domingo, 15 de novembro de 2009

A Tempestade

A Tempestade
Entrou por ali, por onde as margens do dia se fecharam.
Ximbicando por ela um pau de pitanga com duas palavras agarradas, que nada dizem à chegada. Mas, sabe-se, não se me pergunte de que saber. Sabe-se, só assim – andam em busca dos donos perdidos. Saltam ambas. Colam-se a um pingo batido pelo vento, que desliza ziguezagueando pela vidraça. Mais juntas, agora, xuaxalham. Diz a camba de perna curta para a outra que o não é:
- Para onde é que ela nos levava com tanta raiva?
À não camba sumiu-se-lhe a fala, emudeceu de susto. Só abre mais os olhos.
Para além do pingo agarram as duas, igualmente, a esperança de que os donos as não esqueçam.
Insiste a camba:
- Odeio, odeio quem, como essa que nos trouxe, odeia aquilo de que gosto.
A que camba não é, não abre mais os olhos. Foi-se-lhe o medo, chegou-se-lhe a voz:
- Não odeies, companheira, essa de que falas também anda, como nós, à procura, aparece sempre em busca de um dia novo, da bonança. Se te pões a odiar cegas, não vais vê-los chegar. Olha, repara. Já um ali está.
Esse não lhe vejo, não lhe conheço, nem o outro que vem atrás, diz a camba.
- Aquele, de trás, é o meu, já lhe ouvi o grito:
Vem tempestade, entra por mim!
À camba vai-se-lhe o ar, afoga-se no pingo de chuva.

(Participação no Preto e Branco - Fábrica de Letras)

17 comentários:

Teresa Diniz disse...

Olá Carlos
Que texto tão bonito, de sonoridades africanas, de palavras inventadas ou reinventadas. De onde vêm as suas palavras?

Carlos Albuquerque disse...

Teresa

Ainda menino aprendi o linguajar de outros meninos quimbundos, na terra africana onde me puseram para nascer. Éramos amigos e xuxualhávamos (conversávamos). Quando aparecia um cambaio (metendo os joelhos para dentro) eles diziam vem ali um camba. E, por aí fora. Fui juntando aquelas palavras às minhas. Gosto delas, com elas vivo. Quando escrevo, volta não volta, soltam-se-me algumas.

ematejoca disse...

Esta bela história tem a muito a ver com o desafio, que gostava, que aceitasse, meu caro Carlos.
Veja, por favor, o "ematejoca azul". Obrigada!

Elvira Carvalho disse...

Um texto muito bonito, quase um poema, muito embora o significado da palavra xuxualham me desse que fazer.
camba eu conhecia.
Um abraço e uma boa semana

Maria Letr@ disse...

Olá Carlos,
Em primeiro lugar parabéns pela sua sensibilidade literária. Um lindo texto.
Em segundo lugar - que merece mais um primeiro - boa sorte para o dia 25!!! Espero TUDO seja ultrapassado e volte como esperamos: COMPLETAMENTE CURADO. Depois ..., toca de olhar pela saúde para não voltar a ter (como disse, mais ou menos, ao amigo José) outra uma dessa lista de doenças dos catrapázios da medicina. Vire-se bem para a Natureza que ela até é amiga de verdade. Nós é que lhe somos muito ingratos.
Boa sorte.
Maria Letra

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Bravo! Belíssimo! A África é sempre atraente e misteriosa. Parabéns.

Sandra disse...

BOM DIA!
Vim lhe convidar, para brindarmos juntos na festa surpresa que a Curiosa preparou para o nosso Querido a amigo João.
A champanhe já está gelando e bolo ficou uma delicia.
Venha para cá...Vamos brindar mais esta alegria em companhia do João!!!
Agora vou, tenho muitos para convidar..

Manuela Freitas disse...

Olá Carlos,
Que história interessante e com um cheiro tão forte a África!...Estou sempre à espera de novas histórias suas.
Beijinhos,
Manuela

meldevespas disse...

Vim da Fábrica de Letras até aqui, e gostei do que li. Mais gostei do que ouvi. Já alguém aqui em cima falou da sonoridade das palavras que usa. pois é Carlos, muitas delas nem as conheço :), mas ainda assim sooam doces, quase como um embalo.
Cumprimentos

ematejoca disse...

Gostava de saber o significado das palavras: xuxualham e camba.

Foi um prazer, que aceitasse o desafio, e será um prazer, se levar a imagem. Meu caro Carlos, pode levar tudo dos meus blogues sem perguntar e sem mencionar o meu nome.

Um abraço de um Düsseldorf chuvoso!

Carlos Albuquerque disse...

ematejoca,
lá em cima, na resposta à Teresa, está explicado o significado das palavras.
Por aqui também chove!
Um abraço

Carlos Albuquerque disse...

ematejoca,

Obrigado pela cedência da imagem.
Os créditos serão sempre incluídos, o seu a seu dono.
Irei publicar, de seguida, a resposta ao desafio.
Um abraço

Carlos Albuquerque disse...

Carlos Soares
Sandra
Grato pelos vossos comentários.

elvira carvalho
O xuxualhar deu assim tanto que fazer?
Um abraço a todos

Carlos Albuquerque disse...

Maria Letra

Foi um prazer conhecê-la. Agradeço o comentário. Quanto ao resto, há-de correr bem.
Vou conhecer o seu blog.

Manuel Freitas,

Prometo: vou tentar colocar outras histórias. Não quero que deixe de visitar a minha cubata.
Beijinhos

meldevespas,

Ainda bem que não deu por mal empregue a sua viagem. Volte. Irei conhecer o seu blog
Cumprimentos

Maria Ribeiro disse...

CARLOS ALBUQUERQUE: O CHEIRO A ÀFRICA,É UMA CONSTANTE NOS TEUS TEXTOS! HOJE JÁ DESTE A EXPLICAÇÃO DE CERTAS PALAVRAS AFRICANAS, O QUE
FACILITOU A COMPREENSÃO. A ÁGUA É O GRANDE PROBLEMA DE CERTAS ZONAS DO GLOBO, ÁFRICA INCLUÍDA. PORTANTO, NÃO ADMIRA QUE ALGUÉM QUEIRA QUE A TEMPESTADE ENTRE POR SI DENTRO!
BEIJO DE LUSIBERO E QUE TUDO CORRA PELO MELHOR , CONTIGO.

meldevespas disse...

Olá outra vez Carlos, muito obrigada pela visita ao meu "tasco", convido-o a visitar o meu outro lugar, onde tenho a minha participação na Fábrica:
http://meldevespas.blogs.sapo.pt/
obrigada, beijinho

Ginger disse...

Mais uma operária que se apresenta pela Fábrica. (H)

Muito bonito o texto.. novos sons aos meus ouvidos.

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