sábado, 30 de janeiro de 2010

Haiti (O pesaddelo)

A TV transmitiu o que um haitiano disse ao mundo:
- Um dia destes seremos vampiros. Vamos matá-los e comê-los em salsichas!
A ONU afirma que a reconstrução do Haiti vai demorar décadas!
Comida distribuída, violência nascida. Rouba-se e mata-se por um pedaço de pão e um pingo de água! Guerra sangrenta. Quinze mil militares norte-americanos estão lá, de armas na mão, a dar uma “ajuda”, vá-se lá saber a quê, ou a quem!
Um membro do “governo” haitiano afirma, com ar pomposo: “Vamos construir a República de Port-Au-Prince”. O resto, para além da cidade dos senhores, que o leve o mar, ou outro terramoto! A corrupção espreita, ávida.
Médicos de Porto Rico colocam na Internet imagens festivas da sua ajuda humanitária – armas na mão, copos brindando, serrotes de amputações mostrados! Animalizados, os haitianos estão a ser tratados como animais, como troféus de caça!
Já o disse em post: depois do terramoto, o pesadelo. Gostava de me ter enganado, mas não.
Por isso o meu Sábado, nascido calmo, entristeceu, murchou o olhar, entrou em desatino. Anda num traz e leva, num rodopiar, qual pirueta apanhada por remoinho. Abre e fecha gavetas. Olha para o relógio, a querer desmarcar as horas, mas estas, mesmo coxas que estão algumas, não se dão por achadas, não andam para trás. Acumula silhuetas no saco de viagem, mais um livro de poemas.
- Não, não me perguntes nada, não queiras saber (diz-me ele), estou de partida para o Domingo.
E deixa-me, assim, neste vazio, capítulo terminado dum livro que não escrevi, como se o tempo e eu fossemos um só! Sabe ele que não, que o Tempo e eu nos não andamos a dar bem! Mas vai, encostando-me a não sei que sonho, a um tocar em saudade morta.
Saiu, para a paisagem de Domingo, pela escotilha do navio do meu viajar, que hoje fica em doca seca. Logo mais, quando aquele chegar, a ver hei-de ir, se traz o olhar do Sábado.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sonho do Viajante

Que hei-de fazer
a este tempo todo?
Andei por um sonho de roupas usadas. Nele me encontrei com gente esquisita, bruxas sem piaçaba, dragões apagados, cavaleiros apeados, virgens perdidas correndo pelo vale de um rio seco. No meio de uma mata a Bela e ele, dormindo ambos.
Aquilo era terra sem mar nem ar, nem Sol, nem chuva, e Lua não tinha. Não dava para sonhar, mas continuei.
Também por lá vi uma lâmpada, baça, de génio despejada. Caminhei por uma estrada, em que mais ninguém viajava. Ao fundo dei com uma gruta de portas escancaradas. Lá estavam, não quarenta, mas mais de mil, agarrados a tetas que, adormecidas, se deixavam sugar. Um deles, ser de olhos faulhentos e dentes saídos, intimou-me a sair.
Cá fora havia um coreto. Um maestro nu dirigia, de batuta na mão. Não vi quem tocava, apenas ouvi uma música lânguida e triste. Para lá do caramanchão pastava um rebanho de carneiros por sobre relva amarela. Na terra do lado, tingida de vermelho, espantalhos faziam que dançavam.
Saltei, então, do sonho.
Despertei com iras, tempestades e calmarias inventadas, a um tempo só!
Que hei-de fazer a este tempo todo?
Estou sem paciência para repousar o pensamento.
E vocês, que fariam?

(Creio já o ter dito. O Viajante passou a viver nesta cubata com o Mwata e comigo. Julgo que este sonho o terá tido numa viagem que fez à terra dos lusitanos)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Testamento (Alda Lara)

Hoje, desperto por uma ida ao blog Mar de Chamas, da Elisa Ramos, e contrariando o costume dos meus últimos posts, trago-vos um trabalho de outrem, da poetisa angolana Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque (Benguela, 1930 - Cambambe, 1962), conhecida como Alda Lara. Deixo-vos este poema:


Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
(Alda Lara)


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Pergunto (Respostas)



Ficou dito que as respostas à pergunta do post anterior seriam colocadas em post. Aqui estão elas, por ordem de chegada. Ao editá-las, retirei, por razões de economia de espaço, saudações e o que não tinha a ver, directamente, com a pergunta. Se quiserem ver as respostas, na íntegra, poderão, obviamente, ir à caixa de comentários do post anterior, que elas lá estão tal como recebidas.

