Ele tem uma amoreira no jardim.
Sem história, mas senhora duma arte: esfria o calor, refrescando tudo à sua volta. É mãe de muitos rebentos, sobre os quais as manhãs costumam empoleirar-se. Dias há em que por eles sussurram abelhas. Já se ouviu a voz do tempo dizer ser filha da jaca do quimbo de Adão e Eva.
É alta e robusta, embora mais baixa que o tamarindeiro, mas, ao contrário deste, arquitecta de larga sombra. No meio da folhagem verde-escuro por onde passeiam as amoras, primeiro verdes, depois arroxeadas, e, a seguir, já quando maduras, tintas como sangue, abre-se um espaço. Chuvas rijas despejadas do interior e ventos vagabundos varridos do mar, os mesmos que no equinócio impelem as calemas, quebraram-lhe um galho, que se desprendeu arrastando folhas e ramos mais pequenos, sem que qualquer ninho de bico-de-lacre trouxesse, desenhando o lugar por onde agora se vê o outro lado.
Ao pôr-do-sol, que é quando o tempo lhe sobra, e a luz da estrela por lá espreita, senta-se na escadaria da varanda, ajeita a madeixa teimosa e põe-se a mirar pelo buraco.
Lá está, Ela. Morena, nariz arrebitado, olhos gaiatos, risonhos, sedutores, mescla de azul e verde, onde faisca o querer, cabelos dourados com fios arruivados.
Ela tem também uma árvore no jardim, um tamarindeiro. É sob ele que está, contando as sementes que se soltam dos vagens caídas de cima, já mucefas. Chega-lhe o olhar trazido do poente viajando pelo buraco da amoreira. Uma das sementes de tamarindo salta-lhe para o regaço. Olham-se as duas. Diz Ela: leva-me a Ele.
Do alto do tamarindeiro desce um remoinho, sorve as sementes, chama o Sol já de partida, e a Lua que chega. Leva-os, a todos, à escadaria da varanda do jardim onde vive a amoreira. Tece colares. Deixa um no peito d’Ele, regressa com outro para Ela. Dos corações de ambos escutam-se tan-tans alvoraçados.
O Sol despede-se, a Lua enche, perene de luz e essências do ceu. O buraco da amoreira fecha-se. Na manhã de amanhã o tamarindeiro folheará mais verde.
Ela e Ele vivem hoje um amor eterno, de sementes de tamarindo, e beijos de amora.
Sem história, mas senhora duma arte: esfria o calor, refrescando tudo à sua volta. É mãe de muitos rebentos, sobre os quais as manhãs costumam empoleirar-se. Dias há em que por eles sussurram abelhas. Já se ouviu a voz do tempo dizer ser filha da jaca do quimbo de Adão e Eva.
É alta e robusta, embora mais baixa que o tamarindeiro, mas, ao contrário deste, arquitecta de larga sombra. No meio da folhagem verde-escuro por onde passeiam as amoras, primeiro verdes, depois arroxeadas, e, a seguir, já quando maduras, tintas como sangue, abre-se um espaço. Chuvas rijas despejadas do interior e ventos vagabundos varridos do mar, os mesmos que no equinócio impelem as calemas, quebraram-lhe um galho, que se desprendeu arrastando folhas e ramos mais pequenos, sem que qualquer ninho de bico-de-lacre trouxesse, desenhando o lugar por onde agora se vê o outro lado.
Ao pôr-do-sol, que é quando o tempo lhe sobra, e a luz da estrela por lá espreita, senta-se na escadaria da varanda, ajeita a madeixa teimosa e põe-se a mirar pelo buraco.
Lá está, Ela. Morena, nariz arrebitado, olhos gaiatos, risonhos, sedutores, mescla de azul e verde, onde faisca o querer, cabelos dourados com fios arruivados.
Ela tem também uma árvore no jardim, um tamarindeiro. É sob ele que está, contando as sementes que se soltam dos vagens caídas de cima, já mucefas. Chega-lhe o olhar trazido do poente viajando pelo buraco da amoreira. Uma das sementes de tamarindo salta-lhe para o regaço. Olham-se as duas. Diz Ela: leva-me a Ele.
Do alto do tamarindeiro desce um remoinho, sorve as sementes, chama o Sol já de partida, e a Lua que chega. Leva-os, a todos, à escadaria da varanda do jardim onde vive a amoreira. Tece colares. Deixa um no peito d’Ele, regressa com outro para Ela. Dos corações de ambos escutam-se tan-tans alvoraçados.
O Sol despede-se, a Lua enche, perene de luz e essências do ceu. O buraco da amoreira fecha-se. Na manhã de amanhã o tamarindeiro folheará mais verde.
Ela e Ele vivem hoje um amor eterno, de sementes de tamarindo, e beijos de amora.
14 comentários:
Que lindo. Fez-me lembrar de "um amor para sempre"...
LINDO, CARLOS! POÉTICO! DIGA-ME: e depois o que vai nascer dessas sementes? A luz do SOL de ÁFRICA encarregar-se-á...
BEIJO DE LUSIBERO
Bonito texto...só essa imagem do tamarindo, já é sedutora e forte...
Bjs,
Manuela
Um amor de sementes de tamarindo e beijos de amora... como deveriam de ser todos os amores!
Excelente texto, como sempre.
Um beijo
Ainda esta manhã estava a observar os singelos pardais que faziam festa num pé de Flãboiam, na rua...
Foi lindo ver a arruaça dos pássaros que brincavam loucamente.
Daí, venho para cá e encontro uma descrição tão bela e fico pensando:
que festa que aqueles pardais fariam nesta tua natureza, tão delicadamente por ti desenhada.
Beijinhos do coração, Carlos
Fiquei sem palavras. Sua escrita é M-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a!!!Linda de viver. Parabéns! bjs de amora
que amor esse... :)
gostei de ler e passar por aqui
bj
teresa
Amigo Carlos. Sei que o texto é realmente belo,só penso que o Tamarindo! Deve ser uma árvore de países de àfrica,escrita maravilhosa,e como deve ser a escrita do amor.
Beijinhos Lisa
Amigo Carlos.
Venho agora, do blog da Graça Pereira,e os meus olhos ainda eatão um pouco embaciados.
Ainda assim dá para ver este bonito texto,e as sementes do tamarindeiro
germinaram cresceram e floriram
um grade abraço
José
Carlos,
estou, senão extasiada, pelo menos encantada com o que estou vendo por aqui!!!
Antes de comentar (pois é a primeira vez, não é?) fiz um verdadeiro tour pelo teu blog.
Meu amigo, vou voltar para ler o que restou!!!
Aprendi muito, conheci bastante. Amei.
Obrigada por seguir-me.
Abraços.
Carlos,
volto de além mar para dizer-te que a nossa campanha de 'não-violência' é uma bandeira levantada por uma amiga, a Beta, do blog mixdeinformacao.blogspot.com
Se quiser participar, vá até ele e informe-se melhor, ok, amigo?
No post anterior, eu fiz a chamada, mas quando coloquei a minha colaboração, falhei não citando novamente a levantadora da 'bandeira'...
Perdoe-me, e junte-se a nós...
Outro abraço!
Olá Carlos. Seja bem vindo!!!
Que bom que estamos ganhando novos elos! E que bom que está em outro país.
Que tal começar uma blogagem sobre o assunto na europa? Afinal a violência está em todo lugar não é? rs
estou te seguindo.
Participe!!
Fique à vontade!
Bj
Beta
Muito bonito!
Bjs.
Um texto muito bonito. Transpirando poesia por todas as letras.
Um abraço e bom fim de semana
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