terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Do Viajante

Não sabe se o seu lugar é no mundo ou, apenas, na franja do infinito porque caminha.
Umas vezes vai de pé, tocando o tecto da solidão. Outras, de cabeça roçando o chão, vendo que este é de palavras amordaçadas e portas fechadas.
Ouviu, quando se meteu a caminho, que naqueles montes, ali, a que ele quer subir, as árvores não crescem. Lá a noite é mais antiga que o dia. As auroras já nem sequer vaga ou lentamente se atrevem.
Prossegue, indiferente. O cansaço, porém, estorva-o. Senta-se encostado a uma Mafumeira, a árvore da vida como lhe chamam na terra longínqua onde um dia nasceu. Deixa que a brisa lhe fale de notícias. Escuta-as. Então, num de repente, a brisa é já vento, vendaval, trazendo-lhe um grito:

“(…)
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui pra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!
Que nenhum filho da …. Se me atrevesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,
É comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito…
Prá frente!
Meto esporas!
“(…)”
(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Vida Desta Cubata

Erguida a meio da tarde de 24 de Abril de 2009, com folhas de palma, entrelaçadas por matebas mergulhadas no aroma dos cajus e dos maboques, com um pé de caxinde à entrada, e um quintal de afectos, esta minha cubata vai a caminho dos dois anos de vida. Neste momento, são duzentos os seguidores inscritos (duzentos e dois, na altura em que escrevo este post). Longe, tão distante como o Mar da Quianda, deixado na terra longínqua, onde me largaram para nascer, e em que as casuarinas dançam e cantam quando o luar por elas passa a espreitar os enamorados, estava eu de imaginar que os meus escrevinhares pudessem merecer tanta atenção. Há quem não ligue a isto. Não é o meu caso. Estou agradecido e sinto-me honrado e feliz.
Inúmeros têm sido os prémios e selos recebidos, o que muito me apraz. Agora chega-me este, reproduzido acima, por mãos da Fê-blue bird (Só te peço 5 minutos) e da Brown Eyes (Just a Woman). Muito obrigado, a ambas, pela gentileza. Vem com regras:

NOME: Os meus padrinhos não conheciam, por certo, esta teoria, nem tinham posto os olhos nisto, ou ido até aqui. Outros eram os ventos daquele passado em que a Internet e a nossa Santa Bárbara Wikipédia não sabiam, sequer, que viriam a existir. Seja como for pegaram em seis letras, juntaram-nas como lhes apeteceu, e disseram a quem me trouxe à vida: O seu nome é CARLOS. Com tal nome fiquei, sem ter sido tido nem achado. Quando um dia percebi o que podia fazer com as letras, pus as do meu nome ao contrário, e deu nisto: SOLARC! Logo alguém me disse: é melhor ficares com o outro, este tem todo o jeito de apelido extraterrestre!
MÚSICA: Não tenho uma preferida. No momento em preencho estas regras apetece-me ouvir “Solo Le Pido a Dios”, cantada por Mercedes Sosa.
HUMOR: Não sei fazê-lo, mas gosto desde que não me chegue carregado de gestos e palavras de baixo vernáculo, ou vestido com linguagem obscena.
ESTAÇÃO: Primavera e Outono.
COMO PREFIRO VIAJAR: De avião, sempre! Em alternativa, de automóvel conduzido por mim.
COR: Bege e castanha.
SERIADOS: Aprecio alguns. O último que vi, e de que gostei, foi “The Tudors”.
FRASE: Não sendo, exactamente, uma frase aqui deixo: "Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia". (José Saramago)
O QUE ACHOU DO SELINHO: Uma simpática forma de interacção blogosférica.
A todos os meus visitantes: levem o selo que me foi oferecido e publiquem-no, respeitando as regras, se assim o entenderem. Ah, e é vosso, também, o cravo vermelho, tirado do meu ramo que não murchou nem murchará. Um abraço a todos e um bom fim-de-semana. Eu sei, eu sei, que não respeito as regras do novo acordo ortográfico. Não há, por enquanto, nada a fazer, tenho mau feitio!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dia dos Namorados

Para o assinalar, no jeito que tenho de ser, reponho o post editado há um ano.
"O amor dá forma ao sonho mais belo que é a vida.
Sem ele tudo não passaria de um mar morto."
(digo eu)

Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse ela tinha
Um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de Novembro brincando
De artista nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia – era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
Tão rijo e tão doce – como o maboque...
Seus seios, laranjas – laranjas do Loje
Seus dentes... – marfim...
Mandei-lhe essa carta
E ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
Pedindo, rogando de joelhos no chão
Pela Senhora do Cabo, pela Santa Efigénia,
Me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei à Vó Chica, quimbanda de fama
A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
Ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
Paguei-lhe doces na calçada da Missão,
Ficamos num banco do largo da Estátua,
Afaguei-lhe as mãos...
Falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
Como um monangamba.
Procuraram por mim
"-Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
Levaram-me ao baile do Sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando o meu caso
às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba – dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos – sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo – e ela disse que sim
E ela disse que sim
E ela disse que sim.
(Viriato da Cruz - poeta angolano, Porto Amboim 1928, Pequim 1973)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Egipto

