quarta-feira, 3 de junho de 2009

Releituras (Álvaro de Campos)




É sobretudo cansaço

Quarta-feira

Andando por aí a esquadrinhar o que sabemos, logo vemos que os povos pagãos da Antiguidade dedicavam este dia a Mercúrio, o astro logo a seguir ao Sol. Os espanhóis puseram-no no calendário chamando-lhe Miércoles e os ingleses Wednesday. Para os romanos Mercúrio era um deus encarregado de levar os recados de outra divindade, Júpiter, de que era filho. Acabou por ser o mensageiro de todos os deuses. Calçava sandálias, que lhe aligeiravam os pés, e usava, de entre outros atavios, um capacete com asas que o tornava o mais veloz, um relâmpago! E foi como Relâmpago que deixou o Olimpo, provavelmente cansado de tanta correria, transitou para a banda desenhada de onde não mais saiu, e ficou conhecido como um dos heróis, aos quadradinhos, da Marvel Comics. Mudança com que pouco ganhou pois aqui também o obrigaram a ser rápido, embora só lhe exigindo que chegasse à velocidade do som. Passou a herói supersónico das minhas leituras aventureiras de jovem.
Mas não foi para andar com o Relâmpago que me meti nesta Quarta-feira.
Preferi ir à estante, olhar para os poemas de Fernando Pessoa, e reler o heterónimo Álvaro de Campos:
O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

1 comentário:

Sandra Coelho disse...

O único poeta que consigo ler é Fernando Pessoa. Eu sei, flaha minha! Mas soube muito bem bater hoje de manhã com os olhos neste poema!