sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Pensador (Que fazer?)



Domingo na Praia Norte


Ali está o mar

a abrir portões

não sei para onde

Bravo, indomável, doce e fagueiro quando para tal lhe dá. Molha terra rochosa, de piso áspero, com gentes como outras quaisquer.
Olho-o. Indigno-me, encrespo-me como ele. Fica-me o corpo em pedra-pomes.
Grito, no meu silêncio, à espera que as pedras, ali atrás, escurecidas e enrugadas por sóis, ventos, águas e noites ao desatino, façam eco.
Mas não! O som, no silêncio, por mudo se fica.
Regresso às águas. Foram elas, as ondas de espuma branca, a razão do meu clamor por me terem mostrado restaurantes cheios de gente com marcação, outra à espera; ali almoçam quatro por um quarto do salário mínimo nacional; noutros, um inteiro não chega.
Levanta uma gaivota, desfaz-se uma onda. E agora, diz o mar, amansando as vagas, estás a ver ali? Pessoas, muitas, arrumadinhas em filas à espera que abra o novo shoping para o lotarem, consumindo, gastando, numa orgia sem fim. E, sabes quanto ganha um, ou uma, operador de caixa numa daquelas coisas, mesmo nas daquele que aparece na televisão todos os dias, sim, esse que fez uma operação ao estômago em Paris? Arroxeavas-te de vergonha!
Repara agora, insiste o Atlântico: vês os stands? Só utilitários, não é? Os outros? Os topos de gama (posso dizer assim, ou preferes que diga de luxo?) foram-se, já os compraram.
No Algarve, no México, em Cuba, na República Dominicana, e mesmo em sítios por descobrir, está tudo esgotado.
Escuta. Agora passa pelas rádios, televisões e jornais. Escândalos por todo o lado. A banca…a banca…! Só um está preso! Mas, então, as notícias não falam de fraudes e de outras falcatruas, jogos escuros, negócios fora da lei, nesta, naquela e naqueloutra instituição bancária, no tal sistema financeiro?
E nos centros de saúde? Isso mesmo, aí, tratam-te como perro. Perdoa mas o vocábulo espanhol soa-me mais brando, não quero ferir-te os ouvidos, já basta o que te vai carcomendo o coração e enegrecendo o espírito. Por isso é que o Benfica é terceiro, em espanhol. Dói menos e o Quique recebe euros e palmas, em português.
E os pedófilos? Viste-os condenados? Na Casa Pia continua o regabofe, troam as notícias. Aquilo está infectado até à medula. A ex-provedora gritou fechem-na! Para ela, porém, ouvidos de mercador.
Uns senhores jovens, outros não tanto, vão todos os dias às televisões. Há crise, dizem.
Alguns, à parte, mais andados na idade, uns meio gagos, outros com as palavras a enrolarem-se-lhes na boca com espuma branca de saliva a colar-lhes os lábios, proclamam com ar professoral que daquilo (crise) sempre houve. E continuará assim: os ricos aumentam a riqueza e os pobres a miséria. No meio fica o mexilhão destapado, que se lixe! Isto sou eu que o digo, com palavra menos cuidada.
Ah! E ali no banco emissor? Não querem os administradores, que já ganham mais do que os seus pares na América, aquela dos Estados Unidos, a tal do Obama, aumentos e retroactivos dos mesmos?
A gaivota, lá de cima, grita-me bem alto: nas ruas, nas ruas, tens visto? São aos montes, polícias, professores, operários, agricultores, estudantes, abastados disfarçados de o não serem (dá jeito para engrossar as massas), indigentes, sei lá que mais, numa gritaria, que se ouve muito mais do que a tua, a pedirem que saiam ministros, que o governo vá para cura lá fora e por lá fique. Nos passeios patrões a aplaudirem. E nas saunas dos health, vês quem lá está? A banda dos políticos lamechas, a fazer que desintoxicam para depois se meterem a dizer mal uns dos outros, especialmente dois – ambos com um par de óculos. Giram e giram, maldizendo-se, a pegarem-nos fogo à razão.
E chegam os bombeiros com a história da menina russa.
A ave, baixa, pousa num calhau perto de mim, olha-me de frente e glotera a meia voz: ajuda-me, não sei que fazer, tenho o compromisso de jantar todos os dias com um desempregado, mas já passam do meio milhão. Faltar-me-á, por certo, vida para tanto, o que vou eu fazer?

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