Acho que eu estava dormindo!!=)rsrs ,e esta chave eu não sei de onde pode ser... talvez de algum cofre?hum, se for... me conte o que tem dentro! qdo abrir é claro!! =)

A fechar a arca dos sonhos e a abrir a porta do acordar.

brisonmattos (sem link fornecido e de perfil inacessível)
estava a olhar nos olhos grandes e brilhantes da Suzynha, que veio me acordar lambendo a minha cara toda, pensando como é muito bom viver.

Eu estava deitado, com os olhos fechados,e sonhando que me tinha que levantar,porque era quase meio-dia.

Clecilene Carvalho (http://clecilene.blogspot.com/)
De repente as 10:30 uma pergunta me chamou atenção:O que estavas a fazer, quando acordaste?Tentei responder e me perdi ao tentar dizer,Que estava em meio a um lindo sonho...
Onde havia igualdade, respeito, amor, Havia choro, mas era de alegria...Entre os humanos, encontrava-se humanidade da qual não era preciso criar leis para exigi-la. Todos com ela nasciam. Ao acordar pedir a Deus para que tudo não fosse apenas utopia. Então, a meu ver, a chave é de uma grande fechadura, onde Somam-se todos, inclusive eu e você, para juntos em um melhor viver.

Quando acordei, estava a viver no mundo real. Agora, "acordadinha da silva", entrei no mundo da ficção.

...a humanidade ainda caminha dormindo.logo...

Acho que a trouxeste da outra tua casa...aquela que habitas no outro Mundo onde todos vivemos durante a noite.Sabes, eu sonho muito...e muitas vezes sonho com casas e pessoas que conheço como a palma da minha mão.Umas vezes acordo feliz, outras aflita, será porque estou de volta??? será porque era mais feliz ou menos no outro Mundo de onde vim???!!!Quem sabe??? Diz-me tu, amigo!!!

Eu estava a sonhar que, finalmente, o sol ia afastar as nuvens que têm ensombrado e encharcado este inverno. E... não é que era verdade?Talvez a tua chave fosse a do S. Pedro, que se decidiu a abrir o azul do céu!

Hoje, quando acordei, estava deitada no sofá à espera...

Eu estava a dormir só com um olho. O outro estava a ver o Open da Austrália...Esta coisa de haver torneios de ténis durante a noite troca-me.

Só sei que essa sua chave é bem uma CHAVE MESTRA, pois até aqui já abriu 11 corações e almas, em lindos comentários. E com ela ficamos a pensar tantas coisas, refletir sobre a vida, o amor, a humanidade, acho que abriu nosso domingo com chave de ouro.Na verdade abriu uma interessante comunicação entre nós, o perguntar e ouvir, interessar-se pelo outro. Isso nos enriquece, nos torna mais sensíveis e humanos. Parabéns por essa chave que nos valorizou a vida e o domingo.

Pergunta pertinente,olha estava a dormir,mas já naquela fase do acorda que se está a fazer tarde,depois ir buscar o pão fresquinho a padaria da esquina e trazer os jornais para a leitura de Domingo,e ver as noticias via TV e internet,e espantosa uma que li?(homem retirado dos escombros passados onze dias eonde comeu pequenas coisas,e bebeu (CocaCola) e ainda tinham que fazer jus a marca,até na mais tenebrosa castratrofe,se olha aos bolsos e à publicidade? como vai o mundo.

À espera de ouvir o "Bom Dia" de meu maridão (como é bom ter alguém ocupando permanentemente nosso coração e nossa vida).Concordo com Ney; essa sua chave abriu muitos pensamentos.

Estava a pensar que, com o solito que fêz de manhã e a hora cedo em que abri os olhos, era o momento ideal para a minha caminhada...A tua chave... tu não queres dizer,mas é do coração de alguém que ta entregou e que agora anda desesperada com um coração fechado dentro o peito...Só tu podes resolver o problema...