Sim, talvez, logo se verá, foram dizendo os dirigentes europeus, cautelosos e excessivamente tímidos, como sempre, revelando ao mundo uma confrangedora falta de liderança política, inteligente e credível
Não o queriam os falcões israelitas, outros ditadores árabes, e a direita norte-americana de pensamento trauliteiro e conservador.
Mas, quis o povo egípcio, que se manifestou nas ruas tendo apenas a palavra como arma no clamor da indignação contra a ditadura que há trinta anos o oprime.
E Hosni Mubarak caiu!
Dezoito dias depois de iniciada a contestação popular, tempo que Mubarak, mais do que a agarrar-se ao poder, terá passado a negociar e a garantir o seu futuro, o Egipto fora libertado. Logo se fez a festa nas ruas, como não há memória.
Por toda a parte, em especial pelo Mundo Ocidental, se pergunta agora: O que virá a seguir? A pergunta radica no receio, não desprezível, de que o Egipto possa optar por um regime islâmico. Receio alimentado, igualmente, pelos que dizem serem os árabes e os muçulmanos incompatíveis com a Democracia.
Um dado a considerar é que, ao longo dos dezoito dias, em nenhuma das muitas imagens mostradas pelas televisões, ou nas inúmeras notícias que foram chegando, de agências e de enviados especiais, se viu um único sinal de presença islâmica, cujo radicalismo não tem por hábito esconder-se.
O mundo não é o que era há vinte e quatro horas atrás, está em constante mudança. Os mundos Árabe e Muçulmano não serão excepções. Estão já anunciadas manifestações para a Líbia, Argélia e Marrocos. A História está a escrever-se a uma velocidade que se não compadece de quem a não queira entender.
No caso do Egipto a História registará como heróis ninguém mais do que os jovens, que abertos ao acesso à formação, ao conhecimento e à comunicação universal, hoje imparável, se cansaram de viver sem trabalho e liberdade, e querem uma vida com dignidade e justiça.
O que virá a seguir? A pergunta continua, pertinente e mordente. Esperemos e desejemos que o que está a acontecer no Egipto seja a abertura de uma janela para a Democracia, e que os egípcios a consigam construir sem preconceitos.



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Do Viajante

Pousou sobre a terra do chão o prato vazio de natureza.
Passou em redor os olhos, quais dois lagos revoltos a transbordar, em busca do sentido intimo e avaro da sua vida. Depois, pelo tecto sem tecto, olhou para o brilho da Lua, trazendo dela a luz para o ver.
Ele lá estava, como sempre nos últimos dias, deitado de tronco nu, tremendo, testa alagada pelo suor que ela sabia de sabor amargo, por tê-lo dado a provar aos seus beijos.
Olhou-o e disse com palavras amadurecidas no último arco-íris: A esteira é tua, já volto.
Esperou pelo amanhecer.
Cruzou a porta da cubata e partiu segura, bela, mas triste no seu caminhar descalço com os pés sentindo a terra dura e já quente do carreiro a caminho do mercado, quinda à cabeça, e um medo agarrado ao peito. Na quinda levava o vestido de flores com que se aperaltara no dia em que ele a fora buscar ao seu quimbo distante.
Chegada pediu, a quem antes ali se postara, um pedaço de sombra. Sob ela se sentou cruzando as pernas. Ao colo pôs a quinda, o medo deixou-o estar.
Feita a venda foi à drogaria comprar comprimidos, de medo ao peito. Voltou a casa pelo trilho da noitinha. A Lua escondera-se atrás duma nuvem. Acendeu um coto. Ele lá continuava, deitado, de tronco nu. Mas, já não tremia nem o suor lhe banhava a testa. Só o corpo estava. O resto dele partira.
Os lagos dos olhos rasgaram-se em águas de vida perdida, sem brilho, enchendo-lhe o prato, alagando-lhe a quinda.
Hoje, ela vive, vazia de si, apenas habitada pela memória.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A propósito do post de ontem

