sexta-feira, 19 de junho de 2009

Conversa de Sexta-feira (A modos que um conto sem ponto)







O Reino vegetal
na República dos homens.


Aquele anafado que ali vai mora no rez-do-chão do prédio de gaveto da Rua Sul, a principal do centro da urbanização mais recente da zona. Ao olhar-se-lhe fica a impressão de ter dormido bem a noite. Parece fresco que nem uma alface. Atrás caminha o vizinho do primeiro direito a quem o habitante do piso térreo chamou há tempos, na fervura de uma altercação entre ambos, mariquinhas pé de salsa. Mais ao fundo vê-se agora, vem a porteira do condomínio. Já lhes pôs o olho em cima. Lembra-se ela de ter assistido, por mero acaso, à tal discussão entre os dois. Na altura nada disse que se ouvisse. É pessoa comedida, não metediça na vida dos outros, já lhe bastam os enredos da sua, mas pensou lá com ela: pois, aquilo é só repolho podre, a culpa é de quem os criou que se esqueceu que é de pequenino que torce o pepino. Se qualquer deles tivesse escutado aqueles pensamentos teria, certamente, ficado vermelho que nem um tomate. A porteira acelera o passo, passa-lhes à frente e vai à sua vida.
Mais rápido, não vá o que vem atrás chegar-se-lhe, o do rez-do-chão dirige-se para o café da praça ao fim da rua onde é habito encontrar-se com um amigo, com este tomar o pequeno-almoço e dar um dedo de conversa, antes de seguir cada um para o emprego. Chegou. O amigo aparece agora. Sentam-se, pedem o costume: um croissant com fiambre sem manteiga para um, um pão de deus recheado com creme pasteleiro para outro, e duas meias de leite.
Diz o amigo:
- Então, trouxeste o livro que te pedi ontem?
- Não, não me lembrei.
- Irra! Já é a terceira vez. És bem um cabeça de alho chocho!
- Deixa-te disso, vai à fava, trago-to amanhã.
Os croissants foram-se, as meias esvaziaram-se.
- Vai uma bica?
Pergunta o do rez-do-chão, que logo continua:
- Lembras-te de te ter contado aquela cena com o meu vizinho do primeiro direito?
- Sim, e então?
- Pois não é que ontem à noite, estava ele à janela e eu a chegar, me chamou abóbora!
- E tu, o que fizeste?
- Nada, para discussão já basta a que houve.
- Que grande nabo me saíste, és bem um banana!
A conversa fica por aqui, porque da mesa ao lado se levanta uma colega do morador do rez-do-chão por quem este sofre de amores inconfessados.
- É boa como o milho!
Diz o amigo.
- Pois é.
Insiste o amigo:
- Só não percebo porque tremes que nem varas verdes sempre que a vês.
Já levantado, o do rez-do-chão, mãos nos bolsos e cigarro ao canto da boca lá vai para o trabalho, a pensar com os seus botões: que coisa, nem hoje que é Sexta-feira, dia de Vénus e de Afrodite, ele me larga o tomateiro!

Aqui termina, por hoje, a intromissão do Reino vegetal na República dos homens.

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