Não me preocupo muito com chaves, aliás tenho muita dificuldade com elas. Deixo tudo aberto...Mas esta chave talvez seja a chave dos SENTIMENTOS, que hoje vivem às mínguas, todos guardados a cofres e ninguém quer abrir para dividí-los, por conta de tantos medos e egoísmos, mas como tua chave é uma chave mágica, mestra, com certeza conseguirá descobrir e adentrar neste mundo de EMOÇÕES que os sentimentos reservam.

Acordei com o som dos passaros nas árvores do jardim e o sol entrava pela janela quarto adentro :)(verdade, verdadinha!!!, e ter inveja é feeeeeio)

Recolhendo copos que ficaram pelo chão na noite de ontem.

Eu tinha a marca de um beijo...procurei por todo o apartamento, na varanda e até debaixo da cama, mas não encontrei o autor de tal façanha. Será que me beijo a sonhar...?

A sonhar, Carlos, a sonhar....Essa é a chave dos segredos, aqueles que escondemos nos sonhos e que ao acordar, deixamos de saber onde estão.Não se esqueça de adormecer novamente com ela na mão. É bom sonhar!

Quando domingo de manhã acordei estava deitada na minha cama, ouvindo uma vózinha de criança a chamar pelo meu nome, pedindo-me para lhe ir fazer o pequeno almoço!
CARLOS – MENINO BEIJA – FLOR (http://gvpoeta.blogspot.com/)
Tentando abrir outras gavetas de meu coração,de meu ser.
Memórias de uma simples Maria (http://mariamapola.blogspot.com/)
A utopia a deixou aqui,pela ânsia e sede de justiça...Queria ver um sorriso em cada rosto... Não queria ver ninguém tristeNo fundo... no fundo...Com aquela simples chaveEla abriria o coração do homemEntão ele enxergaria o próximoE ela consertaria o mundo

Filoxera (http://escritoaquente.blogspot.com/)
A ter um pesadelo. Acordei assustada.
/\/\/\/\/\
(Agora, façam o favor de visitar os blogs linkados. Verão que não vos estou a fazer uma má sugestão!)
Um abraço. Boa semana para todos.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Pergunto


Ao acordar neste Domingo, de Sol envergonhado, tinha uma chave na mão!
Andei pela casa, de porta em porta, de gaveta em gaveta, nenhuma lingueta de fechadura correu. De onde terá vindo tal instrumento? De onde o terei trazido? Esta e outras perguntas fiz. A curiosidade continua por matar. Desisto de me perguntar. Passo a questão aos visitantes que aqui chegarem:

O que estavas a fazer, quando acordaste?

(Não vale dizer que estavas a dormir...! As respostas deixadas serão colocadas em post)

Bom Domingo

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Prémios (Certificado de Qualidade)

