.
Os sentimentos cresceram. Os sorrisos passaram a ser de luz, de mulher.
Uma dia o dongo encalhou numa noite diferente, num de repente. A terra mussequeira tornou-se queimada crepitante. O vento soprou-lhe gritos e som de tiros. Correu, para a mulher de sorrisos de luz, a ela se abraçando. Ficaram os dois, bem juntos, beijando-se com palavras meigas, trocando purezas de felicidade. A Lua fugitiva desceu, cirandou à volta deles. Fundiram-se num só sítio.
A manhã apareceu sobre aduelas queimadas, ainda fumegantes, trazendo um Sol com raios de fogo.
A guerra chegara!

39 comentários:

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amigo Carlos,

Uma história de amor linda, emocionante e contada numa linguagem nova para mim. Adorei, aliás gosto muitíssimo de como escreve.
Pena que o final seja tão trágico.

Meu amigo, no meu post dos prémios, tem lá um selo para si, o da Amizade. Ele é para todos os que me visitam, como está lá escrito.
Espero que goste. Eu ficaria muito feliz se o aceitasse.

Abração amigo,

o mar e a brisa do prazer de aprender disse...

Que sensibilidade é pura poesia. Vc consegue passar as sensações para o leitor. Abraços criativos

Teresa Diniz disse...

Carlos
Que pena a guerra vir cortar os nós criados pelo amor. E acontece mais vezes do que devia.
Bjs

Mª João C.Martins disse...

Carlos

Correr para um abraço que funde dois seres que se amam, quando o medo se instala...
O amor e a guerra, contraste e contradição num texto deliciosamente escrito, como é seu hábito!
Eu insisto.. quanta poesia, Carlos!

Carlos Albuquerque disse...

Fernanda

A guerra escreveu tantas histórias trágicas...
Quanto ao selo, aceito com todo o gosto e amizade, irei buscá-lo.
Abração amigo

Teresa

Nunca devia acontecer...
Mas a humanidade que somos é assim, nascida da guerra...
Bjs

Penélope disse...

Quanto BOM sentir de um AMOR verdadeiro, mesmo com um final meio amargo.
Um AMOR envolto a ternura que quase não existe mais.
Amei toda a prosa, cheia de lindas metáforas que aqui encontrei.
Beijinhos, amigo

Carlos Albuquerque disse...

o mar e a brisa do prazer de aprender

Grato pelo comentário. Mas olhe, que maior poesia há que no nome do seu blog?
Abraços

Carlos Albuquerque disse...

Maria João

Que melhor há do que o amor para combater o medo, mesmo que nos leve a vida? Eu sei que é assim.
Obrigado pelo terno comentário.
Quanto à poesia, o que eu gostava de a saber escrever!
Beijos

Malu

Olá, amiga!
Que prazer ver-te de visita à minha cubata e saber que gostou do que leu!
Beijinhos, amiga

maria teresa disse...

Vidas cruzadas, fundidas, tantas vezes reais...
Bj

Akhen disse...

Uma estória que não tem lugar para ser guerra e apenas tem uma guerra para desfazer lugares. Pior, porque as guerras desfazem vidas de pessoas que depois só entram nas estórias.
Quando o ser humano irá pensar que as guerras, tal como a tuberculose ou a sida, têm que ser combatidas como doenças que, como as outras, têm que acabar?
Um abraço

R disse...

Carlos,
Que bem que escreves. Parabéns! Uma história linda, que termina de forma triste, como terminam muitas histórias de amor e de vida, quando a guerra se instala.
Um abraço

continuando assim... disse...

e essa a ess~encia da felicidade!! é não ter medo :)

bj
teresa

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Essa guerra sempre cruel que chega trazendo desesperanças, separações, dor, destruição, morte... essa guerra que que transforma homens em animais irracionais, mulheres em frangalhos, em nada, essa guerra que parece nunca terá fim...
Uma linda e triste história que se repete hora a hora por este nosso incompreensível mundo...
beijos, Carlos, e um bom dia para você.

uminuto disse...

se há o amor, porque tem de se inventar a guerra?
um beijo

Carlos Albuquerque disse...

MARIINHA

Obrigado.
A guerra mais não faz do que alimentar uns quantos e ceifar a vida a muitos, muitos outros...
Um abraço

continuando assim

Talvez, talvez a essência da felicidade seja não ter medo.

Akhen
Completamente de acordo!
Um abraço

Carlos Albuquerque disse...

maria teresa

É verdade que sim...
Bj

Dulce

Quando será, mesmo, que a geurra terá fim, se ela vive no espírito dos poderosos!!??
Beijos

Carlos Albuquerque disse...

uminuto

Como responder a essa pergunta?
O amor é a única força que se opõe à guerra, só que...
Um beijo

Elvira Carvalho disse...

Excelente texto sobre sentimentos entre dois seres em tempos de paz.
Quando a guerra chega a terra antes fértil vira terra queimada, os sentimentos se confundem o amor e o ódio se abraçam.
Um abraço e uma boa semana

Agulheta disse...

Carlos!
Lindo o texto,onde o sentimento do amor,vençe todas as barreiras entre as quais a guerra,e para combater a mesma só a força do amor.
Beijinho
Lisa

Manuela Freitas disse...

OLá Carlos,
Que linda história de amor, embora ensombrada pela guerra!...Gosto muito da su forma de narrar, do seu vocabulário africano. Pelas suas palavras cheira a África e o mais interessante é que eu nunca estive em África, mas o que tenho na ideia é que terá uns cheiros fortes e intensos.
Afinal qual é o cheiro de África?
Beijinhos,
Manuela

Carlos Albuquerque disse...

