quarta-feira, 27 de maio de 2009

Leituras (A Viagem do Elefante)





O Regresso
de
José Saramago

São muitas, e desejadas, as obras de Saramago na minha biblioteca.
Esta foi a última a chegar




Li com gosto, como sempre acontece com tudo o que me vem do autor, a viagem de um elefante indiano de Lisboa até Viena de Áustria. O paquiderme, Salomão de seu nome, foi prenda de casamento do Rei de Portugal D. João III, o Piedoso, e de sua mulher Catarina da Áustria, Rainha de Portugal e infanta de Espanha, a seu primo Maximiliano, arquiduque de Áustria, naquele tempo a viver em Espanha (Vallodolid), como regente do reino, no palácio do Imperador Carlos V, seu sogro, que era, também, irmão de Catarina.

O bicho lá foi, não sem antes, num cercado em Belém onde estava guardado, o terem lavado com uma escova de piaçaba de cabo comprido, do lixo acumulado por dois anos, num país que o trouxera da Índia mas que não sabia o que fazer com ele, enquanto a rainha Catarina, invejava a sorte do animal por este ir gozar a vida para a cidade mais bela do mundo, ficando ela “entalada entre hoje e o futuro, e sem esperança em nenhum dos dois».
Quando o apresentou Saramago considerou o livro um conto, e não um romance, porque, “lhe falta o que caracteriza em primeiro lugar um romance: uma história de amor – o elefante não conhece uma elefanta no caminho – e conflitos, crises”.
Para o autor A Viagem do Elefante é uma metáfora da vida humana: “ este elefante que tem de andar milhares de quilómetros para chegar de Lisboa a Viena, morreu um ano depois da chegada e, para além de o terem esfolado, cortaram-lhe as patas dianteiras e com elas fizeram uns recipientes para pôr os guarda-chuvas, as bengalas, essas coisas”.
Acrescentou: “Quando uma pessoa se põe a pensar no destino do elefante – que depois de tudo aquilo acaba de maneira quase humilhante, aquelas patas que o sustentaram durante milhares de quilómetros são transformadas em objectos, ainda por cima de mau gosto – no fundo, é a vida de todos nós. Nós acabamos, morremos, em circunstâncias que são diferentes umas das outras, mas no fundo tudo se resume a isso”.
Seguindo o narrador criado pelo autor, andar por A Viagem do Elefante foi, para mim, acompanhá-lo no olhar irónico e sarcástico sobre o mundo, na crítica política, social e religiosa da sociedade, enquanto, ao mesmo tempo, me dava conta dum manifesto de compaixão solidária com as fraquezas humanas observadas.
Andei, com a pena observadora e critica do narrador, pelo passado, presente e futuro, vendo com ele, de entre outras coisas, a acção de estrangeiros que, onde quer que estejam, gostam de se sentir em casa. Um dia no Algarve, previu-me ele, “ toda a praia que se preze, não é praia mas é beach, qualquer pescador fisherman, tanto faz prezar-se como não, e se aldeamentos turísticos, em vez de aldeias, se trata, fiquemos sabendo que é mais aceite dizer-se Holidays’s village, ou village de vacances, ou ferienorte”.

Que José Saramago possa, ainda, escrever mais.

1 comentário:

carmen disse...

TAmbém viajei com o Salomão, e devido ao meu momento, senti muitas vezes a dor da finitude, a perda das ilusões, além de todas as questões políticas e sociais.
Saramago também me emociona, sempre, e leva-me a reflexão, mesmo que pesada.
Bjks