Recebi esta distinção da Teresa Santos (http://blogcronicasdateresa.blogspot.com/).
Delicadeza que me envaidece e agradeço. Como diria o Mwata, se aqui estivesse, bué de feliz me deixaste! Obrigado Teresa, por mais este alento. Quer a Teresa que passe o “Certificado” a cinco blogs (fá-lo-ei mais tarde) e responda, “numa forma saudável de conhecimento” (não o faz por menos!), às perguntas que aqui deixo, com as respectivas respostas:
a) Tens medo de quê?
Chegado aonde cheguei, com tanta cinza deixada para trás, sou hoje um espaço sem medos. Quando sustos aparecem, a quererem fazer-se medos, converso com eles, elevando a voz, se necessário for. Espanto-os e continuo.
b) Tens algum guilty pleasure?
Alguns: tabaco, pão com manteiga e vinho tinto.
c) Farias alguma "loucura" por amor/amizade?
Já fiz e continuarei a fazê-lo.
d) Qual o teu maior sonho? [Não vale responder Paz, Amor e Felicidade;)]
Que um dia não haja crianças com fome. Que acabe a tortura do destino que lhes tem sido dado.
e) Nos momentos de tristeza, abatimento, isolas-te ou preferes colo? (Não vale brincar)
Um colo, uns ombros e uns lábios que me reanimem. Por vezes, só mesmo uma conversa com o silêncio da solidão.
f) Entre uma pessoa extrovertida e outra introvertida, qual seria a escolha abstracta?
Nem no campo do abstracto escolho as pessoas por este critério. Devo acrescentar, contudo, que não gosto de gente átona.
g) Sentes que te sentes bem na vida, ou há insatisfações para além do desejável?
Insatisfações para além do desejável, nenhuma. Não consumo bagatelas. Sinto-me bem na vida.
h) Consideras-te mais crítico ou mais ponderado? (mesmo sabendo que há críticas ponderadas)
Mais selectivamente crítico. Não critico por tuta-e-meia, nem sou de criticas hiperacesas. Ao mesmo tempo, ponderado.
i) Julgas-te impulsivo, de fazer filmes, paciente ou... (define o que te julgas no geral).
Se filme é “fita”, não, não faço. Impulsivo, sim.
j) Consegues desejar mal a alguém e eventualmente concretizar? (Responder com sinceridade) Não, de todo! Mas de quando em vez, vem a tentação. Lá dou comigo a “desejar” que aquele bronco tropece e parta o nariz, para deixar de cheirar o que não deve!
k) Conténs-te publicamente em manifestações de afecto (abraçar, beijar, rir alto...)
Por regra. Sou socialmente contido. Detesto “afectos” simulados. A gargalhada alarve incomoda-me.
l)Qual o lado mais acentuado? Orgulho ou teimosia?
São ambos sócios, a cinquenta por cento. Tenho uma prateleira no peito, nela coabitam os dois.
m) Casamentos homossexuais e/ou direito à adopção?
Que se casem…! Adopção? Ainda não acabei a discussão comigo próprio.
n) O que te faz continuar com o blogue?
Coisas como esta, de estar aqui a responder a perguntas de A a Z!
o) O número de visitas ou de comentários influencia o teu blogue?
O número sabe bem, mas não influencia. O interessante é ver quantos comentários (e de que tipo) recebe cada tema colocado em post! Por vezes há surpresas, digo eu, ou talvez não!
p) A tua blogosfera pessoal e ideal, como seria ela?
Um campo de interactividade participada, apelativa, geradora de solidariedades, proporcionadora da discussão despida de linguagem grosseira e sem crivos censórios.
q) Deviam haver encontros de bloguistas? Caso sim em que moldes e caso não porquê?
Apresentar o virtual ao real, talvez fosse interessante…Em que moldes não sei, ele há tantos!
r) Sabes brincar contigo mesmo e rir com quem brinca contigo? (Não vale responder com ironias)
Todos os dias ao acordar, olho a ver se é verdade. Confirmado o despertar, chamo o menino que há em mim e digo-lhe vamos brincar. E brincamos! Quanto a quem brinca comigo, depende, o meu sentido de humor tem reservado o direito de admissão!
s) Já agora, qual ou quais os teus principais defeitos?
Talvez a teimosia, se defeito se lhe pode chamar! Teimosia na maneira como não sou dado a tolerar a falta de educação, a mentira, o grosseirismo e a violência. Detesto chicos-espertos!
t) E em que aspectos te elogiam e/ou achas ter potencialidades e mesmo orgulho nisso?
Tenho recebido elogios por ser solidário, o que muito me orgulha.
u) Entre uma televisão, um computador e um telemóvel, o que escolherias?
Computador. Televisão, às vezes. Telemóvel dispenso.
v) Elogias ou guardas para ti?
Elogio o, ou quem, me pareça merecer. O elogio estimula, revigora e é um reconhecimento.
w) Tens a humildade suficiente para pedir desculpa sem ser indirectamente?
Em absoluto!
x) Consideras-te, grosso modo, uma pessoa sensível ou pragmática?
Hipersensível. Igualmente pragmático. Entendo que uma coisa nada tem a ver com a outra.
y) Perdoas com facilidade?
Sempre tive dificuldade em perceber o que é o perdão… Desculpo, mas nem sempre.Já rompi conhecimentos por não querer desculpar.
z) Qual o teu maior pesadelo ou o que mais te preocupa?
O que mais me preocupa é a sedução do ser humano pelo abismo…

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Haiti (depois do terramoto)

O pesadelo.

