sexta-feira, 29 de julho de 2011

O FIM

À sombra de uma mulemba, e no atrás do seu tronco, a ele encostado dado a um momento de pensar, decidi pôr fim ao Conversas Daqui e Dali.
Talvez a mangonha se tenha de mim apoderado dando berrida à vontade de continuar.
Talvez!
Mas, de há uns tempos para cá, as palavras parecem ter desacertado o passo da quizomba. Foram-se tornando cambutas, algumas cambaias, tal o peso do silêncio, de dentro e de fora, que foi sobre elas caindo. A maior parte ficou de olhos semi-cerrados como os grãos de areia apagados dos musseques do meu antigamente. As restantes arderam numa fogueira, delas se vendo agora, apenas, fagulhas perdidas no ar.
Mais de dois anos depois de ter chegado à bloga, dela retiro esta minha cubata. Não é uma fuga mas, tão só, o seguir o impulso de parar, a que não resisto. Esta viagem chegou ao fim.
Aos amigos e leitores peço que compreendam esta minha decisão. Ela tem apenas a ver com alguma coisa que está dentro de mim.
Nunca é palavra de que não gosto. Por isso…
Não ponho de lado a ideia de que as palavras voltem a crescer e a quizomba a ressoar, trazendo-me um novo e diferente alento, porventura desafiando-me para a criação de um outro espaço. Não, não ponho de lado a ideia.
Agora é tempo de despedida. Acreditem que não está a ser fácil.
Deixo-vos uma pitanga vermelha, madura, para com ela desenharem um sorriso tão necessário nos dias cinzentos e de tristeza vil que nos vão envolvendo, um caju amarelo cujo fermento e odor vos poderão animar, um quiabo verde e fortificante, um caluqueta ardente para que não esmoreçam, e, um grande kandando (abraço) com ele todos envolvendo.
Recolho-me à gruta do meu embondeiro de onde colhia as múcuas para o arrepiar dos meus dias de então. Regresso às águas azuis e transparentes do mar da Kyanda olhado pelas casuarinas dançando ao bater da brisa e pelas estrelas, que à noite voltarão a pratear o espelho de água.
Até sempre!
[“À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse…Nas minhas próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi sempre o longínquo que me atraiu, e os aquedutos que se esfumavam – quase na distância das minhas paisagens sonhadas, tinham numa doçura de sonho em relação às outras partes da paisagem – uma doçura que fazia com que eu as pudesse amar.” (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)]

terça-feira, 26 de julho de 2011

Do Mwata (À Procura de Palavras)

Passa o olhar pelo redor que o cerca.

Choveu a chuva guardada na promessa da última ida. A anhara, ainda ontem de corpo ressequido e gretado, veste-se agora de seda, porque assim se vê a água que a cobre sorrindo para o céu. Emergindo, aqui e ali, as bissapas e as espinheiras juntam-se às acácias, emigrantes da savana. Sobre as folhas reverdejadas, debaixo dum vento flutuando e falando por assobio, estende-se o manto prateado das tuqueias aglomeradas, parecendo estrelas penduradas. Não tarda, virão as mulheres, talvez Bienas ou Luchazes, recolher o “peixe do capim”, ou como outros dizem o "peixe que voa".

Quando aqui chegou sabia não ter vindo para um ponto de destino mas, tão só, ter atingido uma linha de partida. Tem que seguir; quando a Lua chegar dir-lhe-á para onde.

Tão certo como a existência das tuqueias, sabe que irá encontrar outras terras, gentes, noites e manhãs, sonos e despertares novos, um Sol diferente, e, é o mais certo, aquele grande lago de que lhe falaram e que lhe disseram chamar-se Mar.

Não o amedronta a viagem, nem a incógnita dos novos encontros, quiçá reveladores de descobertas. Nele não moram agitações; é calmo e paciente como o velho cágado da sua meninice, de que se separou já não sabe quando nem onde. O que o inquieta é não saber o que, para além dele, há-de levar consigo.

Aproveitando uma termiteira poupada pelas águas, a ela se encosta, dando-se a pensar: O melhor será levar palavras, sempre poderão ajudar-me nos entendimentos.

Pega num pedaço de terra vermelha amolecida da base da casa das térmitas, e põe-se, com ela, a fazer palavras, passando-as de uma mão para a outra. Assim tem estado, deixando correr o tempo apenas com o silêncio do gesto das mãos, até que a Lua chega, avisando serem horas de partir.

Não, diz ele, só seguirei quando em mim for manhã. É que, sabes, ainda não descobri de quantas palavras vou precisar.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Foram-se!

As férias foram-se sem cerimónias (nem sequer se despediram…), e nós regressámos à bela Região do Oeste. A cada manhã nascida cá continuam, de um lado a auto-estrada, de outro a borda da lezíria por onde passam, ao amanhecer, o pastor e os cães conduzindo as ovelhas ao pasto, de onde só regressam quando o sol lhes diz serem horas. Indiferentes ao vento, que teima em soprar forte, as andorinhas permanecem alimentando as crias para, não tarda, as conduzirem de retorno à rota migratória.

Para trás ficou o terno abraço do rio ao mar. Os golfinhos sorrindo nas águas azuis, as gaivotas e as águias pesqueiras. Onde estive?

Pouco importa. O regresso acontece no Dia da Amizade. Aqui vos deixo o meu abraço.

Se Eu Morrer Antes de Você

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor:

Chore o quanto quiser, mas não brigue comigo.

Se não quiser chorar, não chore;

Se não conseguir chorar, não se preocupe;

Se tiver vontade de rir, ria;

Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão;

Se me elogiarem demais, corrija o exagero.

Se me criticarem demais, defenda-me;

Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam;

Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo...

E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase:

-"Foi meu amigo, acreditou em mim e sempre me quis por perto!"

Aí, então, derrame uma lágrima.

Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal.

Outros amigos farão isso no meu lugar.

Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito.

Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo.

Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu.

"Ser seu amigo, já é um pedaço dele..."

(Chico Xavier)

Adenda: Já depois de editado o post recebi daqui este selo, que reproduzo com todo o gosto.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Mukanda

O Homem quer, os deuses não, a obra não nasce.

Os deuses endemoninharam-se, o Homem passou a ser ninguém, a obra nada mais é do que um cadáver adiado.

-_-_-_-_-

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.

Do mar e nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

(Fernando Pessoa, Poemas Escolhidos)

---

-Parto para férias. Vou para a beira da água ver os golfinhos. Um abraço a todos, e até depois.-