domingo, 7 de junho de 2009

Releituras (Eça de Queiroz)



Domingo de eleições
Para além de ter ido ao voto
releio
A Perfeição
Um dos treze contos de Eça de Queiroz
Depois de vencer a guerra de Tróia, Ulisses fez-se ao caminho para regressar a Ítaca, a sua terra natal. O destino, porém, trocou-lhe as voltas, arrastando-o para uma ilha praticamente deserta, onde reinava Calipso, uma das cinquenta nereidas. Ali tudo era perfeito, harmonioso, pacifico. Ao fim de oito anos de lá estar Ulisses cansou-se de tanta serenidade, de passar as horas a divagar sentado numa rocha, a invejar os guerreiros que haviam perecido nas batalhas a que ele resistira. Estava esquecido dos homens e dos deuses, prisioneiro dos amores da deusa, que o tratava garantindo-lhe paz, doçura, abundância e beleza eterna, com o poder de ser, ela própria, filha de Nereu, um deus do mar que reinava no Mediterrâneo.
As folhas das árvores não amareleciam nem caiam, as flores eram, desde o dia em que chegara, sempre belas e viçosas, nem as tempestades apareciam a fustigar-lhe a choupana onde habitava. Tudo era uma harmonia perfeita. O tédio apossou-se do herói. Isso e as saudades de seu filho Telémaco e de sua mulher Penélope angustiavam-no. Saudades tinha, também, da morte que tantas vezes vira de perto.
Um dia apareceu Mercúrio, o mensageiro dos deuses, com uma ordem para que Calipso libertasse Ulisses. Júpiter era o deu dos deuses. A nereida não lhe desobedeceu mas pôs em dúvida que Ulisses não quisesse ficar imortalizado na ilha perfeita, nos seus braços perfeitos. Ele, porém, disse-lhe ter batalhado já muito, que a sua glória entre as gerações estava segura e que só aspirava ao repouso, vigiando os seus gados, concebendo sábias leis para os seus povos. Partiu para regressar a Ítaca.
A despedida:

Mas então recordou que nem beijara a generosa e ilustre Calipso! Rápido, arremessou o manto, pulou através da espuma, correu pela areia, e pousou um beijo sereno na fronte aureolada da deusa. Ela segurou de leve o seu ombro robusto:
- Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses, para toda a imortalidade, na minha ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos…
Ulisses recuou, com um brado perfeito:
- Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!
E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas impe
rfeitas!
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A eternidade, a eternidade… só existiu enquanto os deuses duraram!

A dor da saudade...essa, só é dominada por quem não a sente!

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