Pilhagens, saques e violência sucedem-se. Assaltos a armazéns do WFP (Programa Alimentar Mundial), já ocorridos. Grupos armados (quem os armou!?), provavelmente ainda resquícios dos "tontons macoutes", a guarda pessoal do corrupto e sanguinário ditador que foi Papa Doc, assaltam as pessoas roubando-lhes o pouco dinheiro que lhes resta. Há notícias de que poderão estar a ser atirados para as valas comuns corpos ainda com vida.
A ajuda solidária internacional chega, é um facto, mas o Haiti não tem governo, infraestruturas, ou o que quer que seja que permita montar uma logística de distribuição adequada. É o pandemónio, sem que os poderosos do mundo, os deuses, consigam pôr-lhe fim, virados que estão, certamente, para outras bandas de diferentes interesses.
Triste espectáculo está o mundo a dar!
França e Estados Unidos quase se pegaram de razões. Paris a não querer perder a influência na região, Washington a enviar para o terreno milhares de militares. A propósito do auxílio norte-americano, o Governo de Sarkozy fez saber à ONU: “ajudar não é ocupar, mas recuperar a vida”.
Helicópteros norte-americanos voam a baixa altitude, lançando alimentos e água. Em terra luta-se, violentamente, por apanhá-los. Porque não avança uma esquadrilha com contingentes armados (que já lá estão) e se cria uma zona para distribuição segura da ajuda humanitária? Não, os haitianos são tratados como cães a que se lança um osso.
Feira de vaidades!
Bill Clinton, antigo presidente dos EUA foi a Port-au-Prince, falou com os médicos e enfermeiros ,que ali, abnegadamente, trabalham e disse lamentar, mas não lhe foi possível arranjar material de anestesia (!!!). Cirurgias e amputações continuam a fazer-se a sangue frio!
O espectáculo mediático.
Fazendo-se filmar, repórter da CNN pega numa criança a sangrar, corre com ela ao colo, dizendo que a leva “para a barricada”, para a salvar. Fez-se protagonista, foi ele a notícia que correu mundo! Vouyeurismo puro, não jornalismo!
Repórter de uma televisão portuguesa aponta para um local e diz: “ali é uma lixeira de cadáveres”! Os mortos são lixo!
Que jornalismo é este?
Por onde pára a dignidade?
Quanto à ajuda humanitária, temo que venha a acontecer o que vi suceder durante a segunda guerra civil em Angola – que os tentáculos da corrupção e da candonga dela se apoderem, fazendo engrossar a fortuna de uns quantos (em Angola nem os chamados agentes humanitários ficaram de fora, documentei-o, escrevi-o e publiquei-o em livro!), e aumentar a tormenta de muitos, muitos outros. O povo haitiano vai continuar a alimentar-se das práticas vodu, neles instiladas pelos sucessivos dirigentes corruptos e incapazes, e pelos ferozes ditadores que o têm comandado desde a independência, em 1804, perante a quietude e o silêncio cúmplice dos poderosos do mundo.
Milhões e milhões de euros estão a ser doados para a reconstrução do país. Se o mundo do Bem se não levantar, erguer-se-ão mãos a acenar com “luvas”, e enfileirar-se-ão empresas na busca do lucro fácil. Já vi tal acontecer!
Desde 1991, ano em que os capacetes azuis foram para o Haiti, como força de estabilidade e segurança, a ONU continua impotente e incapaz. Vai aumentar os contingentes.
Depois da catástrofe, o pesadelo.
Os haitianos continuam, e continuarão, a sofrer. Um deles, ouvido por uma televisão disse:
- Tenho que sair daqui, aqui já não há vida!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Do Mwata