Agulheta (Elisa)

É como diz, minha amiga, a força do amor é um poder forte contra a guerra.
Obrigado pela presença.
Beijinhos

Manuela Freitas

Agradeço o comentário simpático.
O cheiro de África?
Para mim é o cheiro do amor, foi lá que o encontrei, e o da saudade eterna. Também da terra vermelha molhada pela chuva (odor único), das anharas e chanas e das suas gentes. Da vida que corre tranquila, sem pressas, e de tanto, mas tanto mais...
Beijinhos

RENATA CORDEIRO disse...

Olá, amigo
Sua história é lindamente bordada
O final nada surpreendente é real
Tudo poderia ser distinto
E porque nós queremos há-de ser
Continuemos sempre
Beijos abraços muita saúde,
Renata

JIM disse...

Carlos Albuquerque

Vou pedir-lhe um favor;

Quando puder vá a
jim-viajantedotempo.blogspot.com
e diga-me o que acha.

Akhen

Um abraço

Carlos Albuquerque disse...

JIM

Já fui ao seu blog.
Lá deixei escrito o que penso.

Um abraço

lusibero disse...

CARLOS: AMOR em tempo de guerra... LINDO! UMA SINESTESIA RESSALTA, perante meus olhos: "A LUA... DESCEU...CIRANDOU...AINDA FUMEGANTES..." como o amor vivido na paz se se projectar para lá da guerra... Não é possível, pois não?
BEIJO DE LUSIBERO

♥ ♥ Eu disse...

Tô saudades...

mil beijinhos!

Carlos Albuquerque disse...

lusibero

Porque não!?
Beijo daqui

Eu

Já fui lá, matei saudades...
Mil e um beijinhos

José disse...

Olá amigo Carlos,
Estou de volta,embora ainda não muito bem,mas não tenho nada de grave pelo menos na biopsa e nos exames que fiz não acusou nada.
A cabeça já está mais tranquila e o resto também, obrigado amigo pelos seus comentários e por tudo.
Agora tenho um probelema no meu computador,nalguns blogs não marca a minha passagem mas marca a visita. mas isto é o menos.

Um grande abraço, José
não sei se é no servidor se é no computador

Carlos Albuquerque disse...

Olá José,

É bom tê-lo de novo por aqui, e com saúde.
Quanto ao computador, o filho não dá um jeito?

Um grande abraço

manuel afonso disse...

Belo texto, sem dúvida.
Trata-se de texto em prosa envolvido em poesia, enriquecido pela história cheia de sentimento e lancinante fim. Sempre gostei do uso do vocabulário próprio, vernáculo, se for necessário, mas comprometido com a história, o lugar e as pessoas. Quem nunca esteve em África, como é o meu caso, sente o calor, as grandes planícies, o campo, o pó, tudo o que nos faz envolver nas memórias das leituras e imagens anteriores.
Continue a deliciar-nos com a sua escrita.

continuando assim... disse...

nem toda a gente tem o previlégio de amar e sofrer também por amor :)
bj
bom texto

teresa

Lisboa disse...

Então temos uma bela e trágica estória de amor. Ou de guerra. Não importa; é poesia, é arte, é pura beleza!
Parabéns, amigo, o amor é o único toque de humanidade que pode haver em meio a guerra; o resto... não gostaria de ofender os animais, dizendo ser a guerra "animalesca", antes dize-la "humanelesca!"
Grande abraço

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Texto inteligentíssimo. O cenário descrito por você no texto foi perfeito.Pude vislumbrar. A guerra chegou, infelizmente como chega todos os dias.Somos propensos à ela, estamos sempre armados para a guerra, sendo que seria mais fácil dar uma chance à paz, como disse John Lennon.Esse "dar uma chance à paz" que ele fala, é pra gente ver se não é mais fácil de resolver as coisas. E não falo só de guerras armadas de nações não.Falo de guerras íntimas que carregamos dentro de nós. E sobre lobos em pele de cordeiro, está cheio mesmo. Um abraço,xará

Marcia disse...

Amigo

Passei prá te dar um oi por que ando meio sumida , mas olha só nunca esqueço dos amigos como voçê...

O post é lindo , fiquei tentando imaNo espaço do meio, a língua de alcatrão, filha daqui, por onde corriam sons vadios, estava lá para dizer que além era terra vermelha, mussequeira, com fogueiras, tambores, cantares, danças gentias da noite e cazumbices.
ginar a cena descrita

Deusa Odoyá disse...

Olá meu amigo Carlos:
A guerra traz muitos dessabores, muitas lutas e muitos amores por fim jogados ao relento.
Uma linda e comovente história onde o amor deveria não acabar.
Pois a paixão une os corpos, mas sómente o amor entrelaça os espíritos, e nessa guerra teria sim que ganhar o Amor.

Beijinhos doces, meu amigo.
Fique na paz.

Regina Coeli.

Carlos Albuquerque disse...

Nereida

Certeiro seu comentário
Grande abraço

Continuando assim

Obrigado, Teresa.
Há quem tenha o privilégio de que falou!
Bj

Manuel afonso

Grato pelo seu afável comentário.
Abraço

Carlos Albuquerque disse...

Carlos Soares

Bem-vindo xará.
Um abraço agradecendo as palavras deixadas.

Marcia

Oi, tudo bem?
Os amigos ficam sempre, né?
Bjs

Deusa Odoyá.

Uma nova amiga que recebo com amizade.
Beijinhos, Regina

Ianê Mello disse...

Lindo e riquíssimo texto!

Nada como o amor para aplacar a dor.

Nos braços do amado enfrentar a guerra...

Estou encantada com tudo o que aqui li.

Gostaria que me visitasse.

Um beijo.

Carlos Albuquerque disse...

Ianê Mello

Gentil comentário, obrigado.
Vou de visita ao seu blog.
Um beijo