Depois de publicado o post de ontem, sobre o 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda, recebi alguns e-mails de leitores habituais do meu blogue, e telefonemas de amigos. Não entraram para comentar, mas pediram-me para falar da Jamba. Surpreendido pelo interesse que, tantos anos depois a Jamba ainda suscita, correspondo ao que me foi pedido.
Durante as sanguinárias guerras civis que, após a independência, dilaceraram o povo angolano, a Jamba ocupou um lugar proeminente no imaginário dos portugueses, em especial dos que nutriam (e nutrem) simpatias pela UNITA. Terra mítica a que o então carismático líder daquele movimento (hoje activo, embora minoritário, partido político angolano), Jonas Savimbi, chamou o bastião da sua resistência contra o Governo de Angola, considerando-a «uma conquista política sobre o imperialismo, como foi Londres, sob o comando de Wiston Churchill, sobre o nazismo, e que nunca fechará sobre a história de Angola», o que era, afinal, a Jamba?
Tendo lá estado, por mais de uma vez, assim a descrevi em Junho de 2002:
“…Situada no extremo Sudeste de Angola, para lá de Mavinga, nas chamadas «Terras do fim do Mundo», encravada entre a Zâmbia e a Faixa de Caprivi, a Jamba que eu vi, que a UNITA me mostrou, em visitas sempre acompanhadas, era um conjunto de pequenas sanzalas circulares, cada uma com seis ou sete palhotas e um Jango central (casa de reuniões), distantes alguns quilómetros entre si, interligando-se por um conjunto de picadas limpas e cuidadas. Num dos cruzamentos da mini-rede rodoviária, estava colocado um polícia-sinaleiro. — O célebre sinaleiro da Jamba, tão filmado e fotografado. A este ponto, iam dar a estrada do aeródromo e duas outras: uma da Namíbia, a 80 quilómetros de distância; outra da Zâmbia, a 60. Pela da Namíbia, ocupada pelas tropas sul-africanas até 21 de Março de 1990, chegavam os alimentos, bebidas, tecidos, medicamentos, armas, combustíveis e todo o material de apoio logístico, em colunas organizadas pelo regime do Apartheid, desde sempre apelante incondicional de Jonas Savimbi. Era, também, uma das vias por onde o Exército de Pretória entrava em Angola, sempre que a UNITA pedia o seu auxílio…”
Podem continuar a leitura aqui.
Espero ter correspondido ao interesse dos que me levaram a falar sobre a Jamba.
Um abraço e bom fim-de-semana.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Cinquenta anos depois

Em Luanda, na madrugada de 4 de Fevereiro de 1961, um grupo de angolanos armados com catanas e varapaus, atacou a Casa de Reclusão Militar e a Cadeia Civil, iniciando a insurreição contra o regime colonial português. Vesga e incapaz de entender que a História iniciara, de há muito, de forma imparável, a escrita do livro das independências dos povos, a ditadura salazarista respondeu “rapidamente e em força”, alimentando pela força das armas, e não pela da razão, uma guerra de 14 anos. Durante anos Salazar instilou a mentira: em Angola não se travava uma guerra, mas o combate a um grupo de terroristas que punha em causa a nação lusíada.
A 11 de Novembro de 1975 os três movimentos de libertação (MPLA,UNITA e FNLA) proclamaram a independência de Angola, embora em cidades diferentes: Luanda, Huambo (antiga Nova Lisboa) e Ambriz, respectivamente. Só a do MPLA foi reconhecida e aceite pela Comunidade Internacional, incluindo a Organização de Unidade Africana. O Brasil, no tempo do presidente Ernesto Geisel, foi o primeiro país a fazê-lo. Portugal só tardiamente o fez.
Muito se tem dito e escrito sobre a guerra colonial, e, igualmente, sobre as guerras civis que se lhe seguiram, alimentadas pelos dois senhores do mundo de então: Estados Unidos e União Soviética. Eu próprio publiquei um livro em 2002: Angola – A Cultura do Medo. Não venho, por agora, nada acrescentar. Angola é hoje um país independente, em paz desde 2002. É certo que o caminho seguido não tem sido o desejado pela “Nação Crioula do MPLA”: Uma Democracia Plena com respeito pelos direitos humanos, activista contra a corrupção, reconhecimento e harmonia inter-racial, respeito pelas minorias; um verdadeiro Estado de Direito. Estou convicto, contudo, que os angolanos lá chegarão.
Hoje, ao recordar a data, passei pelos meus arquivos. Peguei num livro. Tem como título “ A Última Grande Oportunidade Para a Paz em Angola”. Foi escrito em Maio de 1999 (depois de mais um acordo de paz entre o Governo de Angola e a UNITA), pelo embaixador norte-americano Paul Hare que conheci pessoalmente, e foi representante especial dos Estados Unidos no processo de paz em Angola, entre 1993 e 1998.
Diz o embaixador, a abrir o seu livro:
«Os angolanos contam habitualmente a seguinte história do seu país: no princípio, quando Deus criou o mundo, ofereceu a Angola as partes melhores, mais belas e mais ricas, e o resto do mundo ficou a lamentar-se. Mas a história da criação de Deus continua. De acordo com os angolanos, Deus lançou uma maldição sobre Angola: a de que esta Terra Prometida nunca passaria de uma ficção. A razão para esta infelicidade é o mau carácter do povo angolano que, de forma figurativa, Deus terá retirado do fundo do barril e condenado à miséria e a disputas constantes».
Conheço bem os angolanos. Sei que, como nós, são pródigos em ironizar sobre si próprios. Aquela facécia, porém, nunca a escutara nem lera. Surpreende que um diplomata tenha aceite, que no princípio Deus andou por aí, de cajado empunhado, em trabalhos de criação, fazendo umas terras, abençoando-as, mas amaldiçoando-lhes os povos que por lá deixava. Outras, erguendo-as, para logo de seguida as anatematizar, enquanto lhes santificava as gentes, numa espécie de carambola divina.
O que dirá o Sr. Hare, se um dia escrever um livro sobre o seu país?