Bela e carinhosa
Vem da terra mussequeira, saltitando pela encosta do pó, vida cantando.
Cabelo alindado com o rubro das acácias, rosas de porcelana ao peito. Veludo de pitanga madura nos lábios, brincos de semente de tamarindo, na boca o odor de caju mucefe. Mãos acolchoadas por fios de sumaúma. Cintura balançando, roçando as ancas pelos sopros da brisa. Saia de mateba encaracolada. Pés descalços descendo para o mundo da Baixa. Traz no coração um bater novo, sentido ao despertar.
Espreitando por entre os flocos das nuvens que a chuva deixou, entrelaçados, na mandioqueira do quintal, chega-se ele, moadié ladino.
Quedes calçados, pintados a Blanco, calção de dobra feita. Camisa de seda, de banga fazer, fralda ao dependuro, dois botões descasados. Cabelo em popa de brilhantina lustrada, cantarolando a moda da última rebita. Ponta dos pés para dentro, um arrastando, outro arqueando, ele lá vem pelo alcatrão quente.
Duas estradas se cruzam.
Chocam-se, ela e ele. Olham-se, sem palavras dizerem. Apenas se metem a beber os olhares. Dão as mãos. Passam a ponte, dobram o tempo dos anos.
Andam, agora, por sobre os beijos do mar à praia sedenta. Seguem até para lá do farol. Aninham-se sob o escuro, dão-se os lábios, deixam que ternuras e carícias por eles passeiem sentires. Amam-se, com demoras, no silêncio comovido dos dois, silêncio que os envolve, só quebrado pelo tremular das ondas. Trocam-se como flores. Por cima deles as estrelas escrevem com os grãos brilhantes da areia fina que lhes serve de leito. Não se percebe bem o que lá fica dito, elas não o revelam, mas, pelo que se espia, parece ser a palavra Vida.
Guardados pela Lua, adormecem na noite, embalados pelo canto do mar.
Da madrugada acorda a manhã, com um Sol de gaivotas. Ele desperta. Olha-a. Murmura-lhe ao ouvido:
- És bela e carinhosa, minha velha!
Um dedo, enrugado, pousa-se-lhe nos lábios, suavemente.
(Quando o Mwata me deu esta história a ler, e me disse para a pôr aqui na cubata, apeteceu-me ouvir isto: )


Um abraço e desejos de bom fim-de-semana.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Terramoto no Haiti

Deuses cobardes

Passei já por três guerras. Andei por campos da morte. Vi a tragédia, a dor e o sofrimento a meu lado. Tudo o que de pior o homem é capaz. Por anos e anos assim foi. Julgava estar blindado.
Mas não!
Terramoto no Haiti.
As imagens que a TV me mostrou, e as notícias que as acompanharam são aterradoras.
Centenas de milhar de mortos, três milhões de pessoas afectadas. Sangue e destruição por toda a parte. Sei, sei que a solidariedade internacional está já a movimentar-se (em Portugal a AMI – sempre ela – está de partida para o campo necessitado de ajuda), mas a minha consternação é profunda. Apegou-se uma dor.
Que mão poderosa, grosseira e inumana se mexeu no fundo do mar do Haiti?
É a força da Mãe-Natureza a mostrar-nos o quão pequenos e frágeis somos, dir-me-ão. Sim, mas isso não anula a minha dor e revolta. Que mãe-deus é esta que mata e destrói para que lhe vejamos o poder!? Estou, do mesmo modo, furioso com os deuses que, cobardemente, continuam a abandonar o povo do Haiti. Povo sofredor, onde as crianças comem terra para enganar a fome!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ao xadrez

Assinatura reconhecida
Pelo caminho se meteu. Ao fundo, deu com uma casa meio acubatada, duas tábuas a darem ares de porta. Forçou a abertura, sem o conseguir. Caiu-lhe em cima uma tabuleta. Leu o que escrito estava, em linhas meio enviesadas: “aqui vive Deus, em recolhimento, meditando, não entre.”
Obedeceu.
Três dias depois voltou à estrada. Caminhou pelo primeiro desvio. Deu com um portão de ferro, de cadeado franqueado. “ Reino do demo”, leu numa chapa chamuscada e meio amolgada, “faça o favor de entrar”.
Rejeitou o convite.
De regresso a casa, pôs-se a cismar. Assim ficou sete dias inteiros. Ao oitavo, voltou às andanças, por um carreiro de poeiras, desta feita. Uma vida depois parou. Sacudiu o pó, limpou os olhos. Aquilo não era cubata, nem casa, nem nada de parecido, era só um sítio com um letreiro, de luz aos tremeliques, dizendo: “Aqui vivemos os dois. Entre.”
Entrou.
Numa mesa a levitar, estavam, Deus, com o bordão de peregrino no bolso, e o demo, tridente à cinta, a jogar xadrez. Nos intervalos de cada jogo, antes das peças realinhadas, Deus tentava moldar um pedaço de barro. O demo batia com o sílex nos chavelhos, a ver se deles tirava a faísca para atear o tridente. Palavras não as largava o silêncio.
De confusão se encheu. Voltou para trás. Em casa uma vez mais imaginou, com tenacidade. Findo o torvelinho do pensamento tornou ao sítio do letreiro, que já lá não estava. Caída no chão, apenas uma parra gatafunhada.
“Ele ganhou, mas batotou. Voltarei mais tarde. Quero a desforra. Assinado – demo.”
Ao dobrar da folha, numa das esquinas, estava aposto o carimbo: “Assinatura reconhecida por Deus.”
Ficou sem saber que destino dar aos seus pensares perturbados.
Muita vida depois, foi de novo ao letreiro. Encontrou-o, despido de dizeres, de luz apagada. Claridade, apenas a do tecto brumaceiro descido da Lua, chegando para os ver. Um sem o bordão de peregrino, outro despojado do tridente. O primeiro de testa enrugada e barbas longas, o segundo de chavelhos caídos. Ambos envelhecidos, mas continuando, em silêncio, de olhos pregados no xadrez.

(Estória aqui trazida pelo meu amigo Viajante, que passou a partilhar esta cubata com o Mwata e comigo.)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Desafios (Manias)

A Austeriana e o Pedro desafiaram-me a revelar cinco manias minhas, e passar o desafio a cinco blogs. Manias? Mas eu só tenho manias! Cinco? Deixa ver…

1 - Pensar que amanhã não haverá crianças a morrer de fome;
2 - Que conseguiremos banir as palavras guerra, pobreza, inveja, ódio, solidão e crueldade.
2 - Ter a secretária em desalinho. Se ma arrumam perco-me;
3 - Tomar café em jejum e fumar um cigarrito. De seguida continuar a escrevinhar a vida;
5 - Ter sempre livros ao alcance da mão
--
Vizinhos a que passo:
http://resteadesol.blogspot.com/

http://beijinhosembrulhados.blogspot.com/

http://mautristeefeio.blogspot.com/

http://ematejoca-ematejoca.blogspot.com/

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/



(PS- A maior mania que tenho é a de não ter compromissos com a vida, a vida é que se comprometeu. A ter-me!)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Aisha e Ipundi

Ninguém vai te levar de mim!
Na praia do Morro da Cruz, de mar de águas azuis, com dois rochedos gémeos dele emergindo, areias brancas e mangais perdidos, Aisha e Ipundi ergueram a palhota, casa dos seus amores. A ela chegam, cada sete luas, vindos da sanzala no meio da mata, do outro lado da estrada, a meio dia de caminho. Quando o cansaço os pega param sob a mafumeira, ali se sentando, em busca de descanso, Aisha recolhendo as flores que do alto caiem em chuva, abrindo-se em sumaúma sobre o seu colo, nele fazendo almofada para Ipundi repousar. Encostam o veludo das bocas rubras, gorjeiam cantares de tecelões amarelos.
Dum e doutro trocados os sonhos, falados os pensamentos, repetidas as juras, sossegado o amor, Ipundi entra pelas águas azuis, nelas nadando como as pétalas dos nenúfares do lago da sua sanzala. Adiante mergulha entre os rochedos, regressando do fundo com os bivalves que oferece a Aisha. Esta abre-os, deles retirando as pequenas pérolas que guarda numa rede pendurada em galho seco de mandioqueira, espetado a um canto da palhota. São o olhar do seu amor para o futuro dos dois, diz ela, correndo os dedos pelo colar de missangas feito pelo seu homem, que lho pôs ao pescoço, naquela noite quente em que os corpos de ambos, fumegantes, se entregaram pela primeira vez, rebolando pelos montes e vales da areia, e em que ela disse ninguém vai te levar de mim.
Um dia as águas borbulharam, Ipundi ficou lá no fundo, sem vir. Aisha esperou sentada, encaracolando a areia com as duas mãos num coração. O dia foi. A noite trouxe Lua cheia, praia-mar e vento frio, mas não Ipundi. O bater do mar emudeceu. Triste, chorando a saudade, Aisha esperou, voltou a esperar. Dias correram. Então, sem que o pranto lhe parasse, decidiu regressar à sanzala. Sentou-se sob a mafumeira. As flores não choveram no colo vazio. Só tinha os seus lábios. Voltou para trás, era de noite, outra vez.
Na palhota despiu-se. Soltou a alma. Retirou as pérolas da rede, enfeitando o corpo com elas. Duas pô-las entre as missangas. Deitou-se com o Oceano a beijar-lhe os pés, olhos quentes fitando as estrelas, braços abertos sobre a areia da praia, que se foi alagando com as suas lágrimas. Disse ninguém vai te levar de mim. Cerrou o olhar.
Ao amanhecer, o Sol afastou nuvens a meterem-se no dia, espevitou os espreita-mares por entre as folhas húmidas dos mangais, chamou os flamingos cor-de-rosa, que logo vieram com o seu ballet encantado pousar ao redor da palhota. A cruz do morro alçou os braços. Os dois rochedos fundiram-se. O mar devolveu, de jeito mansinho, numa jangada de ondas suaves, o corpo de Ipundi, deixando-o, num abraço, sobre o de Aisha, como se de um só se tratasse, ficando os dois ali, repousando para sempre.
No caminho da sanzala a mafumeira chorou uma única flor de onde rolaram duas pérolas brilhantes.

(Participação em "Beleza" - Fábrica de Letras)

domingo, 3 de janeiro de 2010

A fingir, de novo

Está difícil ser lusitano!
Pouco me importa, a minha esperança bate-se bem com os obstáculos. Ela é menina ainda, eu sei, como sei, igualmente, que se fará mulher valente, guerreira. Continuo a gostar de trazer ao peito o passado, o presente e o futuro do povo que sou, que nenhuma noite obscura apagou, que sente e que vive, que chora e ri.
Escrevinhadas estas linhas, peço desculpa pelos três dias de ausência. É que tenho andado aturdido com a paulada que me deu a mensagem de Ano Novo do PR que o meu povo tem. Não, não vou meter-me a analisá-la. Tal é trabalho para comentadores e analistas encartados, que disso fazem o seu abono de família. O que aqui vai ficar não passa de um alinhavar ao meu jeito, desajeitado, portanto.
A prosa do PR nunca é brilhante nem luminosa. É pobrezita, a atirar para o banal. Não obstante ter vindo com alguma ironia e humor, embora negro, a última não fugiu à regra. Disse ele que vivemos uma “crise dupla”, “económica e de valores”. As coisas que ele sabe! A gente anda de bolso vazio e alma nua, ao frio, e ainda não tinha dado por ela! 2010 é um ano potencialmente “explosivo”, falou! Tivesse a mensagem durado um pouco mais e chamaria ao recém-chegado terrorista infiltrado da Al-Qaeda!
A Lusitânia caminha para uma “situação explosiva”, proclama o PR lá do alto do seu monte Hermínio. Receita: pôr os do Governo e os que o não são, mas querem sê-lo, num ringue fechado, mais o PS e os outros partidos com bancos no Parlamento, a querelar. Ele não, ficará de fora, equidistante, a “lutar”!? A gritar (para quem será?) “não tenham medo”, “temos de continuar a lutar”. Acrescentou, como um caseiro, “…continuarei a lutar pelo futuro desta nossa terra”.
Uma pausa só para dizer que me ocorreram, agora, as palavras do Presidente do Brasil, Lula da Silva, sobre a OPEP – “ Se o petróleo sobe a OPEP diz que não é culpa dela, se baixa, também não. Então para que é que é que ela serve?”.
Escutado o PR, os senhores da Oposição gritaram, lá de dentro do ringue, estarem disponíveis para o diálogo, e os do PS para entendimentos! Ó senhores, PR e os outros, já chega de conversas de caixeiro-viajante!
Pois é, 2010 nasceu com fralda suja! Não lha mudo, vou deixá-la secar, o mau cheiro passará. A minha esperança menina far-se-á mulher valente, guerreira e cuidará deste Novo Ano, abrindo o cárcere para onde levaram o povo que sou. Venham cá poetas e escritores, músicos e compositores, enfermeiros e professores, operários e camponeses, advogados de causas justas, médicos cumpridores do juramento, engenheiros de pontes para o futuro, seres vulgares como eu. Venham cá gentes do povo que sou, libertadoras de sonhos. Venham cá!